Filmes

Entrevista

Deserto | Jonas Cuarón expõe a xenofobia contra mexicanos em filme com Gael García Bernal

Cineasta roteirizou Gravidade para seu pai, Alfonso Cuarón

02.11.2017, às 10H35.
Atualizada em 02.11.2017, ÀS 10H59

Premiado há dois anos no Festival de Toronto com o Prêmio da Crítica, Deserto de Jonas Cuarón chega ao Brasil somente nesta quinta-feira (2), mas filme traz aos cinemas uma discussão mais atual do que nunca em seu retrato da violência contra o imigrante mexicano. Pai de Jonas, o oscarizado Alfonso Cuarón produz esta trama na qual Gael García Bernal (Diários de Motocicleta) encarna Moises, um mexicano que, ao lado de grupo de conterrâneos, tenta atravessar a pé a fronteira do México com os Estados Unidos. Em sua busca por uma nova vida na América, ele se depara com um assassino, Sam (Jeffrey Dean Morgan), que patrulha a fronteira por sua própria conta e se diverte em sua caça aos imigrantes ilegais.

Na entrevista a seguir, Jonas explica o que existe de político em seu Deserto:

Omelete: Deserto tem uma natureza dramática e uma reflexão política de denúncia contra o tratamento violento aos imigrantes, mas é construído sobre uma estrutura de filme de ação. Como foi elaborar essa narrativa na edição, já que você mesmo foi o montador?

Jonas Cuarón: O foco central estava num certo esgotamento diante da recorrente representação do americano como vítima do estrangeiro. Estamos saturados de filmes onde americanos são perseguidos por “monstros” de outras nacionalidades. Aqui, eu tenho o contrário: um mexicano caçado por um americano que mata sem uma razão aparente, na fronteira. Existia o simbolismo universal da ideia de fronteira que eu tinha que explorar na montagem: a percepção de que limites regionais, como toda barreira, são criações arbitrárias. As interdições não são físicas: são morais. Num segundo ponto da edição, eu tinha que evitar qualquer take que pudesse justificar as ações de Sam, o patriota vivido por Jeffrey Dean Morgan. Para a dramaturgia que eu queria construir funcionasse, ele não poderia ter seu ódio justificado por nada. Isso seria uma forma de o filme chegar ao coração da xenofobia, uma praga universal movida pelo ódio.

Esse pensamento sobre imigração dialoga com que visões e representações do cinema mexicano? Existem em seu filme um diálogo consciente com a tradição do cinema de seu país?

Jonas Cuarón: Existe uma clara influência de grandes diretores que me marcam, como Geraldo Naranjo e Amat Escalante. São pessoas que falaram do México de maneira mais universal, pelas vias da imagem, evitando resvalar numa lógica da palavra. Mas eu tentei fazer um filme do mundo, não do México. O bom cinema não tem endereço.

Embora chegue só agora ao Brasil, Deserto começou sua carreira mundial em 2015, antes de Donald Trump assumir a presidência. O que mudou na representação da rejeição aos imigrantes nos Estados Unidos após a eleição dele?

Jonas Cuarón: Eu passei minha vida entre o México e os EUA, sou casado com uma americana e tenho filhos que vivem a experiência das duas culturas. Delineei esta história há cerca de dez anos, bem antes de Trump ser uma realidade, baseado em tudo o que vi e aprendi sobre o trânsito de mexicanos para a América. Já existiam problemas graves antes de Trump. A retórica da exclusão já era forte antes de ele chegar. Quando estávamos preparando o lançamento, saiu a candidatura dele e Gael veio questionar comigo se nosso filme ainda seria relevante caso ele ganhasse. Bastou ver o grau de racismo dos discursos de campanha dele para que entendêssemos o quão importante é esta história que filmamos.

O que um ator com a carga política de Gael García Bernal agrega a um projeto?

Jonas Cuarón: Desde que eu escrevi Deserto, era ele quem eu tinha em mente. E ele foi fundamental para toda a investigação, pois é um ator que já fez uma série de projetos, inclusive como diretor, sobre a realidade política e econômica dos mexicanos. Inclusive, viveu papéis ligados à questão da imigração. E, como ator, ele tem uma potência que me ajudava a inflamar os debates que esperava abrir a partir do filme.

Como ficou o projeto de Z, a nova versão de Zorro, com Gael no papel do herói e você na direção?

Jonas Cuarón: Recebi esse convite a cerca de um ano, mas não é um projeto meu. Ele depende da vontade e do empenho de seus produtores. Mas me interessa muito, por tudo o que a figura de Zorro representa para a cultura mexicana. E a presença de Gael no papel faria ainda mais diferença.

Qual foi o legado mais valioso de sua relação com seu pai, Alfonso Cuarón, no set de Gravidade?

Jonas Cuarón: Devo muito do meu aprendizado de cinema a meu pai por uma série de experiências ligadas a diferentes momentos da minha vida, inclusive coisa que ele me apresentou quando eu ainda era criança. A gente trabalhou em Gravidade no âmbito da dramaturgia, do roteiro... e ele me mostrou o quão importante é ter um roteiro sólido, bem amarrado, para manter uma narrativa de pé. Você pode improvisar, pode abrir mão de cenas, mas, para isso, o roteiro tem que te dar segurança para inventar.

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