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Quando uma criança chama a outra de "japinha", "neguinho", "alemão", "gordo" ou "quatro olhos" não é necessariamente por maldade ou qualquer tipo de julgamento. Na maioria das vezes é apenas uma simplificação, um jeito mais rápido e fácil de chamar o outro na hora da brincadeira. No meio da rua (2006), novo longa-metragem dirigido e escrito por Antônio Carlos da Fontoura (Gatão de meia idade), parte de uma idéia simples e até inocente como essa para mostrar o cotidiano de dois pré-adolescentes com vidas diametralmente opostas.
Enquanto Leonardo (Guilherme Vieira) corre pra cima e pra baixo em aulas de tênis, computação e inglês, Kiko (Clesley Delfino) joga pra cima e pra baixo bolinhas nos semáforos do Rio de Janeiro. Um vive com dinheiro suficiente para ter motorista particular. O outro rala para poder comprar o alimento do seu jantar. Dá para acreditar que um dia estes dois meninos tão diferentes e ao mesmo tempo tão igualmente sem tempo poderiam se juntar para brincar? Parece improvável, mas não é impossível. Principalmente em uma cidade como o Rio de Janeiro, onde os extremos ficam tão próximos um do outro.
Prova disso foi o que aconteceu há muitos anos com Daniel Fontoura, um dos filhos do diretor e que trabalhou como produtor de locação neste projeto. Quando Daniel tinha 10 anos, Fontoura-pai recebeu uma ligação de uma vizinha: "O que seu filho está fazendo vendendo balas no sinal?". Cansado de ficar em casa, o garoto tinha descido até a rua para ajudar os meninos que ele via todo dia lá de cima do apartamento. A amizade chegou ao ponto dele organizar uma festa de aniversário para um dos amiguinhos na sua casa.
É esta boa ingenuidade, esta vontade de ajudar e dividir, que inspirou Antônio Carlos da Fontoura a desenvolver este filme. A mensagem, claro, é edificante e tem mais é que ser mostrada às crianças - o "amanhã" do "país do amanhã". O roteiro mostra que é possível quebrar as barreiras sociais e até mesmo geográficas que existem entre estes dois mundos. No entanto, colocá-lo na telona sem parecer falso não é tarefa das mais fáceis. Sem invencionices na hora de posicionar suas câmeras, ele faz um filme simples e seguro de suas intenções, porém, assim como no recente Gatão de meia idade, com problemas na atuação. Nada que chegue a arruinar a história, mas é um problema, tão visível quanto o Cristo no alto do Corcovado.
Em vez de optar por uma atuação mais realista como a de um Cidade de Deus, o diretor prefere usar atores mais "experimentados". E o lado negativo desta palavra é que há ali vícios de timing e estilo de quem já passou pelas mãos (ou melhor, lentes) da TV Globo, o que dá um tom meio novelesco à trama. Não ajudam também cenas como a perseguição no meio do morro, que dão ao longa um aspecto infantilizado, como se vê por aí nos filmes de xuxas e trapalhões, e isso não combina com os planos verdadeiramente doídos, que mostram moleques segurando fuzis enquanto fumam maconha ou os meninos que acordam cedo para pedir um trocado nos semáforos.
Fontoura, na hora de finalizar o seu número de malabarismo em que joga para cima crítica social e aos pais que submetem seus filhos a maratonas insanas de aulas de línguas, esportes, música e o que mais estiver na moda, deixa a bolinha cai e o sinal abre.
Ano: 2006
País: Brasil
Classificação: 10 anos
Duração: 89 min
Direção: Antonio Carlos da Fontoura
Elenco: Guilherme Vieira, Cleislay Delfino, Flávia Alessandra, Tarcísio Filho, Maria Mariana Monnerat, Leandro Hassum