Toni Collette em Mafia Mamma: De Repente Criminosa (Reprodução)

Créditos da imagem: Toni Collette em Mafia Mamma: De Repente Criminosa (Reprodução)

Filmes

Crítica

Mafia Mamma abraça o pastelão para apoiar seu manifesto de fúria feminina

Catherine Hardwicke mais uma vez esconde ideias sofisticadas por baixo de verniz “bobo”

Omelete
4 min de leitura
12.05.2023, às 15H21.

Se há uma coisa que salta aos olhos já no comecinho de Mafia Mamma: De Repente Criminosa, é que Catherine Hardwicke ainda dirige cenas de ação exatamente como as dirigia em 2008, quando assinou a adaptação para o cinema de Crepúsculo. Leia-se: sem seguir nenhuma das regras não-ditas de seus contemporâneos no gênero, rejeitando todos os cacoetes milimetricamente calculados para emprestar brilho “épico” até à trocação menos inspirada. O resultado são pulos, corridas e tiros filmados com câmera na mão e simplicidade de movimento, uma abordagem mais preocupada com a dinâmica narrativa desses confrontos do que com a dramaticidade deles em tela.

Pode parecer contraintuitivo, especialmente nesta era em que orquestrar destruição e violência “bonitas de olhar” é o que ganha a simpatia dos críticos para os filmes de ação - mas o estilo Hardwicke funciona bem quando a obra em que ele está inserido realmente se importa com a história que está contando. Não é o caso de A Garota da Capa Vermelha, por exemplo, mas definitivamente é o caso de Mafia Mamma, uma comédia de máfia que investe pesado no humor pastelão e nas curiosas relações de personagem estabelecidas pela química do seu elenco. Tudo isso com o intuito de conquistar o espectador para um discurso subversivo sobre violência de gênero e fúria feminina.

Não que dê para adivinhar pela trama: Kristin (Toni Collette) é uma publicitária de meia idade, infeliz com o marido infiel e os chefes machistas, que recebe uma ligação inesperada de Bianca (Monica Bellucci) - ela informa nossa protagonista que seu avô italiano acaba de falecer, deixando-a no controle de uma grande fortuna e uma variedade de negócios. O que Kristin só descobre quando pousa na Itália é que esses tais negócios são na verdade um império criminoso, e que a expectativa é que ela se torne a nova “poderosa chefona” de uma das famílias mafiosas mais importantes da região.

A premissa abre espaço, claro, para muitas situações cômicas de “peixe-fora-d’água”. Kristin nunca nem viu O Poderoso Chefão, e certamente não sabe se portar como um, o que a leva a marcar encontros com famílias rivais em uma loja de gelato recomendada pelo TripAdvisor, assar cupcakes para seus adversários, envenenar sem querer um rival que tinha fingido seduzi-la, e por aí vai. O roteiro de J. Michael Feldman e Debbie Jhoon (parceria formada em séries como A.P. Bio e Not Dead Yet) é bastante hábil na missão de criar cenários humorísticos elaborados enquanto preenche cada cena com gags visuais recorrentes, mais rápidas e fáceis de executar, o que mantém o ritmo ágil do filme.

Não é preciso muito esforço, no entanto, para entender o que há por baixo desse verniz “bobo”. Para começar, Mafia Mamma é um filme surpreendentemente violento, que faz amplamente por merecer a sua classificação indicativa para maiores de 16 anos no Brasil. E essa violência explícita, por vezes beirando o grotesco (ainda que mascarado pelo tom cômico da trama), tem um propósito retórico bem claro dentro do filme. Essencialmente, a brutalidade que Kristin precisa utilizar para se defender de ameaças concretas contra sua vida serve como ponte para que ela encontre a fortitude psicológica para se esquivar de ameaças muito mais sutis à sua autonomia. É a fúria física como canal para a liberação da fúria emocional.

Ao invés de cair na armadilha de transformar sua protagonista em uma assassina fria, corroída pelo desejo de vingança contra aqueles que lhe roubaram a possibilidade de uma vida plena, Mafia Mamma defende que violências de gênero diferentes dão espaço para respostas diferentes. Apesar de toda a sua inaptidão no papel de chefona da máfia, e da carinhosa zombaria que o filme faz dos clichês suburbanos de meia idade que formam o imaginário da personagem, a Kristin de Collette em última instância se torna uma mulher de demandas e reações perfeitamente razoáveis - ela promove conciliação quando possível e, quando impossível, aliena de forma limpa (em diferentes graus de brutalidade) os elementos que desejam controlá-la ou subjugá-la.

É um arco de personagem bem diferente daquele seguido por outras mulheres da ficção que atingiram lugares de poder (pense em A Rainha do Sul ou Game of Thrones). Encontrar a sua força não exige que Kristin abra mão de seu afeto, de sua gentileza, de suas “frivolidades” ou, de fato, de nada além da ideia de que o propósito de sua vida é acomodar o outro - assim mesmo, no masculino. Colette, por sua vez, serve-se bem de toda uma carreira interpretando mulheres neuróticas (e fazendo suas neuroses parecerem singularmente justificadas), acertando ao usar o desajuste cômico como combustível para a frustração que explode em atos decisivos de quebra com os laços que seguram a personagem no início do filme.

Essa jornada dupla de Mafia Mamma como comédia pastelão e manifesto feminista não deveria surpreender tanto: Hardwicke é a diretora que escondeu meditações sobre a política do desejo por baixo dos vampiros românticos de Crepúsculo, e sobre o potencial revolucionário da juventude por baixo do sensacionalismo de Aos Treze. O modus operandi sempre foi esse, e sempre funcionou muito bem nos parâmetros do exercício pop de cinema de gênero - o que faltou, como costuma sempre faltar quando se trata de mulheres cineastas, foi nós prestarmos um pouco mais de atenção.

Nota do Crítico
Ótimo
Mafia Mamma: De Repente Criminosa
Mafia Mamma
Mafia Mamma: De Repente Criminosa
Mafia Mamma

Ano: 2023

País: Estados Unidos

Duração: 101 min

Direção: Catherine Hardwicke

Roteiro: J. Michael Feldman, Amanda Sthers

Elenco: Toni Collette, Eduardo Scarpetta, Sophia Nomvette, Monica Bellucci

Onde assistir:
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