Filmes

Entrevista

Paterson é sobre não cair na desilusão da evolução tecnológica, diz Jim Jarmusch

Filme com Adam Driver está em cartaz na Mostra SP

23.10.2016, às 16H03.
Atualizada em 27.10.2016, ÀS 10H52

Filme-fetiche do último Festival de Cannes, onde engoliu público e crítica com suas situações cômicas e com sua aposta na simplicidade como filosofia de vida, Paterson, estrelado por Adam Driver (o neto de Darth Vader em Star Wars, como Kylo Ren), dá o ar de sua graça no Brasil neste domingo, na programação da 40ª Mostra de São Paulo, consagrando, uma vez mais, a mítica em torno de seu diretor: Jim Jarmusch.

None

Editado pelo montador paulista Affonso Gonçalves (de Carol), o filme será exibido às 19h30, no CineArte 1, alinhado com uma retrospectiva da obra de Jarmusch, com cults como Estranhos no Paraíso (1984), projetado também neste domingo, às 15h40, no mesmo cinema. Coube a Driver a tarefa de viver um motorista de ônibus cujo prazer maior é escrever poesias.

Eu não busco, conscientemente, estabelecer um paralelo entre meus filmes, mas é nítido neles a recorrência de personagens que tentam afirmar seu jeitão peculiar de levar à vida, avessos às convenções”, disse Jarmusch ao Omelete em Cannes, onde viu uma multidão de jovens cercar o rastro de Paterson em busca de uma chance de ver Driver ao vivo. “O que há de mais significativo no trabalho de Adam é que ele é um ator reativo, que improvisa e inventa em reação às ideias que eu proponho. Isso torna o processo mais vivo”.

Para Driver, o processo de Paterson simbolizou um mergulho radical na estética do cinema indie mais alternativo possível dentro dos padrões dos EUA. “Gosto muito de ouvir as reflexões que os cineastas com quem trabalho me trazem para aprender novos e distintos caminhos de interpretar a vida, sem necessariamente conseguir estabelecer uma relação ente os personagens que me oferecem. Gosto da novidade, da diversidade”, contou Driver ao Omelete em Cannes.

Na trama de Jarmusch, Paterson (Driver) foi batizado em referência à cidade onde nasceu e vive, e por onde passou seu ídolo: o poeta William Carlos Williams (1883–1963), um renovador da forma estética no verso americano. Mas Paterson não tem sonhos de renovação de linguagem: avesso ao uso de celulares e computadores, ele quer apenas conservar sua rotina em paz. Dirige de manhã, escreve estrofes nas paradas mais longas de seu coletivo, janta à noite os pratos insossos feito com quinoa e couve por sua mulher, a expert em cupcakes Laura – personagem antológica vivida pela iraniana Golshifteh Farahani -, e passeia com Marvin antes de dormir, regando o fim do expediente com uma cervejinha. Paterson gosta desse viver processual e consegue inventar metáforas belíssimas a partir da repetição diária. Não espere mudanças na trama nem viradas com surpresas. O que temos é essa liturgia, durante 1h53m, mas narrada com um bom humor e uma doçura contagiantes, de se ouvirem gargalhadas e soluços na sala de projeção.   

Este é um filme sobre a importância de preservarmos o encantamento em relação às coisas mais cotidianas da vida e não cairmos na desilusão, uma força destruidora que segue de perto a evolução tecnológica do mundo”, explicou Jarmusch. “Quanto mais a vida evolui, em termos técnicos, mais as tradições se fragilizam. Mas na Arte, por exemplo, os processos técnicos podem mudar a forma de captação e de edição e até abrirem novos suportes de recepção, mas eles não travam a transcendência. Nada tira o viço de velhos filmes, mesmo aqueles em P&B. Não por acaso, Paterson leva sua mulher ao cinema para ver um clássico de terror no cinema. Ele quer o prazer coletivo de ver um filme numa sala escura”.   

Rolam mais duas exibições de Paterson no dia 27, às 21h40, no Espaço Itaú Frei Caneca, e no dia 28, às 21h30, no Cine Caixa Belas Artes. Nesta terça, da lavra de Jarmusch, a Mostra exibe sua obra-prima, Daunbailó (1986), às 13h30, no Espaço Itaú Frei Caneca. No mesmo local, no dia 28, passa outro marco do cineasta: seu primeiro longa, Férias Permanentes (1980), às 15h40.

Brasil na Mostra de SP

Entre os filmes brasileiros em projeção, é forte o boca a boca em torno de Guerra do Paraguay, épico antibelicista de Luiz Rosemberg Filho, rodado em preto e branco, de olho na banalidade dos conflitos armados.

Neste domingo, o longa nacional mais esperado vem de Londrina (PR): Leste Oeste, que investe em um formato raro no país: é um drama em quatro rodas sobre corridas de carro. Projeção às 22h, no Reserva Cultural 2. Seu realizador é Rodrigo Grota, um talento em curta-metragem, celebrizado no formato por filmes como Satori Uso (2007) e Booker Pitman (2008), que, aqui, usa o ambiente das provas automobilísticas como espaço para uma outra competição, ainda mais acirrada: uma disputa de machezas entre pilotos e um velho treinador, onde o troféu máximo é o amor de uma mulher que catalisa todos os desejos de três gerações de uma família. 

A julgar por clássicos motorizados como Grand Prix (1966), de John Frankenheimer, ou Roberto Carlos a 300 Km por Hora (1970), de Roberto Farias, os filmes de corrida tendem a liberar uma descarga de adrenalina na tela capaz de eternizar sequências de ação esportiva. Mas há algo mais do que cheiro de borracha e de testosterona nesta produção egressa do Paraná: há existencialismo. Seu protagonista é Ezequiel, um ás das estradas vivido por Felipe Kannenberg. Já a beldade por quem todos brigam é Stela, vivida com esplendor por Simone Iliescu. Ambos ganharam prêmios (melhor atriz e melhor ator) no Cine PE.

Com trilha sonora assinada por Rodrigo Guedes, líder do Grenade (uma das principais bandas do indie rock brasileiro), Leste Oeste foi filmado em meio a provas reais: as 100 Milhas de Kart e as 500 Milhas de Londrina. Na trama, Ezequiel decide retornar à sua cidade natal, depois de um sumiço de 15 anos, para realizar uma última corrida. Lá, ele reencontra Stela, reabrindo feridas. Tem mais Leste Oeste nesta segunda, às 15h15, e no dia 31, às 13h30, sempre no Espaço Itaú Frei Caneca.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.