Filmes

Entrevista

Afonso Poyart revela monotonia em fazer cenas de ação e atrito com Anthony Hopkins no set

Diretor brasileiro falou sobre Presságios de Um Crime e cinebiografia de José Aldo

20.01.2016, às 14H05.
Atualizada em 09.11.2016, ÀS 21H05

Duas chances para a consagração popular: de um lado, um thriller de ação com Anthony Hopkins; do outro, um drama de artes marciais sobre um mito do MMA. Ambos os filmes, Presságios de um Crime, que estreia 25 de fevereiro, e Mais Forte Que o Mundo, com estreia prevista para junho, têm forte expectativa do mercado para figurarem entre os blockbusters do ano. E é esta expectativa que pode colocar o santista de 37 anos Afonso Poyart na lista dos cineastas brasileiros de maior visibilidade do momento. Foi depois de 2 Coelhos que ele estabeleceu uma reputação internacional de conhecedor (e bom realizador) de cenas de ação, algo raro na América Latina, sobretudo no Brasil. O domínio da gramática do perigo deu a ele a chance de filmar em Atlanta, nos EUA, a saga sobre os esforços de um paranormal (Hopkins) para ajudar o FBI a deter um psicopata (Colin Farrell). A manha para transformar porrada em poesia visual deu a ele a chance de realizar a cinebiografia do lutador José Aldo, protagonizada por José Loreto. Em entrevista ao Omelete, Poyart fala da incursão em terras hollywoodianas, de heroísmo e da realidade brasileira.

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Com 2 Coelhos você mostrou domínio da gramática dos filmes de ação, mas como é fazer uma cena de luta ou de perseguição em Hollywood, como fez em Presságios de um Crime?

Rodar uma cena de ação é uma tarefa trabalhosa e monótona para quem filma, por demandar muito tempo, repetição, várias câmeras, muito storyboard. É bom de ver na tela, mas é chato de fazer. Às vezes, filmar duas pessoas conversando em um bar pode ser mais prazeroso. Ação por ação não me interessa. O meu interesse é dar a meus personagens uma tridimensionalidade tal que possa trazer um respiro de profundidade existencial a uma cena de violência. Busco algo que dê à ação uma intenção genuína. Mas, frente a esse trabalho, eu tenho saco para me debruçar dias sobre a mesma sequência. Em Presságios de um Crime, há uma sequência numa estação de trem que me consumiu três dias de trabalho, mostrando a invasão de uma equipe da SWAT. Eu tinha Anthony Hopkins de um lado, Colin [Farrell] do outro, 100 figurantes e 30 coadjuvantes, usando três câmeras. Foi difícil, mas foi desafiador. O importante num filme de ação é que a tensão já esteja impressa nos diálogos.

O que representa para um cineasta dirigir uma lenda como Anthony Hopkins? 

Ele tem aquilo que Hollywood chama de star factor: traz uma força enorme com sua experiência. Mas tivemos atrito no começo. Eu tenho um estilo de direção que busca a naturalidade, permitindo que o ator possa sambar com o texto um pouquinho para um lado e um pouquinho para o outro, encontrando uma voz própria, que o deixe mais à vontade. Hopkins é diferente. Ele é muito ligado no texto que chega no roteiro e decora de maneira ostensiva. É o modo que ele usa para encontrar o personagem. Começou difícil, mas fomos nos entendendo e chegamos a um ponto bom neste filme que mostra algo que eu procuro sempre: nos meus filmes todos os heróis têm um problema interno a ser superado. As maiores batalhas de um herói são travadas dentro dele mesmo.

E qual é a sua maior batalha neste momento de busca por consolidação de carreira no exterior e no Brasil?

Isso talvez só um psicólogo saiba responder. Vou descobrir agora, com a estreia de Presságios de um Crime em fevereiro, e com o lançamento de Mais Forte Que o Mundo, em junho. Talvez eu apanhe. Mas tenho a certeza de que estou trazendo filmes que podem conversar com o ideal de herói que cada espectador tem dentro de si. Depois que 2 Coelhos foi visto lá fora, eu fui abordado por agentes de Hollywood que me mostraram muitos roteiros, sobretudo de ação. Mas eu tomei decisões movido pela certeza de um fato: o que prende as pessoas a um filme são sentimentos. Um filme de ação só prende se tiver uma dimensão emocional. É isso o que figuras como Hopkins, Abbie Cornish, Colin me ajudaram a construir neste filme.

Em geral, cineastas que filmam ação buscando realçar outros aspectos que não só a violência trazem muitas referências cinéfilas de mestres das telas. Quais são as suas?

Sou muito ligado ao cinema, mas não sou tão cinéfilo. Não sou do tipo que viu muiiiitos filmes. Sou sim do tipo que vê um mesmo filme muitas vezes. Trago muito elemento do cinema Christopher Nolan e dos filmes Clube da Luta e Os Bons Companheiros. Recentemente, vi Sicario – Terra de Ninguém e fiquei louco com o quanto o Denis Villeneuve consegue construir o drama de um modo simples, que bate intenso na tela. 

Que saldo a experiência de filmar em Hollywood deixou na sua conta estética?

Foi uma experiência profissional muito bacana, mas também um aprendizado para que eu aprendesse uma coisa importante: a diferença entre fazer parte de um projeto só na execução e estar em um filme desde seu desenvolvimento. Tem diretor que trabalha como contratado e lida bem com o fato de estar ali apenas para a execução. Eu tenho mais ligação com o desenvolvimento: gosto de trabalhar no roteiro, pensar o filme. Com Presságios de um Crime, eu pude mudar o roteiro aqui e ali, mas o produtor tinha um apego muito forte ao texto que já existia. De qualquer forma, eu tive o cuidado de dar uma dimensão existencial a um filme com doses de ação. E foi bom estar entre grandes atores e descobrir que alguns têm zero estrelismo, como foi com o Colin Farrell, muito parceiro. Trabalho, no mercado cinematográfico americano, tem muito. Mas nem tudo é coisa boa. É preciso saber escolher.

E como estão estas escolhas neste momento?

O meu agente nos EUA, da United Talents Agency, quer que eu faça mais filmes lá fora e tem vários roteiros que já estou lendo e estudando. Tem coisas aqui no Brasil, para depois do Mais Forte Que o Mundo, como uma proposta para um filme sobre o acidente com o (barco) Bateau Mouche (inspirado em livro de Ivan Sant’Anna) e um projeto baseado em quadrinhos, inspirado pela HQ O Doutrinador, de Luciano Cunha. O Brasil está começando a se arriscar em projetos de outros gêneros e isso é muito estimulante.

E qual é o Brasil que você retrata em seus filmes?

Um Brasil que busca superar os desafios recorrentes e quebrar dificuldades que lhe são impostas. Um Brasil underdog, que começa por baixo e tenta dar a volta por cima. José Aldo é um reflexo deste Brasil

O que podemos esperar de Mais Forte Que o Mundo?

O filme é, de certa forma, uma história sobre perdão, retratando o problema que ele tem com o pai. Fiz diversas entrevistas com o próprio Aldo, que me emprestou seu cinturão real. Ele não se meteu no roteiro, dando a mim liberdade total. Só fez duas ressalvas em sua representação, dizendo: “Eu só não quero aparecer batendo em mulher, nem bebendo”. É um filme com dois momentos. O primeiro, logo no começo, mostra Manaus sob uma perspectiva que aborda a cidade como um ambiente escuro, de pesadelo, com uma direção de arte em tons de vermelho. O segundo, centrado no Rio de Janeiro, retrata a virada pessoal de Aldo, sendo mais solar, iluminada, marcada pela vitória. A partir de junho, o longa já deve estar nas telas, buscando se comunicar com os brasileiros.

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