Filmes

Entrevista

"Ficou mais fácil prever o Oscar", diz brasileiro que almeja a estatueta

Rodrigo Teixeira comenta sua vitória no Spirit Awards e a consagração de Moonlight

Omelete
8 min de leitura
03.03.2017, às 19H57.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Talvez o Brasil ainda demore anos a levar um Oscar de melhor filme estrangeiro, mas isso não impede brasileiros de traçar planos mais imediatos. O produtor Rodrigo Teixeira, que empresta seu nome à RT Features, e há duas semanas foi o primeiro brasileiro a ganhar um Spirit Award - de melhor longa de estreia por A Bruxa (imagem acima), dirigido por Robert Eggers -, é um desses nomes.

Na entrevista abaixo, Teixeira, que é um dos novos votantes que foram convidados a ingressar na Academia em 2016 (assista ao OmeleTV em que ele comenta com Anna Muylaert a "abertura" do Oscar), fala sobre Spirit Awards, sobre os caminhos que levaram ao Oscar de Moonlight e sobre seus planos de conquistar a estatueta mais cobiçada da indústria.

O Spirit Awards é o principal prêmio de cinema independente nessa temporada de premiações americanas. Você acha que depois desse troféu a impressão sobre a RT Features - que produz tanto cinema nacional quanto estrangeiro - já mudou lá fora?

Depois de Sundance deste ano, das nossas vendas de Patti Cake$ e Call Me by your Name, a empresa já virou outra coisa. Mudou por conta de Sundance [em janeiro], e quinta e sexta antes do Spirit no sábado eu já tive várias reuniões em Los Angeles e vi como a empresa foi para outro lugar nos Estados Unidos - o acesso, o respeito... A gente não é mais só uma promessa. A gente faz vários filmes que têm uma história no cinema americano, e esses dois filmes vão ter a história deles no segundo semestre. A gente hoje está no mesmo nível de vários players do cinema independente americano, não estamos nivelados por baixo. Temos acesso aos mesmos projetos desses caras, estamos discutindo filmes que podem concorrer ao Oscar daqui a dois anos... Tanto que minha cabeça deu uma mexida de janeiro pra cá, coisa que nunca tinha acontecido.

Olhando de fora, parece que houve antes essa virada de chave quando você começou a trabalhar com Noah Baumbach, e fez com ele Frances Ha e depois Mistress America. Na sua cabeça o essencial é escolher os caras com que você trabalha ou escolher filmes?

As duas coisas, os caras e os filmes. Já tínhamos uma trajetória mas Frances Ha foi a virada, a abertura. A manutenção veio depois. Veio Love, veio A Bruxa, e o Spirit Awards. Frances Ha já é passado mesmo. Já A Bruxa, que ganhou o Spirit e é um filme de terror, é até hoje a maior bilheteria da [distribuidora] A24, maior que Ex Machina, talvez perca agora esse posto para o Moonlight. Ganhar um prêmio dessa magnitude com um filme de gênero [como A Bruxa] é uma consagração, na minha opinião.

A A24 fez história agora no Oscar com o reconhecimento a um filme pequeno deles, com perfil de festival, que é o Moonlight. O que eles têm de diferencial? Como a distribuidora influencia numa premiação dessas?

Acho que a distribuidora realmente ajuda e acho que a A24 é uma resposta moderna ao que foram os irmãos Weinstein [na Miramax e na Weinstein Co.]. É uma coisa cíclica, é a vez deles agora, assim como virá uma empresa nova que está surgindo agora, que é a Neon [anunciada por Tom Quinn e Tom League em Sundance deste ano]. Eu vi o surgimento da A24; o primeiro filme que eles tentaram comprar foi Frances Ha, conheço os caras há quatro anos, e na minha vida profissional nunca vi uma ascensão tão meteórica. Isso é prova de talento. Nenhuma distribuidora tem um departamento de marketing como o da A24, que é brilhante. Não tem nas majors de lá, não tem no Brasil. É outro nível de cultura, e é muito bom trabalhar com eles, porque eles são cinéfilos. O que eles fizeram pelo Moonlight, pra mim, todos os produtores só têm que aplaudir, porque é um filme de US$ 1,5 milhão que ganhou o Oscar.

A distribuidora acaba escolhendo um só "cavalo" para a corrida entre seus vários filmes? Você acha que A Bruxa poderia ter essa chance de Moonlight?

Acho que eles apostaram em A Bruxa, mas não teve a perenidade do Moonlight. Eles apostaram numa cartela ali de quatro ou cinco filmes, tanto que eu, que sou votante, recebi um material da A24 para me convencer a votar em A Bruxa, 20th Century Women, American Honey e Moonlight.

Para você, qual foi o fator decisivo da vitória de Moonlight?

Tem vários fatores. O primeiro deles, que agora eu entendi, como votante, é a regra da ordem do voto: você vota de um a nove. A mecânica da pontuação coloca essa nota de corte do segundo, que é importante, porque o primeiro colocado de cada votante ganha X pontos, o segundo Y pontos e assim por diante. Um cara da Amazon me contou que às vezes o segundo mais votado é o que ganha, porque ele é o segundo para a maioria das pessoas, e o primeiro nem sempre é o primeiro para todo mundo. Então, por exemplo, Moonlight era o meu segundo preferido, e o meu primeiro era A Chegada. Já La La Land devia ser primeiro ou terceiro para muita gente. Acho que Moonlight foi o segundo para muita gente, e a pontuação colocou o filme na frente. É diferente de melhor ator, por exemplo, em que você vota em um nome só. Em melhor filme e melhor animação você vota em ordem.

Assim como pode ter acontecido com Spotlight ano passado.

A mesma coisa. Crash - No Limite deve ter ganhado na mesma lógica. Você se pergunta: como Crash ganha o Oscar? Porque aquele filme é o segundo de um monte de gente, assim como Spotlight deve ter sido. Essa é a minha visão, e fica mais fácil você prever o Oscar. Eu assisti à cerimônia na festa da A24 com o pessoal de Moonlight, e ali foi comemoração de Copa do Mundo. Eles ficaram atônitos, e todo mundo é amigo de Jordan Horowitz, o produtor de La La Land. Todo mundo se gosta. Mas na hora que anunciaram La La Land [como vencedor] todo mundo ficou chateado, porque o filme não é uma unanimidade. Isso é engraçado. A nossa geração de produtores nos Estados Unidos não gosta de La La Land. Até que no Spirit Awards tiraram uma onda, porque é um filme de US$ 30 milhões, ele não entraria no critério do prêmio [dado para filmes independentes, mais baratos].

E qual a importância da campanha, se o segundo filme mais querido talvez tenha mais chance?

A campanha é fundamental. Por exemplo, recebi Silêncio, do Scorsese, dois dias depois de aberto o período de votação. Eu voto em melhor filme, e não tive tempo crítico de pensar sobre Silêncio. A Paramount me mandou depois, então acho erro do marketing. O filme chegou depois, e eu poderia ter votado em Silêncio. Daí você não entende se é um erro estratégico, se eles não apostavam muito... No caso de Frances Ha, o distribuidor falou pra mim: "Vocês não têm chance". Eu penso diferente do distribuidor. Talvez se o filme estivesse na A24 ele até tivesse sido indicado ao Oscar. No ano do Frances Ha ele talvez não ganhasse, mas entre os dez teria ficado.

Eu lembro de uma história em 1996 ou 1997, eu estava vendo o Oscar no Carnaval. Quando Matt Damon e Ben Affleck ganharam o Oscar por Gênio Indomável eu falei para meus amigos: "Se esses dois ganham o Oscar eu também ganho". E meus amigos só tirando sarro. Daí quando ganhei o Spirit, dois dos amigos que estavam naquele dia me mandaram um Whatsapp [risos]. Sempre que eu subo em um palco eu miro em uma pessoa para ficar mais calmo. E quando eu subi lá pra receber o Spirit, quem está na minha frente? Matt Damon. Sentado na minha frente, juro por Deus.

Você tinha que ter contado essa história no agradecimento!

Uma hora eu chego lá e eu conto! Eu não conseguia falar. E ali o prêmio não era meu de fato, era do Robert Eggers. Ele tinha que falar, ele era o cara. Se eu tivesse produzido esse filme sozinho, sim, mas ali não era pra mim.

Agora entre seus próximos filmes você tem um bem grande, que é o novo de James Gray, Ad Astra, ficção científica espacial que finalmente vai sair. Tem cronograma?

Deve rodar em junho.

Para Cannes do ano que vem?

Nem sei se Cannes. Acho que esse filme não é para festivais. É um nível muito mais alto. Se for para festivais, deve ser filme para abrir Toronto.

Se você pudesse escolher um filme seu e uma estratégia para chegar ao Oscar do ano que vem, o que faria?

Call Me by Your Name é um que eu acho que tem chances de Oscar no ano que vem. Acho que tem estratégia ali, mas teria que pensar com muita calma. Não vimos ainda o ano inteiro, mas se eu tivesse que apostar eu colocaria esse filme em sete categorias, possível finalista de melhor filme. Estou falando com muita antecedência, soa até muita arrogância minha falar isso, mas acho que hoje, analisando com o Oscar do ano passado, eu colocaria Call Me by Your Name em sete categorias. Foi muito reconhecido pela crítica em Sundance, passou numa sessão especial fora de competição porque não podia concorrer. Se tivesse competido teria levado tudo.

E a ideia agora é voltar com ele no Festival de Toronto?

A ideia é colocá-lo em outro festival americano que não definimos ainda e, depois, partir para a temporada de Oscar.

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