Filmes

Entrevista

"Há um esforço de enxergar Cuba fora de parâmetros revolucionários", diz o diretor de Últimos Dias Em Havana

Filme chegou aos cinemas nacionais esta semana

25.08.2017, às 12H56.

Definido pela crítica europeia como o mais potente filme cubano dos últimos dez anos, em sua passagem pelo Festival de Berlim, Últimos Dias Em Havana chegou ao cinemas nacionais precedido de prêmios e elogios por conta de sua abordagem inusitada para a realidade da América Central.

Centrado na relação de amizade que se estabelece entre um homossexual soropositivo e um sonhador cuja meta é deixar sua ilha e viver nos EUA, o longa-metragem rendeu a Fernando Pérez (hoje o mais importante cineasta de Cuba) o troféu de Melhor Direção no último Cine Ceará, além dos prêmios de Melhor Fotografia (feita por Raúl Pérez Ureta, irmão do diretor) e Olhar Universitário. Revistas da Europa já incluem o longa na lista dos melhores de 2017.

Prestigiado mundialmente pelo documentário Suíte Havana (2003), Pérez investiga os laços de afeto e de altruísmo entre dois homens separados por convicções (sexuais, políticas) numa região onde a miséria e a natureza se sabotam mutuamente. Gay assumido, Diego (Jorge Martinez) está abatido pela AIDS e passa seus dias sobre uma cama, em um apartamento sem água e em ruínas, que é sua única posse. A seu lado está Miguel (Patrício Wood), um quarentão que parece não se afetar com o mundo que o rodeia: para pagar as contas de ambos, lava pratos num restaurante enquanto espera a chegada do visto para emigrar para os Estados Unidos. Mas a tragédia vai bater na porta deles, como metáfora das transformações de Cuba. Em Berlim, Pérez conversou com o Omelete sobre seu país, sobre Fidel e sobre a arte de filmar:

Omelete: O que existe de assumidamente político no retrato de Cuba apresentado por Últimos Dias em Havana?

Fernando Perez: Por trás do procedimento de observação da luta pela sobrevivência, que entende essa questão não apenas sob uma ótica sociológica, porém também existencial, há um esforço de enxergar Cuba fora de parâmetros revolucionários e ver nossa realidade pelo prisma da solidariedade. É uma crônica sobre amizade, em níveis variados, capazes de traduzir como a nossa sociedade evoluiu, em termos geracionais, fora da sombra de Fidel.

Omelete: Existe uma marca documental no realismo que marca o cinema cubano dos anos 1960 para cá. Como o senhor lida com a estética do documentário nesta ficção?

Fernando Perez: Liberdade é o conceito central na construção da linguagem, mais do que os códigos do Real. Esse filme nasce da observação de um mundo em que a pobreza é senhora de tudo. Não se pode trabalhar de modo formalista. É preciso escutar, olhar, enxergar... a verdade vem da capacidade de os atores sentirem aquele mundo, aquela história. Mas existe toda uma documentação de Havana que parte de um trabalho mais cru, de registro, feito por meu irmão, Raúl Pérez Ureta, que entra aqui como nosso fotógrafo. A montagem encontra o equilibro entre fato e fábula.

Omelete: De que maneira podemos classificar esse filme com relação à morte de Fidel Castro?  

Fernando Perez: Existe uma visão histórica distorcida de que nos reconhecemos como nação a partir de Fidel. Ele é um capítulo de nossa história e de nossa realidade. O livro da identidade cubana é maior do que ele. E não falo aqui tomando qualquer posição em relação a ele. O foco aqui é outro. É afetivo. Mas todos os afetos pertencem a uma geografia.

Omelete: Existem pessoas que estão na casa dos 40, 50, enfrentando a morte no seu filme. Mas e a juventude cubana? O que esperamos dela?

Fernando Perez: Somo um país da Geração Y, que não testemunhou os vícios de nosso passado e tem um espaço livre para criar uma nova arte, um novo cinema, talvez menos realista que o meu, talvez mais.

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