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No mesmo dia em que estréia no Brasil Olhar Estrangeiro, documentário sobre a maneira estereotipada como o país é visto no cinema estrangeiro, está sendo lançado nos EUA Turistas, terror sádico hollywoodiano no qual jovens estadunidenses passam o maior perrengue no país da caipirinha.
Raramente o Brasil é visto tão negativamente na telona quanto em Turistas - a partir daí começa uma discussão a respeito do que é culpa nossa e do que é culpa de Hollywood na alimentação desses clichês. Acompanhando o documentário de Lúcia Murat, porém, percebe-se uma evolução. Os figurantes de Turistas pelo menos são brasileiros de verdade. Até aqui - como Olhar Estrangeiro mostra - a regra era contratar mexicanos que falassem bem inglês para interpretar em português com sotaque espanhol.
O que há de melhor no trabalho de Murat - diretora que tem no currículo dois respeitáveis registros ficcionais de viés político, Doces Poderes (1997) e Quase Dois Irmãos (2004) - é justamente o levantamento dos exemplos práticos. Pela conta, cerca de 200 filmes gringos abordam o Brasil. Alguns, os mais exóticos, são pinçados em Olhar Estrangeiro: Blame it on Rio, LHomme de Rio, The Champ, Sallskaps, Next Stop Wonderland, Si tu vas à Rio... tu meurs, Tempêches tout le monde de dormir, Wild Orchid, Le Fils du Français, Anaconda, Brenda Starr, Lambada - A Dança Proibida, Amazônia em Chamas. Este último, a história de Chico Mendes protagonizada por Raul Julia, é um dos que misturam a babel de idiomas.
A diretora avisa no começo que a câmera se inverteria - o documentário iria atrás dos responsáveis por esses filmes. Ela consegue depoimentos valiosos, muitos deles numa linha crítica e autocrítica, analista do sistema de identificação que tira de um objeto apenas a imagem que interessa ao receptor para reconhecê-lo. Lá fora o Brasil sempre será, no mínimo, um lugar apaixonante e de gente apaixonada. Como situa bem Michael Caine, protagonista de Blame it on Rio - Murat exibe o trecho do filme em que o inglês anda em Ipanema e todas as mulheres fazem top less, com direito a macaco na areia - se essas imagens não fossem repetidas a esmo não virariam clichês.
E é só ver um cartão-postal vendido na praia hoje em dia para ratificar a idéia da repetição. Indo um pouco mais longe, o estereótipo não nasce só da reprodução, ele pode ser uma escolha autoral. Zalman King, o diretor de Wild Orchid, filme que mostra um Rio de Janeiro tribal e erotizado, dá um relato crucial - sabe que a cidade não é daquele jeito, mas foi o Rio que ele concebeu na imaginação. É arrogância do diretor? Sim, e ele assume. O ponto é: que responsabilidade tem o cinema? A sétima arte não é a arte da ilusão?
Mais longe ainda, quantos filmes/novelas brasileiros mesmos não situam o Rio de Janeiro sobrevoando o Cristo Redentor? Ou São Paulo com a filmagem acelerada das luzes dos carros à noite? Que tipo de respeito se cobra de um gringo quando nós mesmos perpetuamos os chavões? Essa é uma discussão na qual Olhar Estrangeiro não entra - não só porque foge ao escopo, como pela complexidade que exigiria um outro filme. O fundamental aqui é entender, por exemplo, como uma moda passageira que tomou a Europa, a lambada, se tornou em menos de um mês uma produção hollywoodiana que mostra uma amazona dançando nos EUA para defender a floresta.
No fundo é tudo culpa do Kaoma.
Ano: 2005
País: Brasil
Classificação: 12 anos
Duração: 70 min
Direção: Lúcia Murat
Elenco: Philippe de Broca, Michael Caine, Philippe Clair, Greydon Clark, Hope Davis, Larry Gelbart, Bo Jönsson, Zalman King, Gérard Lauzier, Robert Ellis Miller, Charlie Peters