Filmes

Entrevista

Jurado do Festival de Cannes, Kleber Mendonça Filho revela projeto de "faroeste no interior"

Diretor de Aquarius vai presidir júri da Semana da Crítica

14.04.2017, às 17H56.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Econômica, mas instigante, a definição dada por Kleber Mendonça Filho para seu novo longa-metragem, Bacurau, é um convite à memória da cultura pop... e à provocação: “um western, rodado no interior do Brasil, que se passa daqui a alguns anos”. Mas em meio à gestação desse projeto – que, nas primeiras sinopses divulgadas, envolvia a ida de uma equipe de filmagem a uma localidade onde fatos estranhos acontecem -, o diretor pernambucano vai voltar ao Festival de Cannes. Lá, há um ano, ele incendiou a Europa com um debate político, ao abrir uma discussão internacional sobre golpe de estado no Brasil, enquanto concorria à Palma de Ouro com Aquarius. Agora, na 70ª edição do evento, agendada de 17 a 28 de maio, ele volta como presidente do júri da Semana da Crítica, sessão paralela competitiva, que divulga sua seleção no dia 24 de abril.

Na entrevista a seguir, Filho fala de sua expectativa, antecipa detalhes de Bacurau e fala de sua missão como programador de cinema do Instituto Moreira Salles.

Omelete: Qual é a sua expectativa para a Semana da Crítica? O que aquela seção de Cannes representa para o cinema hoje? Qual é a responsabilidade de fazer parte dela como jurado?

Kleber Mendonça Filho: Minha expectativa é a de estar em Cannes descobrindo bons filmes na companhia de pessoas que, como eu, fazem cinema de maneiras diferentes, programando, escrevendo sobre filmes, atuando. Eu me sinto honrado de poder colaborar com a Semana da Critica nessa capacidade, num festival que teve e tem um impacto na minha vida como alguém que ama o cinema. Minha primeira vez em Cannes foi em 1999, como critico do Jornal do Comércio e do meu site, o CinemaScopio. Em 2005, Vinil Verde, meu filme de curta metragem, foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores, e, ano passado, Aquarius entrou na competição. De 1999 até hoje, fui como critico, realizador e como diretor/programador do festival Janela Internacional de Cinema do Recife. Dessa vez, vou como jurado. A Semana da Critica sempre foi para mim um espaço de descobertas: primeiros e segundos filmes de realizadores do mundo todo. Ao longo da historia da Semana, Chris Marker, Ken Loach, Bernardo Bertolucci, Jean Eustache, Wong Kar-Wai estiveram lá, da mesma forma que Seul Contre Tous, do Gaspar Noé, que passou a fazer parte da minha experiência cinéfila quando o descobri no Festival do Rio, com o selo da Semana da Critica nos créditos iniciais, em 1998, um ano antes de eu estar, de fato, na Semana da Critica como frequentador da sala, ali, no Espace Miramar.

Omelete: O que é Bacurau, qual é a trama, quando e onde filma, quem estrela?  

Kleber Mendonça Filho: Sobre Bacurau, estou trabalhando com o diretor Juliano Dornelles já há alguns anos. Há um ano, trabalhamos de maneira mais intensa no sentido de reescrever e retrabalhar uma lista longa de idéias que foram sendo amadurecidas. E tudo isso aconteceu durante o processo de lançar e viajar com Aquarius. Posso afirmar que Bacurau é um filme de aventura, um western, rodado no interior do Brasil. O filme se passa “daqui a alguns anos” e, mais uma vez, Tempo, História e homens e mulheres fortes de várias idades deverão fazer parte. Eu e Juliano gostamos muito da idéia de fazer um filme brasileiro de gênero 'fantastique'. Estamos muito felizes com esse roteiro. Estou muito feliz com a experiência de trabalhar com esse grande amigo e cinéfilo que é Juliano: tem sido super. Vamos dirigir juntos. 

Omelete: Entre prêmios e cifras de bilheteria, que balanço você faz da carreira mundial de Aquarius até aqui?

Kleber Mendonça Filho: Aquarius teve distribuição em mais de 90 países, entre salas, VOD, TV, aviões, DVD, Bluray e Netflix. Nos últimos dez meses, eu estive em 16 países e me sinto um sortudo de ver um filme que fiz na minha cidade, com um grupo de amigos e colaboradores, virar uma obra muito vista e debatida, com lançamentos em salas de cinema para muito além dos festivais que ele participou (Cannes, Toronto, Cartagena, Sydney, The New York Film Festival, Vienale, Mar del Plata, Tokyo, Busan... são mais de 60). Com os 360 mil espectadores no Brasil, 160 mil na França, 34 mil na Argentina e as demais somas em muitos países, é possível pensar em chegar a um milhão de ingressos em salas de cinema mundo afora para Aquarius, até o fim da sua carreira em circuito, esse ano. Os lançamentos em salas são ainda mais especiais e tenho tentado, na medida do possível, estar com o filme, pois você viaja para apoiá-lo, dar entrevistas, conhecer distribuidores e entender que as lutas na Itália, no México e nos EUA para exibir e programar filmes que não são de Hollywood são as mesmas que vemos no Brasil. Só no último mês, Aquarius estreou em salas na Espanha, Chile, Portugal, Colômbia e, esta semana, Inglaterra e México.

Omelete: O que o processo de lançar esse filme mais te ensinou sobre democracia, sobre cinema e sobre o mercado de cinema internacional?

Kleber Mendonça Filho: Sobre Democracia... o filme parece ter tocado num nervo não apenas no Brasil, mas por onde passa. A forma como o mercado (imobiliário no filme, mas o tema é abrangente) opera no mundo moderno parece ter deixado as pessoas sensíveis a uma historia como a que contamos ali. Estranhamente, são poucas as histórias onde personagens questionam o mercado!

Omelete: Quais são seus planos pro Instituto Moreira Salles, do qual é o curador das atividades cinematográficas, para os próximos meses?

Kleber Mendonça Filho: Os planos para o IMS consistem de programar as duas salas, na Gávea, no Rio de Janeiro, e na Avenida Paulista, em São Paulo (com inauguração prevista para julho), com uma visão de cinema que seja honesta para com a produção de imagens no Brasil e no mundo. Uma visão que reflita a sociedade hoje sem esquecer do passado, a partir da exibição de mostras, retrospectivas ou clássicos isolados. Parte disso vem do desafio de programar não apenas em digital (que é a norma hoje), mas também em 16mm e 35mm. Tenho também a consciência de que o Brasil, com produção grande de filmes e uma cinefilia boa, dispõe de poucas salas, para além do circuito comercial “alternativo” ou “de arte”, que tenham a liberdade de programar o cinema onde a primeira preocupação seja a de fazer uma diferença, seja trabalhando com arquivo ou organizando mostras temáticas desenvolvidas dentro da casa. Creio que fortalecer e aumentar esse circuito muito especial deveria ser parte de uma política pública, e que isso não seja apenas uma preocupação de escoar a nossa produção (algo que por si só já é importante), mas também de formar público e mostrar que o Cinema é, na verdade, muito maior do que o mercado exibe. Lidamos ainda com lançamentos muito especiais em DVD. Para completar, conto com uma equipe pequena, mas incrível, formada por Bárbara Rangel e Thiago Gallego, além de todo o apoio do IMS como a instituição importante que é.

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