Filmes

Entrevista

Demônio de Neon | "A obsessão pela beleza tem um preço", afirma diretor

Longa vaiado em Cannes chega aos cinemas esta semana

27.09.2016, às 17H20.

Iconoclasta por vocação e excelência, o cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn (de Apenas Deus Perdoa) pareceu se alinhar com as expectativas do mercado quando lançou Drive (2011), sendo coroado com um prêmio de melhor direção no Festival de Cannes pela potência de suas imagens de perseguição de carro. Mas, desde então, o gesto entendido como um “Ei, Hollywood, me chama pra trabalhar” foi sendo demolido por filmes cada vez mais experimentais em busca de uma narrativa sensorial, que encontra no thriller de horror Demônio de Neon (The Neon Demon), em cartaz no Brasil a partir desta quinta (29), o grau máximo de ousadia e provocação. Vaiado em Cannes, onde disputou a Palma de Ouro, o longa-metragem é um ensaio abrasivo sobre o mundo da moda. Nele, Elle Fanning vive Jessie, uma jovem modelo, virgem, de apenas 18 anos, que vai para Los Angeles tentar a sorte profissional nas passarelas. Lá, ela é devorada (em muitos sentidos) por um universo de estranheza. Mulheres de libidos misteriosas, um fashionita cheio de fogo (Alessandro Nivola, em hilária atuação), um gangster malandro vivido por Keanu Reeves e uma vilã para fazer jus aos grandes psicopatas do cinema - Ruby, vivida com esplendor pela sensual Jena Malone - cruzam o caminho de Jessie numa trama alinhada com o suspense gore. Na entrevista a seguir, concedida ao Omelete na Croisette, Refn fala de suas escolhas formais e ataca a burocracia da crítica.

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Omelete: Antes de sair do papel, antes de chegar a Cannes, Demônio de Neon era definido por você como um filme de terror. O que existe de horror nesse mundo da moda retratado no filme?

Nicolas Winding Refn: A obsessão pela beleza tem um preço. Os homens fazem tudo em nome da longevidade da beleza e da juventude. Entre outras coisas, eles deixam que a vaidade guie as relações humanas. Mas isso já foi contado antes. O que eu quis fazer foi um filme sobre canibais. O canibalismo está em voga há muito tempo no audiovisual, basta ver The Walking Dead ou qualquer filme de zumbi. Mas esse canibalismo perde qualquer provocação quando a presa é algo ordinário, banal, sem representatividade política. A questão deste meu filme é o que os canibais comem e não o apetite deles. Eles comem o Belo. E seria ainda mais construir isso a partir de um diálogo com as cartilhas dos filmes de terror adolescente.

Omelete: Voê é um fã de terror?

Refn: Quando eu tinha 14 anos, eu vi O Massacre da Serra Elétrica, o que modificou toda a minha percepção do cinema.  

Omelete: Como você avalia o tipo de representação feminina de Demônio de Neon – sempre predatória - em relação ao recrudescimento dos movimentos feministas?

RefnDesde a mitologia grega, os homens são representados como signos de força e as mulheres como signo do Belo. As minhas mulheres são predadoras como uma oposição à onipotência dominadora dos homens. Este é um filme sobre instintos primais e sobre o nosso pavor diante da perda da beleza, falado na língua da contracultura, do pop. As mulheres carregam instintos que são da preservação, da proteção. Os homens são predadores porque elas deixam que eles assim o sejam. Mas isso cansou. Cinematograficamente, essa reflexão só funcionaria se eu encontrasse “a” mulher. E Elle Fanning se encaixou nesse perfil com perfeição.

Omelete: E como reagir diante das vaias de Cannes, que já se fizeram ouvir em seu filme anterior, Apenas Deus Perdoa, e voltaram mais forte agora, com Demônio de Neon?

Refn: Isso tem a ver com a descartabilidade do pensamento e a com a ditadura do gosto. Críticos também podem ser descartáveis. Eu não costumo ser analítico acerca do meu trabalho. Mas eu sei, com certeza, que a experiência artística não pode ser medida por um raciocínio de “gostei” ou “não gostei”. Isso vale para comida. Para a arte, o que vale é a experiência sensorial que um filme nos oferece. Eu faço neste filme um fluxo estroboscópico de imagens descontínuas, confiante em algo que eu aprendi vendo cinema mudo. Nos primórdios do cinema, o silêncio era discurso e o movimento era música. É o cinema primal. Eu faço isso aqui, mas sem abrir mão da trilha sonora.

Omelete: E de onde veio o interesse de trazer um astro como Keanu Reeves para essa experiência, ainda que numa participação pequeníssima?

Refn: Bom, o filme é das mulheres, antes de tudo, mas a presença de Keanu era quase uma obrigação uma vez que eu idealizei Demônio de Neon como um ensaio sobre o pop. E ele, mais do que ninguém na indústria do cinema, encarna o ideal que está contido na palavra “pop”. Ele participou de filmes que abriram caminhos únicos para o cinema. Se não houvesse uma comédia sobre amigos como Bill & Ted jamais teríamos Se Beber... Não Case. O cinema de ação, tal qual o conhecemos hoje, não existiria se não houvesse Caçadores de Emoção, pois ainda estaríamos na pré-História de Rambo. Keanu fez Garotos de Programa, de Gus Van Sant, que tornou o cinema independente americano algo capaz de desbravar fronteiras de popularidade, sobretudo na questão da sexualidade. E o que dizer da importância de Matrix. No nosso set, ficávamos, eu e a minha equipe, olhando-nos espantados quando ele estava em cena, como se estivéssemos diante de um rockstar. Keanu é uma lenda. 

Omelete: Existiria alguma dimensão política clara em seus filmes?

Refn: Eu sou um cineasta independente, que, como todos os diretores desta linhagem, filmam contra o relógio, para popular cada centavo que têm. Não me considero um diretor político, até porque, não desejo chocar por chocar, desejo é compartilhar com meu público aquilo que eu mais procuro como espectador: experiências narrativas. E isso não quer dizer algo novo, pois existe, no discurso sobre a arte, uma certa beatificação da novidade. Meu filme novo é apenas um ataque ao classicismo, ao formalismo e à nossa incapacidade de enxergar o quão obcecados ficamos pela beleza.      

Omelete: Você foi cotado para dirigir uma nova versão de Barbarella e já foi várias vezes mencionado como um potencial diretor para filmes de super-herói. Algo gênero está nos seus planos?

Refn: Você acredita realmente que alguém vai me dar dinheiro para fazer um filme de super-herói? Adoraria. Mas...

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