Filmes

Entrevista

A Glória e a Graça | "Me considero um homem de alma feminina e gosto de refletir esse universo", diz diretor

Flávio R. Tambellini comanda longa onde Carolina Ferraz faz o papel de uma travesti

29.03.2017, às 16H53.
Atualizada em 29.03.2017, ÀS 17H06

Um clima à la Almodóvar fez de A Glória e a Graça um dos filmes nacionais de maior destaque da Mostra de São Paulo de 2016 e, depois de arrancar elogios e levantar debates sobre identidades homoafetivas, o novo longa-metragem dirigido por Flávio R. Tambellini enfim chega ao circuito, com Carolina Ferraz na pele de uma travesti. Na produção pilotada pelo realizador de Malu de Bicicleta (2010), a atriz vive Glória, dona de um badalado restaurante no Rio, bem resolvida com sua nova vida e bem-sucedida no trabalho. Mas sua rotina vira ao avesso quando ela é procurada por sua irmã, Graça (Sandra Corveloni, atriz premiada em Cannes por Linha de Passe), com quem não fala há 15 anos. Graça ainda pensa que tem um irmão – não irmã – e que este ainda responde pelo nome de Luiz Carlos. O motivo do reencontro é que Graça está com um aneurisma e tem um objetivo: convencer Glória a tomar conta de seus sobrinhos - uma menina de 15 anos e um garoto de oito. Mais do que lavação de roupa suja, a aproximação entre elas abre margem para um debate sobre novas formas de arranjo familiar. Na entrevista a seguir ao Omelete, por e-mail, Tambellini – produtor de sucessos como Carandiru (2003) e cults como Mutum (2007) - fala sobre amor, sexo, representações de gênero e diálogo com plateias.

Omelete: Mais do que uma história sobre família, A Glória e a Graça é um ensaio sobre tolerância que vai além da representação de gênero. É um filme sobre aceitações, das ausências e das perdas, com ecos do que vimos em um de seus longas anteriores, O Passageiro – Segredos de Adulto (2006). O quanto a sua filmografia reflete essa questão da acomodação das cicatrizes? O quão consciente é a relação deste filme com teus demais?

Flávio R. Tambellini: Se eu fosse definir em uma palavra o meu cinema diria que ele é humanista, pois acredita na possibilidade de reaproximações e trabalha com essa vertente. Gosto de filme de personagens e de entender as nuances que separam as pessoas. Vivemos num mundo individualista em que a aparência na maioria das vezes importa mais do que o conteúdo. E é aí que as ausências e perdas têm mais relevância. A morte é inevitável, mas só a encaramos quando ela está próxima. Nesse ponto A Glória e a Graça se aproxima de O Passageiro - Segredos de Adulto. A falta do pai é abordada de diferentes maneiras em ambos. Em todos os quatro filmes que dirigi, faço uma grande imersão no roteiro para me apropriar da obra. Embora não faça questão de assinar roteiros, participo obsessivamente da feitura deles. Isso, apesar de trabalhar gêneros diferentes, dá uma concisão aos meus filmes. Gosto de misturar drama e humor para contar uma história. Adoro o cinema narrativo.

Omelete: De que maneira o melodrama - como gênero - serve de referência para o filme? Que marcos desse filão te serviram de referência?

Flávio R. Tambellini: Quando falo de melodrama,não estou mencionando o dramalhão tipo mexicano,mas sim, filmes de Douglas Sirk, Frank Capra, Ingmar Bergman, Pedro Almodóvar… Eu me inspiro em filmes que falam da vida, dos dramas cotidianos, na superação, ódio, amor, alegria. O cinema argentino faz isso muito bem, talvez porque não tenham telenovelas. O cinema sempre foi uma arte inovadora. Quando o cinema tenta copiar a TV é um desastre. Digo que A Glória e a Graça é um melodrama pop, pela fotografia de Gustavo Hadba, que, praticamente sem luz, criou uma atmosfera onírica, às vezes, lisérgica. Combinamos que a luz não seria naturalista e sim regida pela história, um pouco inspirado no Antonioni de Deserto Vermelho e, recentemente, a obra de Nicolas Windin Refn (diretor de Demônio de Neon).

Omelete: Seu cinema é - tradicionalmente - uma terra masculina, um cinema sobre homens. Como é que foi essa incursão no universo feminino? O quanto a parceria com a Carolina Ferraz te favoreceu?

Flávio R. Tambellini: Sim, meus filmes anteriores tratam do universo masculino, mas sempre são as mulheres que determinam o que vai acontecer nas histórias. Eu me considero um homem de alma feminina e me senti muito à vontade em refletir esse universo. O primeiro roteiro do A Glória e a Graça, que,na época, chamava-se Mosaicos, foi levado a mim 8 anos atrás pelo roteirista Mikael Albuquerque,também autor do argumento. O filme iria ser dirigido por um americano desconhecido e já tinha no elenco a Carolina e Sandra. Não deu em nada e, cinco anos depois, voltou à produtora, pelas mãos da Carolina, com um tratamento do Lusa Silvestre, roteirista de O Roubo da Taça.Trabalhei com o Lusa e depois com o Mikael e, finalmente, o filme saiu. A Carolina se entregou de coração e alma ao projeto. Queria com o papel de travesti dar uma guinada em sua carreira e demonstrar a grande atriz que é. Penso que conseguiu, com louvor.

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