Filmes

Entrevista

Festival de Brasília | Deserto, de Guilherme Weber, leva metáfora política ao evento

Filme marca estreia do ator paraense como cineasta

27.09.2016, às 16H58.

Serão conhecidos hoje (27) os vencedores do 49º Festival de Brasília e, entre todos os candidatos ao troféu Candango de melhor filme, nenhuma ficção se alinha mais (e melhor) com o espírito de contestação política do país - e do evento, cujo grito de guerra foi a frase “Fora Temer!” – do que Deserto, dirigido pelo ator paranaense Guilherme Weber. Em sua estreia como cineasta, neste mesmo ano em que abocanhou as mais elogiosas críticas no teatro como diretor da peça Os Realistas, Weber toma emprestado a trama de Santa Maria do Circo, um romance do mexicano David Toscana. Na trama, ele narra as desventuras de uma maltrapilha trupe de circo-teatro pelos confins de um Sertão sedento, sem CEP determinado. Não se fala em Nordeste, nem se nomeia onde fica aquele lugar, percorrido por atores cujo líder (Lima Duarte, em uma participação curta, mas avassaladora) trata seu elenco com mão de ferro. Mas tudo muda quando eles encontram uma cidade fantasma.

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Na sessão aqui em Brasília, o filme se mostrou para mim ainda mais duro do que já era, impondo seus silêncios, sua aspereza, afirmando-se como metáfora política, na medida que eu fui torcendo o enredo do livro de Toscana”, diz Weber, forte candidato a prêmios esta noite.  

Cansados de tanta andança, os personagens de Deserto enxergam no vilarejo abandonado mais do que um pouso: eles percebem que podem invadir as casas vazias e ali fundar uma nova pátria. Mas, para que isso possa funcionar, é necessário que cada um assuma um papel dentro dessa recém-fundada nação. Para isso, eles vão sortear suas funções. Assim, ao sabor da Sorte, ou do Azar, a  única adolescente da trupe (Pietra Pan) tira o papel de “caçadora”, o homem forte do circo (Márcio Rosário, a maior surpresa do filme) fisga o papel de “prostituta”, o anão (Claudinho Castro) é eleito médico e uma mulher careca e morfética (Magali) se torna a médica, curando feridas a lambidas, numa perversão erótica do filme, carregado de sensualidade.

Este filme foi rodado antes desse caos político que estamos vivendo hoje, mas ele carrega algo de muito metafórico ao falar da formação de uma nação que parece o Brasil numa microescala, com sotaques de diferentes locais do país em seu elenco”, diz Weber, que construiu o roteiro em parceria com a escritora Ana Paula Maia (Carvão Animal). “O cinema foi atropelado pelo naturalismo. E aqui, indo numa direção diferente, eu apostei na alegoria. É pena que a gente consiga projetar essa alegoria de Deserto e de violência em diferentes momentos de nossa história, seja no início da escravidão, seja na Inconfidência Mineira”.

Dono de uma sólida carreira nos palcos, Weber se firma como realizador, nas telas, com uma linguagem essencialmente audiovisual, sem nódoas de “teatro filmada”, com a força da fotografia de cores esmaecidas de Rui Poças.

Meu olhar de cineasta se constrói como um fruto do espectador que eu sou, sob influência do cinema de Ingmar Bergman, de Theo Angeopoulos, de Cral Theodor Dreyer”, diz Weber. “Minha mãe morou em Los Angeles, quando mais jovem e o meu tio-avô foi câmera em Hollywood e chegou a trabalhar em filmes de Esther Williams, o que me criou uma aura mítica em relação ao cinema. O teatro surgiu na minha vida para me salvar da decepção de não poder fazer cinema na Curitiba dos anos 1980. Mas, hoje, posso experimentar com a linguagem cinematográfica e borrar as fronteiras entre o que é naturalista e o que é alegórico”.

A julgar pelo boca a boca de Brasília, Deserto tem como maior rival o documentário Martírio, de Vincent Carelli, sobre o genocídio das tribos Guarani Kaiwoá. Estimam-se prêmios ainda para Elon Não Acredita na Morte e A Cidade One Envelheço.

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