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Crítica

Victoria | Crítica

Até quando o plano-sequência será sinônimo de ~cinema puro~?

24.12.2015, às 16H53.

O primeiro crédito que aparece ao final de Victoria é o do operador de câmera Sturla Brandth Grøvlen, o que já quer dizer bastante sobre o filme alemão do diretor Sebastian Schipper. Foram três tentativas, todas tecnicamente bem sucedidas, e a terceira rendeu este longa-metragem de 138 minutos rodado num único plano, numa madrugada das 4h30 às 7h, nos arredores de Kreuzberg e Mitte, dois bairros centrais de Berlim.

Em entrevistas, Schipper diz que o roteiro consistia de 12 páginas e que boa parte dos diálogos seria improvisada. Para conseguir financiamento, prometeu como plano B realizar Victoria com uma montagem tradicional, caso a ideia do plano-sequência não funcionasse. A versão do plano B, produzida antes das três tentativas, "não era boa", diz Schipper, e talvez o diretor devesse tomar isso como um alerta: se seu filme não funciona sem o virtuosismo, talvez seja porque ele só tem o virtuosismo a oferecer.

Na trama, uma jovem imigrante espanhola, Victoria (Laia Costa), aproveita a noite em Berlim com uma visível carência por cumplicidade. Ela conhece quatro berlinenses, e juntos eles passam o resto da madrugada bebendo, fumando (Schipper diz que a quantidade de cigarros denuncia o nervosismo do elenco) e... bem, não convém aqui entregar o que acontece depois de um terço de filme, mesmo porque Victoria carece da surpresa, além do arrojo técnico, para atrair algum interesse do espectador.

Por um momento, nas boas atuações de Costa e do coprotagonista Frederick Lau, nos instantes mais calmos do filme, de intimidade, em que a câmera de Grøvlen pode se aproximar dos dois sem o frenesi tremido de quem corre para acompanhar a ação, Victoria parece se desenhar como um interessante boy-meets-girl - em que o flerte em tempo real emula com sensibilidade a aproximação possível entre duas pessoas na correria da cidade, todos sempre carentes de uma cumplicidade em meio ao barulho e à desatenção. O plano-sequência força justamente o estado de alerta, a atenção, e é curioso ver como o quase-casal, nas cenas do terraço e do café, no flerte em curso, vivenciam em cena esse estado de alerta.

Mas logo Schipper retoma seu projeto formal: executar um filme com tempos fortes pensados não como etapas de um relacionamento mas como desafios de encenação. Rapidamente Victoria perde o interesse ao focar no exibicionismo, no overacting, forçando mil modulações para esfregar na cara do espectador como é possível ir da calmaria à catarse coletiva em duas horas e meia. (Nice job!)

Se a garota espanhola queria uma aventura em Berlim, Schipper a fornece, mas Victoria está longe de ser um estudo de fluxo como o Arca Russa de Alexander Sokurov - esse, sim, um filme em plano-sequência que usa esse recurso não como um truque autorista, do cineasta atrás de um mítico estado de "cinema puro" (até quando vai durar essa falácia?), mas como uma ferramenta apropriada para dar conta da passagem do tempo, para refletir sobre ela, para transformar essa passagem do tempo no filme em si.

Nota do Crítico
Regular
Victoria
Victoria
Victoria
Victoria

Ano: 2014

País: Alemanha

Duração: 138 min

Direção: Sebastian Schipper

Roteiro: Olivia Neergaard-Holm, Eike Frederik Schulz, Sebastian Schipper

Elenco: Laia Costa, Frederick Lau, Franz Rogowski, Burak Yigit, Max Mauff, André Hennicke, Anna Lena Klenke, Eike Frederik Schulz

Onde assistir:
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