Filmes

Entrevista

A Comunidade é uma declaração de amor aos gestos de ousadia, afirma Thomas Vinterberg

Filme já está em cartaz nos cinemas nacionais

05.09.2016, às 18H40.

Ocupado neste momento com o projeto Kursk, filme-catástrofe sobre o submarino nuclear russo afundado sob as águas do Mar de Barents, o cineasta dinamarquês Thomas Virterberg, premiado mundialmente (e indicado ao Oscar) por A Caça (2012), prova uma vez mais do gostinho do sucesso internacional com A Comunidade (Kollektivet). Lançado quinta-feira (1) no Brasil, cercado de elogios, este drama de tintas cômicas conquistou o prêmio de melhor atriz (para Trine Dyrholm) no Festival de Berlim, em fevereiro, e, desde então, vem lotando cinemas por onde estreia, levando planeta adentro uma trama de tintas autobiográficas ambientada nos anos 1970. No enredo, o casal Anna e Erik (vividos por Dyrholm e Ulrich Thomsen) se mudam para um casarão, em 1975, levando colegas de copo e desconhecidos para morar com eles. Mas uma paixão inusitada – entre Erik e uma aluna, vivida por Helene Reingaard Neumann, mulher do cineasta - vai abalar esse projeto de paz e amor.

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Com cenas regadas a Elton John, em momentos onde esperamos secura e silêncio, o filme se impõe como um tratado sobre o amor de amigo. Na entrevista a seguir, dada ao Omelete durante a Berlinale, o diretor explica melhor seu processo estético.

Omelete: O quanto de autobiográfico existe em A Comunidade?

Thomas Vinterberg: Existe a saudade. Saudade de um tempo em que se sabia respeitar melhor as regras e as liberdades do amor. Cresci numa ruazinha de apenas 32 casas, na qual seis lares abrigavam “comunidades”, vivendo como família, numa relação fraternal plena. Minha mãe viveu numa dessas comunas, como se chamava nos anos 1960 e 70, quando ela era jovem. Construo o filme com base nessa vivência dela e nas memórias de uma outra Dinamarca, mas não com um sentido passadista, de que o “ontem” seria melhor do que o “hoje”. Tempo é tempo. E ele sempre passa. O que importa é o fato de, nas passagens do tempo, as pessoas se separarem ou se distanciarem ou morrerem. Nada fica igual.

Omelete: O que mais de fascina nessa Europa dos anos 1970?

Vinterberg: A coragem da experimentação. A gente vê pessoas se arriscando e quebrando paradigmas de afeto em nome de uma nova experiência de vida. Amar no plural: isso foi de uma beleza singular. Por isso, este longa é uma declaração de amor aos gestos de ousadia.

Omelete: Em Berlim, quando Trine Dyrholm ganhou o prêmio de melhor atriz por A Comunidade, houve muito crítico classificando seu filme de obra-prima, rotulando-o como um ensaio sobre a amizade. Qual seria a definição precisa?

Vinterberg: Um filme sobre a solidão. É fácil a gente falar em solidão no isolamento, mas não em ambientes coletivos de troca. Mas foi essa a experiência de minha mãe nas comunas e foi essa a sensação que eu identifiquei desse espírito de integração a qualquer preço. Mais do que isso, A Comunidade é um filme sobre a guerra que se travou entre o Amor e a Liberdade, num âmbito individual. Trine, no filme, é alguém que se doa cegamente à comuna sem questionar o ônus de sua aposta. E quando há uma nova mulher na vida de seu marido, tudo se desestrutura. E isso se dá porque o Ser Humano tende àquilo que é impermanente.  

Omelete: Com Festa de Família (1998), longa-metragem signatário do movimento Dogma 95 (no qual regras rígidas como filmar em locação e sem luz artificial era aplicadas como um mandamento estético), você fundou seu nome como alguém que pesquisa novas narrativas. Já que, como você diz, nada é permanente, o quanto a sua trajetória mudou nas telas?

Vinterberg: O Dogma teve seu lugar na História por despir o cinema de suas vaidades e permitir que uma nova geração de diretores marcasse seu nome na Escandinávia. Isso passou e só ficaram as inquietações individuais de cada um de nós com a arte. A minha, por exemplo, é um instinto de explorar as fragilidades nas relações pessoais e testar até quando as pessoas são capazes de permanecer unidas numa situação de pura tensão, como se vê em A Caça. Existe, no caso de A Comunidade, a percepção de que toda a família, seja ela de parentes ou de amigos, convive, em sua sala de jantar, com um elefante branco. O elefante do medo de perder. 

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