Filmes

Entrevista

"Gosto do prazer de ver a espinha arrepiar de pavor", diz Kiyoshi Kurosawa, mestre do horror japonês

Creepy, novo longa do diretor, traz um psicopata que usa agulhas para fazer o mal

15.11.2016, às 09H39.
Atualizada em 15.11.2016, ÀS 10H02

Celebrado pela crítica internacional como um mestre do terror, definido como sendo uma espécie de Brian De Palma do Japão, capaz de arrebatar milhares de pagantes na Ásia, Kiyoshi Kurosawa consolidou em definitivo seu prestígio mundial ao receber do Festival de Berlim o convite para apresentar, em sessão de gala, hors-concours, um filme de suspense que seus fãs andam classificando como sua obra-prima: Creepy.

Enquanto as nossas miopias morais nos impedirem de perceber o Mal que está ao nosso redor, o cinema de terror e de suspense vai existir e arrebatar pessoas”, disse Kurosawa em entrevista ao Omelete, na Berlinale. “Creepy é um filme sobre os locais sombrios que existem na alma de todos nós, centrado em um universo onde todos tem alguma imperfeição, um desvio, um segredo”.  

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De passaporte já carimbado para o circuito brasileiro, onde estreia nesta quinta, Creepy deixa o medo escorrer solto por uma trama coalhada de reviravoltas. No enredo, o realizador de cults do pavor como Crimes Obscuros (2006), Pulse (2001) e Cure (1997) narra  o esforço de um policial aposentado para descobrir o que existe de violento por trás da excentricidade de seu vizinho boa-praça. Sangue não falta a esta narrativa que coroa a excelência de um cineasta com quatro décadas de carreira dedicadas às formas mais sangrentas de assombração.  

“Desde que os irmãos Lumière fizeram a primeira projeção pública de imagens em movimento, o cinema estabeleceu para si uma condição mítica, pela habilidade de produzir obras-primas a partir do movimento e da percepção do tempo. Brincar com um aparelhinho tão cheio de potencialidades como a câmera de cinema, que fabrica obras-primas, deu a mim a certeza de que a inspiração para contar uma história muda a cada filme que faço a partir da observação do fluxo da vida, das histórias que se desenham diante de mim no dia a dia, daquilo que leio”, diz Kiyoshi, que, apesar do sobrenome, não é parente do mestre Akira Kurosawa (1910-1998). “Creepy nasce de um romance de Yukata Maekawa no qual a insegurança rege as almas de todos os personagens, como um tipo de fantasia sombria”. 

Seu herói em Creepy é o policial Takakura (Hidetoshi Nishijima), que abandona a farda depois de ser ferido por um serial killer no cumprimento do dever. No esforço de se reinventar, ele optar por virar professor e lecionar Criminalística. Mas, ao entrar para a universidade, ele acaba se distanciando de sua mulher (Yuko Takeuchi). O abismo entre o casal vai se abrir ainda mais quando ela começa a se aproximar do Sr. Nishino (Teruyuki Kagawa, um popstar em solo japonês), morador da casa de trás. Ela não faz ideia da maldade que Nishino é capaz de deflagrar com objetos perfurantes, sobretudo seringas e agulhas.

O que faz o cinema de terror ser um parque tão criativo para a invenção é o fato de ele não demandar grandes orçamentos, apenas grandes ideias, que podem ser filmadas com pouco dinheiro, em pouco tempo, desde que com muita invenção”, diz o cineasta de 61 anos. “O que eu faço, como marca dos meus filmes, é anular a ideia de que o colorido da fotografia ou da cenografia tenha uma temperatura de cor. No meu universo visual, tudo é esmaecido e sombrio, menos o sangue, que chega como uma afirmação da força que o Mal pode exercer. No Japão, a gente encontrou no horror um meio de trabalhar a linguagem do pop e alcançamos uma produção muito prolífica nos anos 1990, que foi se perdendo nos anos seguintes. Mas eu tento mantê-la viva ao observar a Morte”.

Em 2015, Kiyoshi surpreendeu seus fãs ao abandonar o susto e se abraçar no drama, ainda que metafísico, ao falar da comunicação amorosa entre vivos e mortos em Para o Outro Lado (Kishibe No Tabi), pelo qual recebeu o prêmio de melhor direção na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes. Mas o afastamento de suas raízes durou pouco. Em paralelo a Creepy, ele voltou a buscar o lado maléfico do Além em O Segredo da Câmara Escura (Daguerrotype), que rodou em francês, com astros de CEP europeu como Olivier Gourmet Tahar Rahim, sobre uma técnica de fotografia que pode roubar almas. Esta produção foi exibida (com enorme procura popular) na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Tenho uma sensação de fascínio sobre o efeito que a perda de grandes amores geram em quem fica para trás, vivo, e este filme é produtor desta reflexão”, diz Kiyoshi, já envolvido numa nova produção, ainda sem título. “Gosto do prazer de ver a espinha alheia congelar de pavor”.

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