Filmes

Entrevista

O Bom Gigante Amigo | "A solidão é um lugar muito familiar para mim", diz Steven Spielberg

Diretor conversa com o Omelete sobre o novo lançamento e outros filmes da carreira

28.07.2016, às 10H39.
Atualizada em 28.07.2016, ÀS 10H54

Ninguém pode cobrar coragem de Steven Spielberg: embora tenha ficado a léguas das expectativas dos exibidores americanos, com uma bilheteria estacionada até agora em US$ 72 milhões, seu novo filme, O Bom Gigante Amigo (The BFG), é um exercício de risco assumido mesmo para o mais poderoso cineasta de Hollywood.

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Neste momento em que os filões infanto-juvenis começam a abrir espaço para temas agridoces, alguns até trágicos, apostando em tramas paralelas mais adultas, o realizador de 69 anos volta ao terreno da fábula, nos moldes de seu arrasa-quarteirão E.T., O Extraterrestre (1982), só que com uma toada “dente de leite”, a mais “censura livre” de sua carreira, sendo criança, para falar de igual a igual ao seu público-alvo. 

Com base na literatura de Roald Dahl, esta superprodução de US$ 140 milhões, dos estúdios Disney, conduziu o midas das arrecadações polpudas e seu novo ator-fetiche, o inglês Mark Rylance (que ganhou o Oscar de melhor coadjuvante este ano por Pontes de Espiões), à estrada de tijolos amarelos das histórias da carochinha, assumindo como protagonista uma estrela-mirim, Ruby Barnhill, de 12 anos.  Ela interpreta Sophie, órfã que embarca numa jornada para aprender a arte de sonhar ao conhecer um gigante – chamado por ela de BFG - cheio de empenho para preservar o encatamento da menina.

A criatura toma emprestado feições, olhares, voz e gestos de Rylance, numa técnica de animação por motion capture. Na trama, definida pelo diretor como um ensaio sobre a solidão, Sophie tenta ajudar o BFG a se safar o bullying cometido por seres tamanho GG bem maiores que ele. Para isso, ela vai recorrer a uma ajudinha da Rainha da Inglaterra (vivida por Penelope Wilton), que passa a simpatizar com o grandalhão cheio de bons sentimentos. Na entrevista a seguir, concedida ao Omelete durante o Festival de Cannes, Spielberg abre o peito e avalia sua obra, suas escolhas estéticas e seus gostos.  

Sophie aqui em O Bom Gigante Amigo lembra muito o pequeno Elliott de E.T.: ambos são crianças solitárias que buscam na companhia de um ser de outro mundo um alívio para o abandono. Qual é o papel da solidão no seu cinema?

A solidão é um lugar muito familiar para mim, uma vez que eu cresci muito sozinho, refugiado nos filmes e nos livros para vislumbrar o encantamento. Mas eu sou um solitário mais parecido com o BFG do que com a Sophie: ela é corajosa, age. Ele é alguém que precisa de um abraço. Tem algo aqui meio de avô e neta. Mas, tem uma universalidade em outro terreno: o terreno da cooperação mútua. No fundo, este é um filme sobre o encontro entre dois órfãos. Embora um seja muito grande e meio grisalho e a outro seja uma menininha pequenininha, os dois se igualam na carência. Mas os dois se complementam. A história que eu tento mostrar é menos sobre as coisas mirabolantes que se passam no mundo dele e mais sobre uma magia chamada amizade. E o mundo anda precisando se redescobrir mágico de novo.

O quanto a literatura de Roald Dahl (1916-1990), autor de cuja obra foram pinçados sucessos como A Fantástica Fábrica de Chocolate O Fantástico Senhor Raposonorteou o projeto? 

Eu li os livros dele para os meus filhos e, quando este projeto apareceu, senti que era importante compartilhar aquela experiência propiciada por ele com o mundo, de forma mais ampla possível. Existem neste livro, O Bom Gigante Amigo, ilustrações muito boas, que são ótimas como bússola de leitura para as crianças, mas que poderiam servir como um limitador para as imagens que buscava construir. Eu trabalhei com liberdade, sob a aprovação da família de Dahl. 

Falando de visual, o quanto a sua parceria com Janus Kaminski, seu fotógrafo desde A Lista de Schindler (1993), vem se sofisticando ao longo dos anos?

Janus é meu braço direito e meu olho esquerdo. Nos meus filmes que partem de episódios reais, como se deu em Lincoln, a minha referência é a História, não Hollywood ou as demais cinematografias, pois eu não posso ser influenciado pela cinefilia. Não posso retratar o mundo a partir daquilo que o cinema supõe que o mundo seja. E Janus e eu conversamos muito para chegar ao tom da imagem. Eu tenho muito cuidado para diferenciar o que é cinema, do que é o real. Isso em tudo. Até a minha relação com a crítica, por exemplo, tem um distanciamento. Eu só leio o que falam dos meus filmes um mês depois do que foi publicado, para não ser influenciado. 

Falando de parceiros, que lugar o ator Mark Rylance ocupa hoje na sua obra. Vocês já fizeram juntos dois longas, Pontes de Espiões agora O Bom Gigante Amigo, e ele já figura em seus próximos projetos, como Ready Player Games. Como é a química entre vocês?  

Mais do que ser um ator extraordinário, que entendem com um mínimo de palavras tudo aquilo de que eu preciso, Mark é um cara de quem eu gosto de estar por perto, um sujeito com quem eu converso sobre a vida. É um prazer ver ele passar de um espião frio num filme a um gigante caloroso no outro. 

Como o senhor, uma cria do cinema rebelde e hiperrealista feito nos EUA nos anos 1970, encara o apogeu do 3D e de tecnologias digitais que amplificam a essencialidade dos efeitos especiais? 

Você não pode esquecer que, naqueles anos, eu estava Tubarão, que trazia algo escapista. Eu faço filmes que escapam do mundo real, em sua maioria. Porém, mesmo quando eu filmo uma ficção científica, como Guerra dos Mundos ou Contatos Imediatos do Terceiro Grau, são os ETs que nos visitam e não nós a ele, pois eu gosto de ver o impacto do fantástico sobre o mundo real. Sobre as tecnologias digitais... Bom, a película praticamente morreu. Temos um parque digital para explorar. Mas eu gosto de imprimir uma certa granulação, típica da película, aos meus longas digitais, como se fosse uma marca impressionista.

Qual é o segredo de seu cinema que faz, há 45 anos, multidões se encatarem por seus filmes?  

Spielberg: A escolha do elenco. O casting (jargão hollywoodiano para a produção de um elenco) é a parte principal do meu trabalho e eu o faço sem delegar a um produtor, porque escolher quem vai assumir que papel é um exercício de intuição e de adequação para o que tenho em mente acerca de uma história. Se eu acerto nisso, tenho 50% do filme resolvido. Direção, pra mim, começa na busca pelos atores. A outra manha é saber dominar o geniozinho do mal que fica pousado no meu ombro me soprando ideias suicidas que podem muito mais comprometer o projeto, por exibicionismo narrativo, do que acrescentar algo ao que mais importa: contar uma história. 

Que tipo de filme mais cala fundo no seu coração?

O último filme que me fez sair do cinema desconjuntado foi O Filho de Saul. Eu encontrei seu realizador, aquele talento chamado László Nemes, em Los Angeles no período que antecedeu a cerimônia do Oscar, para um encontro entre cineastas, e lá ficamos umas duas horas, sem parar, conversando sobre as escolhas narrativas que ele fez. Estamos agora conversando acerca de um projeto para trabalharmos juntos. Sobre a moda do momento, filmes de super-herói, eu não chego a ser um grande entusiasta, pois prefiro heróis de carne e osso. É claro que adoro o Superman feito em 1978 por Richard Donner e o primeiro Homem de Ferro, mas prefiro representações mais dark do heroísmo. O melhor que eu vi, pelo cinismo, por não se levar a sério, foi Guardiões da Galáxia.

E 007? O senhor é um fã declarado da série e já revelou que a idealização de Indiana Jones foi inspirada no espião inglês. Quando vai dirigir um James Bond?

007 é algo tão bom de se ver que eu prefiro deixar como estar e me relacionar com a franquia só como espectador.

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