Considerado por parte da crítica um dos filmes brasileiros mais radicais das últimas décadas, Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg Filho, expande seu espaço em circuito: lançado em São Paulo no fim de semana passado, ele chega nesta quinta-feira ao Rio de Janeiro, aclamado por elogios estrangeiros, após uma passagem por um evento no México. Ainda nesta terça, em solo carioca, a produção será exibida às 20h no Estação Net Rio, em Botafogo, seguida de debate com o cineasta, um estandarte da de transgressão política, que ganhou status de pop.
Celebrizado no Passado por exercícios autorais como A$$untina das Amérikas (1975) e Jardim de Espumas (1970), ele promove em Guerra do Paraguay uma alegórica dissertação sobre a inutilidade da morte nos campos de batalha, inspirado pelo conflito sul-americano ocorrido entre 1864 e 1870. Na trama, um soldado (Alexandre Dacosta) saído de combate esbarra com a carroça de duas atrizes mambembes (Ana Abott e Patrícia Niedermeier) com quem conversa sobre o absurdo da brutalidade. Um quarto personagem, um índio paraguaio com o rosto mascarado e ensangüentado (Chico Diaz) testemunha os horrores da realidade brasileira daqueles anos – não muito diferentes das mazelas de hoje.
Depois de quase 30 anos sem espaço em cartaz, Rosemberg foi redescoberto ao ter um curta-metragem, Linguagem, exibido no Recife, no Cine PE, em 2014, sendo, a partir de então, alvo de retrospectivas, livros e homenagens. Em maio deste ano, será lançado um documentário sobre sua trajetória – Rosemberg: Cinema, Colagem e Afetos, de Cavi Borges e Christian Caselli- e ainda um de seus trabalhos mais antigos, Imagens, rodado nos anos 1970 e até hoje inédito. Na entrevista a seguir, o diretor fala sobre sua estética e sobre as crises políticas nacionais.
Omelete: De que maneira Guerra do Paraguay traduz o teu olhar crítico sobre a institucionalização da violência?
Luiz Rosemberg Filho: A violência virou porta de entrada da sociedade, dos partidos, religiões, da política e da vida miserável que vive sendo vendida como saída. Uma saída para a morte né? Como se pode ser humano ou gozar com a violência? E se ela virou saída só nos resta confrontá-la! Triste perder tanto tempo com essa bobagem.
Omelete: Qual é o papel estético da palavra no cinema que você dirige?
Luiz Rosemberg Filho: Sem a palavra a poesia torna-se manca. No meu cinema, ela sempre foi fundamental assim como no cinema de diretores como Jean-Marie Straub ou Godard. Não consigo imaginar um cinema sem palavras. Eu já até fiz filmes mudos, entre eles Imagens e As Últimas Imagens de Tebas, que estão no YouTube, mas preciso delas. Ainda que ame muito fazer imagens, não consigo pensar sem a ajuda das palavras. Não a palavra pela palavra, mas uma relação que dê ao cinema a consistência da aventura que é pensar e amar.
Omelete: Qual é o sentido estético que uma guerra como a do Paraguai cria?
Luiz Rosemberg Filho: Uma guerra, seja ela lá qual for, não cria processo estético algum. Ela é feroz, destrutiva, fascista e boçal. Mas quem lida com tudo isso bem e até ganha dinheiro com a sua espetacularização é Hollywood e as fábricas de armamento. Existe algo mais imundo e boçal que uma guerra? Como você pode destruir civilizações e matar quem você não conhece? Faz algum sentido? Só se for para os velhos e novos guerreiros se mostrarem. E isso é patético. Não seria melhor eles lerem um livro de Brecht ou de Sade? A sensibilidade e a inteligência não representam valores mais humanos? Matar é fácil. Qualquer idiota o faz sem pensar, né? Já criar é muito mais complicado, pois te exige pensar. E o pensamento deixou de existir no Brasil. Pena, pois já fomos melhor como Nação.
Omelete: Qual é a sensação de ser descoberto por novos públicos hoje, após décadas de invisibilidade sob o jugo da censura?
Luiz Rosemberg Filho: Eu nunca me preocupei em ser ou não descoberto. Não me sinto descoberto e sim coberto de encontros e afetos. Nunca foi o meu projeto ser uma vedete. Estar na mídia falando sobre tudo e sobre nada. Isso os políticos fazem com mais estilo bufão. Falam sobre tudo e nunca dizem nada né? Cinema é um mistério que te conduz e não cabe a mim solucioná-lo. Eu tento fazer bons filmes nunca querendo simplificar questões ou enganar o público.
Omelete: Qual será o seu próximo filme?
Luiz Rosemberg Filho: O próximo projeto é um longa chamado Os Príncipes. Não saberia ainda falar bem sobre ele, pois é um velho projeto que tem que chegar até mim amorosamente. E repetir velhas caminhadas já não tão desejadas, como foi com meu longa anterior, Dois Casamentos, e agora com Guerra do Paraguay, é uma relação mais delicada e difícil. O filme que eu queria fazer era A Commedia Dell’Arte, mas não foi possível. Aqui filma-se o possível, né? E para a nossa geração foi sempre muito difícil, pois nunca tivemos apoio logístico do capital, das empresas e de nenhum tipo de governo. Os temas nos chegavam e íamos encontrando os recursos necessários. Por isso me voltei para os curtas e médias pois passo a não depender de ninguém. Só dos verdadeiros e poucos amigos. E que são poucos, né? O cinema foi sendo transformado mais num campo de guerras que num campo de entendimentos, encontros, respeito e afetos.