Como se fosse um Moonlight inspirado pelos filmes de Claire Denis, em que questões de colonialismo se aprofundam num cinema dedicado à potência dos corpos e dos movimentos, Os Iniciados (The Wound, 2017) representa a África do Sul no Oscar 2018 com uma trama de aceitação homossexual com fundo humanista, ao mesmo tempo em que tenta se filiar a uma varguarda do cinema "de arte" que está sempre mais atenta ao fluxo e aos gestos do que a um texto feito de relações de causalidade.
O estreante John Trengove dirige o filme, sobre um ritual de iniciação na tribo dos guerreiros Xhosa, em que os homens são circuncidados na juventude, em meio à floresta de Cabo Oriental, para marcar a passagem para a vida adulta. O protagonista Xolani (Nakhane Touré), veterano no rito, fica responsável por cuidar de um adolescente rico de Joanesburgo que se viu forçado pelo pai a participar com o resto da tribo. Tanto Xolani quanto o jovem resistem à tradição, não só por questões culturais e econômicas mas também sexuais, porque Xolani esconde sua homossexualidade dos demais.
Uma primeira oposição já se coloca como fruto da atenção que Trengove dá ao caráter físico dos seus jovens protagonistas nus e viris: Xolani é gay e se vê num ambiente que tende culturalmente para as demonstrações de hombridade e para os jogos de força. Essa primeira dicotomia - a delicadeza de Xolani diante da imponência que se espera dos Xhosa - se desdobrará ao longo de Os Iniciados em outras oposições: o velho e o novo, o industrial e o labor manual, o rico e o pobre, o branco e o negro, a tradição e a ruptura.
Enquanto apresenta os personagens e suas dinâmicas, o longa inicialmente se dispõe a observar esses choques sem hirarquizá-los, talvez na esperança de que lados opostos como o velho e o novo possam se alimentar. O que Os Iniciados tem de mais forte é o imaginário potencial que nasce a partir disso: o adolescente que gosta de música eletrônica e anda de tênis na floresta assiste a uma rotina magnetizante e a processos de catarse coletiva em meio a mato, água, fumaça e pó, onde não é apenas a espera pela cicatrização do pênis que sugere um rito de transformação, mas todo o contato com o mundo natural.
Mas o que é natural nesse contexto de mudança, em que as tradições Xhosa resistem ao chamado do urbano mais como uma teimosia do que como um caminho de transcendência? Essa questão se coloca em Os Iniciados de forma muito forte na imagem sempre que o mundo natural se percebe maculado pelo homem, como na presença insistente de torres de transmissão no horizonte descampado da floresta. Trengove emula Claire Denis na busca de uma sensualidade inerente aos corpos e aos gestos (e o trabalho que ele faz com seu elenco é notável para dar autenticidade a esses gestos), mas em Os Iniciados o homem se manifesta mesmo nos objetos. A oposição entre o mundo natural e o dos homens é a principal no filme.
Do meio para o fim, Os Iniciados parece esgotar essas oposições, depois de inflamá-las. A trama de aceitação com fundo humanista toma conta do filme, então, e o impulso de oferecer uma resolução mais definitiva que deixe clara a mensagem acaba diminuindo as polarizações a algumas tomadas de posição. No fim, acaba sendo mais um filme de fluxo que fica refém da causalidade e do subtexto; Os Iniciados havia começado bem evocativo, com personagens descobrindo dinâmicas por baixo das cores de suas máscaras, mas a cada resolução de conflito, a cada tomada de posição, o filme murcha um pouco mais.
Ano: 2017
País: África do Sul, Alemanha, Holanda, França
Classificação: 16 anos
Duração: 88 min
Direção: John Trengove
Roteiro: Thando Mgqolozana, Malusi Bengu, John Trengove
Elenco: Niza Jay, Bongile Mantsai, Nakhane Touré
