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Crítica

O Silêncio do Céu | Crítica

Novo filme de Marco Dutra faz de uma história de vingança uma investigação de gêneros

22.09.2016, às 18H53.

Sugerido e estruturado como um suspense de vingança, a partir do momento em que Mario (Leonardo Sbaraglia) testemunha o estupro de sua esposa, Diana (Carolina Dieckmann), na cena que abre O Silêncio do Céu, o novo filme do diretor Marco Dutra se revela uma experiência bem mais difusa do que uma tradicional narrativa de gênero. Seu prazer principal parece ser justamente o de flertar com outros formatos além do thriller, e investigá-los.

Conhecido por evocar em seus longas, Trabalhar Cansa e Quando eu Era Vivo, a tradição americana do terror de mal estar, de John Carpenter a M. Night Shyamalan, Dutra adapta aqui o romance Era El Cielo, de Sergio Bizzio, numa chave mais próxima do cinema de Brian De Palma, no sentido em que seu suspense beira sempre a farsa, colocando em dúvida a capacidade que o seu protagonista tem de nos transmitir um relato fidedigno da realidade. Nisso, O Silêncio do Céu é muito transparente: o ponto de vista de Mario já parte comprometido não só por suas fobias mas pelo reconhecimento de que o casamento com Diana - relação que os dois estão tentando refazer depois de anos separados - é definido por um teatro de encenações.

Mas que casamento, no jogo de concessões de todo casal, não é feito desse teatro? Essa primeira leitura suscitada por O Silêncio do Céu, bastante amarga, de que um relacionamento longevo se esgarça quando homens e mulheres sobram apenas com a consciência dos papéis conjugais que interpretam, é oferecida por Dutra a partir do momento em que o filme refaz a tarde e a noite do dia do estupro de dois pontos de vista diferentes. De De Palma vem o split focus: quando estão juntos no quadro, Diana e Mario estão em foco sempre, cada gesto carregado de significado. Já as lições de extracampo que o cineasta aprendeu com Shyamalan - valorizar os sons e as imagens que estão por todo lado fora do quadro, fornecendo um angustiante contexto espacial de incertezas - ajudam a isolar Diana e Mario em seus tormentos pessoais.

Há uma boa dose de terror em O Silêncio do Céu, especialmente por conta da exagerada trilha sonora que reforça barulhos urbanos o tempo inteiro para criar uma sinfonia de opressão, da chaleira aos brinquedos de metal sem lubrificação do parque público. Há também um tanto de musical (talvez contribuição do corroteirista Caetano Gotardo, diretor do pouco visto musical O Que se Move), na forma como passeamos por lugares de um aspecto artificial, saturado, como se tudo em cena estivesse iluminado de acordo com uma coreografia pré-combinada, suspensa da realidade, como o viveiro de plantas, com sua dona manquitola que mais parece, em close-ups sinistros, a anfitriã lynchiana de um enevoado pesadelo.

Mas há, acima de tudo, o experimento de fazer cinema de gênero a partir de um viés ontológico: o que define um suspense, um musical, um drama afetivo? Fica a impressão de que há tanto texto narrado em off em O Silêncio do Céu apenas para que se possa manter diante de nossos olhos a encenação mais pura, física, despida do comentário. O próprio Marco Dutra se coloca em cena em certo momento, no papel de um cliente da agência de publicidade, para pontuar esse caráter lúdico de seu filme, que imagina tanto os casamentos felizes quanto as vinganças plenas a partir de suas imagens mais primordiais - respectivamente o café completo, banhado pelo sol da manhã, e a violência à luz confessional da Lua, marcada de vermelho sangue na parede, no vestido.

Em algum momento, a sogra de Diana lhe diz que é preciso levar a sério as tentativas de reaproximação. Ainda que O Silêncio do Céu pareça florear demais uma história que é basicamente uma grande metáfora para a dor de corno do homem de meia idade em crise, nada nas escolhas de Dutra resulta inconsequente, e seu filme, seguindo o conselho da personagem, termina grave e impregnado de peso, embora seja feito de coisas efêmeras como barulhos de insetos, raios de sol e decisões bruscas de verão.

Nota do Crítico
Ótimo
O Silêncio do Céu
Era el cielo
O Silêncio do Céu
Era el cielo

Ano: 2016

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Duração: 102 min

Direção: Marco Dutra

Roteiro: Lucía Puenzo, Caetano Gotardo

Elenco: Leonardo Sbaraglia, Carolina Dieckmann, Chino Darín

Onde assistir:
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