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Em Carne Viva | Crítica

<i>Em carne viva</i>

22.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 16H01

Em carne viva
In the cut
, 2003
Australia/EUA/Inglaterra
Suspense - 119 min.

Direção: Jane Campion
Roteiro: Jane Campion, Susanna Moore (livro)

Elenco: Meg Ryan, Mark Ruffalo, Jennifer Jason Leigh, Nick Damici, Sharrieff Pugh, Micheal Nuccio, Alison Nega, Dominick Aries, Susan Gardner, Heather Litteer

Antes de O Silêncio dos inocentes (The Silence of the lambs, de Jonathan Demme, 1991), a personalidade da maioria dos serial killers se resumia ao grau de excentricidade dos seus crimes. Era o tempo de bonecos inanimados como Jason e Michael Myers. Mas depois que Clarice Starling precisou até se associar com o Mal em pessoa, o ex-psiquiatra e canibal praticante Hannibal Lecter, para entender a mente do assassino Buffalo Bill, o gênero não foi mais o mesmo.

Acontece que esse trunfo - incensado durante toda a década de 90, transformando o filme num modelo para todo tipo de thriller psicológico - tende a encobrir um outro grande atributo do roteiro, a sua estrutura engenhosa. Nele, a investigação serve mais como pano-de-fundo do que como tema principal. O que interessa ali, de verdade, é ver como Clarice interage com o canibal. Saber que fim leva Buffalo Bill é menos importante que conferir o destino de Dr. Lecter.

Nos melhores momentos do seu Em carne viva (In the cut , 2003), a diretora Jane Campion segue à risca esse ensinamento de Demme. Homicidas desequilibrados existem aos montes, mas boas histórias de medo, entrega e aprendizado são raríssimas.

Receita mágica

Baseado no livro de mistério homônimo de Susanna Moore, o filme retrata sutilmente a vida de Frannie (Meg Ryan), uma professora nova-iorquina, trintona solteira. Enquanto a sua meia-irmã Pauline (Jennifer Jason Leigh) faz do sexo casual uma razão de viver, Frannie ainda procura um meio termo entre a ninfomania de Pauline e o utópico amor perfeito. Urgente, mesmo, só a sua necessidade de extravasar desejos reprimidos.

A situação passa da teoria à perigosa prática quando Frannie presencia uma felação nos subterrâneos de um bar. Ela não vê o rosto do homem, mas marca na memória as longas unhas azuis da mulher. Mais tarde, bate à porta de Frannie o detetive Giovanni Malloy (Mark Ruffalo): uma moça das unhas azuis foi morta em frente ao apartamento da professora. Com os dias, o perfil daquele assassinato se repete com outras vítimas. Mas o foco da trama já é outro. Frannie encontrou em Malloy um homem capaz de saciá-la.

A analogia à relação limítrofe do filme de 1991 se concretiza quando Malloy passa a ser, ao mesmo tempo, um amante exemplar e um forte suspeito das mortes. Frannie o teme, mas não se afasta. A partir daí, o perigo de um assassino à espreita é um mero detalhe para uma mulher que achou no semi-sadismo a sua receita mágica.

Absurdamente crível

Duas qualidades reconhecidas de Jane Campion - diretora do O Piano (1993) que deu o Oscar de coadjuvante à Anna Paquin de treze anos - afloram aqui: o tratamento delicado de temas femininos e a ótima direção de atores. Ela trata os personagens com um carinho quase maternal, faz surgir o talento ainda incipiente de Ruffalo e dá o acabamento ideal à atuação de Meg Ryan.

Aliás, dizer que Em carne viva serve apenas para desmistificar e desnudar a "namoradinha da América" é reduzir o filme a uma questão menor. Bastam alguns minutos para que toda essa polêmica midiática se dissolva em meio à tensão absorvente do suspense. Meg oferece uma atuação absurdamente crível - coisa quase impossível quando a mitologia de um ator se impõe sobre a imagem do personagem. Desaparece a atriz e resta apenas a Frannie que, nos momentos mais agudos de introspecção e desespero, transmite legitimamente o seu incômodo para o espectador.

Se o resultado não é perfeito, isso se deve aos clichês do gênero que Jane não consegue contornar: suspeitos múltiplos, óbvias provas do crime, perseguições, desmascaramentos finais, assassino caricatural. E não é por falta de tentativa - os seus vertiginosos movimentos de câmera visam fornecer pistas falsas ao espectador e, assim, desviá-lo da investigação real. Uma pena, pois Em carne viva, com o seu sensível retrato de um amor periclitante, não mereceria figurar na vala comum dos thrillers psicológicos.

Nota do Crítico
Ótimo
Em Carne Viva
In the Cut
Em Carne Viva
In the Cut

Ano: 2003

País: EUA

Classificação: 18 anos

Duração: 119 min

Direção: Jane Campion

Roteiro: Jane Campion

Elenco: Meg Ryan, Mark Ruffalo, Jennifer Jason Leigh

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