Filmes

Entrevista

Guerra do Paraguay | "A violência virou porta de entrada da sociedade", diz Luiz Rosemberg Filho

Mito do cinema autoral participa de debate sobre o filme

28.03.2017, às 19H35.
Atualizada em 28.03.2017, ÀS 21H02

Considerado por parte da crítica um dos filmes brasileiros mais radicais das últimas décadas, Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg Filho, expande seu espaço em circuito: lançado em São Paulo no fim de semana passado, ele chega nesta quinta-feira ao Rio de Janeiro, aclamado por elogios estrangeiros, após uma passagem por um evento no México. Ainda nesta terça, em solo carioca, a produção será exibida às 20h no Estação Net Rio, em Botafogo, seguida de debate com o cineasta, um estandarte da de transgressão política, que ganhou status de pop. 

Celebrizado no Passado por exercícios autorais como A$$untina das Amérikas (1975) e Jardim de Espumas (1970), ele promove em Guerra do Paraguay uma alegórica dissertação sobre a inutilidade da morte nos campos de batalha, inspirado pelo conflito sul-americano ocorrido entre 1864 e 1870. Na trama, um soldado (Alexandre Dacosta) saído de combate esbarra com a carroça de duas atrizes mambembes (Ana Abott e Patrícia Niedermeier) com quem conversa sobre o absurdo da brutalidade. Um quarto personagem, um índio paraguaio com o rosto mascarado e ensangüentado (Chico Diaz) testemunha os horrores da realidade brasileira daqueles anos – não muito diferentes das mazelas de hoje. 

Depois de quase 30 anos sem espaço em cartaz, Rosemberg foi redescoberto ao ter um curta-metragem, Linguagem, exibido no Recife, no Cine PE, em 2014, sendo, a partir de então, alvo de retrospectivas, livros e homenagens. Em maio deste ano, será lançado um documentário sobre sua trajetória – Rosemberg: Cinema, Colagem e Afetos, de Cavi Borges Christian Caselli- e ainda um de seus trabalhos mais antigos, Imagens, rodado nos anos 1970 e até hoje inédito. Na entrevista a seguir, o diretor fala sobre sua estética e sobre as crises políticas nacionais.

Omelete: De que maneira Guerra do Paraguay traduz o teu olhar crítico sobre a institucionalização da violência? 
Luiz Rosemberg Filho: A violência virou porta de entrada da sociedade, dos partidos, religiões, da política e da vida miserável que vive sendo vendida como saída. Uma saída para a morte né? Como se pode ser humano ou gozar com a violência? E se ela virou saída só nos resta confrontá-la! Triste perder tanto tempo com essa bobagem. 

Omelete: Qual é o papel estético da palavra no cinema que você dirige?
Luiz Rosemberg Filho: Sem a palavra a poesia torna-se manca. No meu cinema, ela sempre foi fundamental assim como no cinema de diretores como Jean-Marie Straub ou Godard. Não consigo imaginar um cinema sem palavras. Eu já até fiz filmes mudos, entre eles Imagens As Últimas Imagens de Tebas, que estão no YouTube, mas preciso delas. Ainda que ame muito fazer imagens, não consigo pensar sem a ajuda das palavras. Não a palavra pela palavra, mas uma relação que dê ao cinema a consistência da aventura que é pensar e amar.

Omelete: Qual é o sentido estético que uma guerra como a do Paraguai cria?
Luiz Rosemberg Filho: Uma guerra, seja ela lá qual for, não cria processo estético algum. Ela é feroz, destrutiva, fascista e boçal. Mas quem lida com tudo isso bem e até ganha dinheiro com a sua espetacularização é Hollywood e as fábricas de armamento. Existe algo mais imundo e boçal que uma guerra? Como você pode destruir civilizações e matar quem você não conhece? Faz algum sentido? Só se for para os velhos e novos guerreiros se mostrarem. E isso é patético. Não seria melhor eles lerem um livro de Brecht ou de Sade? A sensibilidade e a inteligência não representam valores mais humanos? Matar é fácil. Qualquer idiota o faz sem pensar, né? Já criar é muito mais complicado, pois te exige pensar. E o pensamento deixou de existir no Brasil. Pena, pois já fomos melhor como Nação. 

Omelete: Qual é a sensação de ser descoberto por novos públicos hoje, após décadas de invisibilidade sob o jugo da censura?
Luiz Rosemberg Filho: Eu nunca me preocupei em ser ou não descoberto. Não me sinto descoberto e sim coberto de encontros e afetos. Nunca foi o meu projeto ser uma vedete. Estar na mídia falando sobre tudo e sobre nada. Isso os políticos fazem com mais estilo bufão. Falam sobre tudo e nunca dizem nada né? Cinema é um mistério que te conduz e não cabe a mim solucioná-lo. Eu tento fazer bons filmes nunca querendo simplificar questões ou enganar o público. 

Omelete: Qual será o seu próximo filme?
Luiz Rosemberg Filho: O próximo projeto é um longa chamado Os Príncipes. Não saberia ainda falar bem sobre ele, pois é um velho projeto que tem que chegar até mim amorosamente. E repetir velhas caminhadas já não tão desejadas, como foi com meu longa anterior, Dois Casamentos, e agora com Guerra do Paraguay, é uma relação mais delicada e difícil. O filme que eu queria fazer era A Commedia Dell’Arte, mas não foi possível. Aqui filma-se o possível, né? E para a nossa geração foi sempre muito difícil, pois nunca tivemos apoio logístico do capital, das empresas e de nenhum tipo de governo. Os temas nos chegavam e íamos encontrando os recursos necessários. Por isso me voltei para os curtas e médias pois passo a não depender de ninguém. Só dos verdadeiros e poucos amigos. E que são poucos, né? O cinema foi sendo transformado mais num campo de guerras que num campo de entendimentos, encontros, respeito e afetos. 

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.