Filmes

Entrevista

Mostra de SP | Murilo Benício transforma peça de Nelson Rodrigues em filme noir em sua estreia na direção

O Beijo no Asfalto traz um elenco global de famosos, capitaneado por Lázaro Ramos

22.10.2017, às 12H59.
Atualizada em 22.10.2017, ÀS 14H00

Uma ovação e comentários do tipo “Que surpresa!” ou “Como é ousado” coroaram a estreia de Murilo Benício na direção de longas-metragens na noite de sexta-feira na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo que serviu de ninho para a primeira exibição de O Beijo no Asfalto.

A partir da peça teatral de 1961, que Nelson Rodrigues escreveu sob a encomenda de Fernanda Montenegro (um dos destaques do filme), o ator carioca, atualmente em cartaz nas telas com Divórcio, realizou um experimento, entre o documental e o thriller de suspense. Lázaro Ramos lidera um elenco estelar no qual o maior destaque – numa atuação que deixou o Espaço Itaú da Augusta de olhos esbugalhados – é Débora Falabella, mulher do (agora) diretor, no ápice da fúria no papel de Selminha. Igualmente desconcertante é a montagem de Pablo Ribeiro, que administra com perfeição os diferentes gêneros com os quais o longa-metragem conversa, em seu visual P&B penumbroso (trunfo do mestre da fotografia, Walter Carvalho) até se estabelecer como um filme noir. Parece até um clássico de John Huston, tipo O Falcão Maltês, dada a carga de ambiguidade de seus personagens.

“Essa experiência me transformou, pois me deixou mais maduro. Dirigi o set sob uma regra: ‘a melhor ideia leva... e muitas vezes a melhor ideia não era minha’. Esse filme se fez da contribuição que cada um deu”, diz Benício ao Omelete. “Fico teimando que nós, atores, somos privilegiados, porque fazemos algo que amamos. O segredo da vida é descobrir aquilo de que você gosta e conseguir trabalhar com isso. Porque aí, você deixa de viver arrastando cinco dias à espera de dois: a chegada de sábado e domingo. Na arte, todo dia tem o prazer de sábado e domingo. E aqui, na arte, eu pude fazer uma homenagem ao trabalho do ator”.

Numa atuação pautada pelo trágico, que alcance seu ápice nos momentos de silêncio, Lázaro vive Arandir, um jovem casado há um ano com Selminha (Débora) que vê sua paz ir pelo ralo ao atender o derradeiro pedido de um moribundo, atropelado à sua frente: beijar o sujeito na boca. O gesto é testemunhado por um jornalista com fama de cafajeste (um assustador Otávio Muller) que, com a ajuda do delegado decadente Cunha (Augusto Madeira, em uma de suas mais sofisticadas atuações), faz desse beijo um escândalo na mídia carioca. O fato, no filme, cria uma atmosfera de tensão que só faz crescer até os minutos finais, tendo como um refresco intervenções documentais sazonais. Nelas, os atores discutem o texto com Fernandona e com o diretor de teatro Amir Haddad.

“Tenho a sensação de que eu nunca conseguirei ousar tanto de novo porque como a nossa produção era pequenininha, a gente teve espaço para inventar. Daí, por exemplo, o uso do preto e branco”, diz Benício, premiado no Festival do Rio com o Redentor de melhor ator pelo horror O Animal Cordial. “Como diretor, tenho a sensação de que a minha principal característica é saber interagir com os atores de modo cristalino, direto... Sou ator. Sei o que eles sentem. E isso me fez, também, rever a maneira com que eu trabalho com os cineastas. Afinal, agora, eu sei como é estar do lado deles”.

Benício agora vai dirigir Pérola, com base na peça homônima de Mauro Rasi. Na Mostra seu O Beijo ainda tem sessão no domingo, às 14h, no Instituto Moreira Salles, e nesta segunda, às 15h45, no Reserva Cultural.

Antes de O Beijo no Asfalto, a Mostra conferiu, em sua seleção nacional, um dos títulos mais polêmicos (e narrativamente possantes) do último Festival do Rio: Açúcar. Na trama, Maeve Jinkins, atriz em ascensão, faz jus às apostas que os cineastas mais radicais fazem nela ao frisar as contradições sociológicas (e as maldades) de uma herdeira de engenho. E toca Agepê na trilha sonora, o que causa enlevo na plateia.

“Eu interpreto tentando sempre entender aquilo que nos assusta, que nos incomoda, aquilo que não pode...”, explica Maeve ao Omelete. “Eu estou em busca de gente”.

Um dos eventos mais esperados da Mostra este ano é a passagem pelo país do diretor francês Laurent Cantet, ganhador da Palma de Ouro de Cannes de 2008 por Entre os Muros da Escola. Ele vem trazer seu novo longa, o thriller A Trama, aclamado em sua passagem também por solo cannoise, este ano. A produção passa no encerramento da maratona cinéfila paulistana, com sessão no dia 1º, às 20h, no Cinearte 1. Após a Mostra, Cantet vai ao Rio, falar sobre sua imersão em bairros pobres da França e de Cuba na Festa Literária das Periferias (Flup).

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