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O Livro do Apocalipse | Crítica

Na antologia sul-coreana sobre o fim do mundo, dois médias bem humorados servem de aparadores para um ótimo "Blade Runner budista"

22.10.2014, às 01H14.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

A julgar por O Livro do Apocalipse (Doomsday Book), os sul-coreanos vão receber o fim do mundo com bom humor. É raro que esse tipo de antologia tenha um olhar predominante, mas como Yim Pil-sung dirige dois dos três médias-metragens que compõem o filme, a sua mistura de comédia com terror e fantasia acaba dando o tom.

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"Brave New World"

O primeiro média, "Brave New World", é o que mais se aproxima das referências bíblicas prometidas pelo título O Livro do Apocalipse, embora envolva zumbis e a doença da vaca louca. Um pesquisador que ainda mora com os pais, Seok-woo, é largado em casa fazendo faxina enquanto a família sai de viagem. No meio do lixo, uma maçã podre. Se a referência à maçã do Jardim do Éden não fica clara logo de início, Yim logo depois forma seu "casal original", com um Adão e uma Eva em estado de decomposição, e ainda inclui ao fim do média uma passagem do "Gênesis" para ser mais explícito...

O caminho que a maçã faz, desde a coleta de lixo até voltar à boca de Seok-woo na forma de carne contaminada, parece uma divertida paródia de Contágio. Yim filma planos-detalhes indiscriminadamente no início, então sua fixação em objetos aleatórios torna o média mais absurdo, como se qualquer coisa à nossa volta fosse fonte de perigo, mesmo antes de começar todo o processo de contaminação que levará à criação de uma horda de zumbis.

Embora tenha seus momentos cômicos - a participação especial do cineasta Bong Joon-ho como o comentarista/violonista no programa de TV é impagável - "Brave New World" não vai muito além dessa vocação paródica. E a essa altura do fatídico ano de 2012, no fim das contas, parece muita falta de imaginação acabar com o mundo com um desgastado apocalipse zumbi. Por que não um apocalipse provocado por uma bola de sinuca, por exemplo?

"Happy Birthday"

Pois justamente uma bola preta de sinuca gigante, em rota de colisão com a Terra, é o temor do outro média dirigido por Yim. Ele assina dois filmetes porque Han Jae-rim, que originalmente seria o diretor de "Happy Birthday", deixou o projeto na metade (O Livro do Apocalipse foi inicialmente rodado em 2006, teve seu financiamento suspenso, e só foi completo em 2010). Em comum com "Brave New World", este média tem os comentários sobre os noticiários e a mídia, com o alívio cômico sobrando para debatedores e âncoras na TV.

Mas se "Brave New World" começava paranoico e deixava o absurdo de lado aos poucos, "Happy Birthday" é absurdo por inteiro. Quando descobrimos que a bola de sinuca espacial, na verdade, é uma entrega de uma compra feita pela Internet, as coisas ainda estão só começando... Este média dosa melhor o humor com os sentimentos aflorados pela morte iminente, em boa medida porque funciona a dinâmica entre os personagens, familiares isolados no abrigo à espera do choque da bola meteórica.

O que nos deixa chocados, no fim, é a facilidade com que o cinema sul-coreano pensa e executa filmes inconsequentes como "Happy Birthday". Em Hollywood, isso exigiria um alinhamento de planetas, uma viagem de ácido entre Steven Spielberg e os irmãos Coen, para acontecer. Em Seul, porém, parece ser a coisa mais corriqueira.

"Heavenly Creature"

O melhor dos três médias, ironicamente, não é de Yim Pil-sung. Kim Jee-woon, o diretor de O Bom, o Mau, o Bizarro (lançado em DVD no Brasil como Os Invencíveis), que está fazendo sua estreia em Hollywood com The Last Stand, dirige "Heavenly Creature" com uma gravidade que os médias de Yim não buscavam. Talvez seja por essa seriedade que o média de Kim é exibido em segundo lugar, deixando os filmetes de Yim como "aparadores", no começo e no fim - o que reforça o espírito descompromissado de O Livro do Apocalipse.

Não há nada descompromissado em "Heavenly Creature", porém, com seu desafio filosófico que mistura Isaac Asimov com budismo. A história se passa no futuro, quando uma única megacorporação fornece robôs para as atividades mais rotineiras da sociedade, de acordo com a natureza serviçal das máquinas. Em um templo budista, porém, o robô RU-4 não só adquire consciência da sua condição (o velho dilema asimoviano) como alcança o nirvana, a iluminação. Para seus companheiros monges, RU-4 torna-se Buda.

"Heavenly Creature" contém elementos dos suspenses de ficção científica - um reparador de robôs é chamado a agir no templo e questiona suas crenças, parecido (até demais...) com o Deckard de Blade Runner - mas sua principal "cena de ação" é um debate ético e espiritual entre monges, a corporação e o Buda robótico. Nessa hora Kim Jee-woon não deixa a tensão baixar; sua câmera raramente repete posições, sempre há um ângulo novo a dar um ponto de vista novo para a situação.

No fim, o que fica é uma inteligente discussão sobre o mal da obsolescência programada (amplificada na subtrama da garota histérica porque pifou seu cachorro-robô). Se os médias de Yim Pil-sung se esgotavam em 40 minutos, "Heavenly Creature" deixa margem para crescer, como reflexão.

Nota do Crítico
Bom
O Livro do Apocalipse
Doomsday Book
O Livro do Apocalipse
Doomsday Book

Ano: 2012

País: Coreia do Sul

Classificação: LIVRE

Duração: 115min min

Direção: Kim Jee-woon, Yim Pil-Sung

Roteiro: Kim Jee-woon, Yim Pil-Sung

Onde assistir:
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