Filmes

Entrevista

Polícia Federal - A Lei é Para Todos | "Não há super-heróis na vida real", diz diretor

Falamos com Marcelo Antunez sobre a produção que chega aos cinemas em setembro

25.07.2017, às 23H46.
Atualizada em 26.07.2017, ÀS 00H03

Orçado em R$ 15 milhões, cifras incomuns para o padrão nacional de blockbusters, Polícia Federal – A Lei é Para Todos estreia no dia 7 de setembro com a expectativa de se tornar o maior sucesso de bilheteria do cinema brasileiro em 2017 – um ano de vacas magras para nossa produção. É o apelo popular da Lava Jato, a devassa contra a corrupção que mudou a conjuntura no Poder. Mas o foco de seu realizador, o diretor carioca Marcelo Antunez, nesta entrevista exclusiva ao Omelete, não está na balança comercial de nosso circuito e sim na representação de nossas cicatrizes políticas. A partir delas, o cineasta (que codirigiu êxitos como Um Suburbano Sortudo e Até Que a Sorte Nos Separe 3: A Falência Final) ergueu uma trama capaz de recriar, com licenças poéticas, a maior operação de combate à corrupção da história do país, a Lava Jato, pelo ponto de vista do delegado Ivan (Antonio Calloni) e de sua equipe da Polícia Federal, em conjunto com a força-tarefa do Ministério Público Federal.

A cada virada, o roteiro de Gustavo Lipsztein e Thomas Stavros revela os esforços para desvendar o esquema de lavagem de dinheiro e pagamento de propinas a executivos de uma estatal de petróleo, empreiteiras, partidos políticos e parlamentares. O thriller aponta ainda qual foi o papel decisivo da Justiça para que a investigação não fosse destruída pelas forças políticas envolvidas. Além de Calloni, o elenco conta com outros nomes de muita popularidade como Flávia Alessandra, Marcelo Serrado e Ary Fontoura, sendo que o time da PF ganha o reforço de Bruce Gomlevsky e João Baldasserini. Filmado de novembro a 28 de fevereiro em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro – onde mobilizou um estúdio de mil m2, no qual foi construído o cenário da Superintendência da PF de Curitiba e o MPF, o filme mobilizou 73 atores (incluindo os protagonistas e os coadjuvantes) e uma equipe de 305 técnicos.

Omelete: Qual é o conceito de heroísmo e de vilania que poderíamos aplicar a Polícia Federal – A Lei é Para Todos? Quem é bom, quem é mau, o que é o Brasil?

Marcelo Antunez: Entendo que o mundo vive, de uma maneira geral, em um momento de carência de heróis, vide o excesso de franquias de super-heróis no cinema americano. E o Brasil não é uma exceção nisso. Contudo, acho que devemos amadurecer e entender que não há heróis na vida real. Vivemos na política à espera eterna de um “salvador” que vai dar jeito em todos os problemas de nosso país. Apesar disso, elegemos nossos governantes, mas deixamos que eles nos governem  desacompanhados, escondidos de nossos olhos e críticas. Precisamos mudar para gerar mudança.No filme, contamos a operação pelo ponto de vista dos investigadores. Eles são os protagonistas, mas não heróis. Como na vida real, nunca foram tão longe em nenhuma investigação passada e, portanto, vivem com um sentimento de precaução, de incredulidade, principalmente Ivan, personagem vivido pelo Antonio Calloni. Quando percebem que nunca foram tão longe, se indagam se estão fazendo a coisa certa, se estão sendo usados e quem estão ajudando. Acredito que esse seja o sentimento de todos nós, brasileiros, que apoiamos os esforços da Lava Jato, mas devemos ficar atentos a quem se beneficia indevidamente da operação. O único beneficiário legítimo desse momento deve ser o povo brasileiro.Então respondendo à pergunta: todos nós somos bons e maus, pois o ser humano é assim. Nossos personagens são seres humanos com seus defeitos e qualidades, com cicatrizes ainda abertas do aprendizado constante do exercício da democracia ainda jovem de nosso país.

Omelete: De que maneira os fatos reais sobre a Lava-Jato entram como base para o roteiro? 

Marcelo Antunez: Os grandes acontecimentos da operação foram retratados de maneira mais real possível mas, é claro, que alguns foram executados de maneira mais intensa, mais cinematográfica, pois não estamos fazendo um documentário. As falas de Paulo Roberto Costa e de Youssef em delações foram todas retiradas das transcrições, sem alterações. As ações de todos os investigados foram retratadas de acordo com centenas de horas de entrevistas e, principalmente, baseadas nos relatos contidos no livro homônimo de Carlos Graieb e Ana Maria dos Santos, da editora Record, com lançamento simultâneo ao filme. Por uma questão de narrativa, optamos pela criação de protagonistas fictícios.

Omelete: Por quê?

Marcelo Antunez: Porque seria impossível retratar a realidade, onde mais de cinquenta investigadores e agentes foram responsáveis pelas ações descritas no filme. Nó nos inspiramos em pessoas reais para criação das personalidades dos personagens, onde tivemos a total liberdade criativa. Exemplo disso é o próprio Ivan. No filme, ele é o policial coordenador da força-tarefa e é o responsável pela execução da 24a fase que tomou o depoimento do ex-presidente Lula no aeroporto de Congonhas. Na vida real, essa ação foi atribuída a um outro delegado que nem é fixo na força-tarefa. Outro exemplo é Bia, personagem vivida por Flavia Alessandra. A personalidade de Bia foi criada a partir de uma importante delegada da força-tarefa, contudo, suas ações englobam a de várias outras delegadas e agentes que desempenham importantes funções na Lava Jato. Foi assim com todos os nossos protagonistas. 

Omelete: Qual foi o maior desafio na construção das cenas de ação e perseguição de Polícia Federal – A Lei é Para Todos

Marcelo Antunez: A maior dificuldade é o tempo de execução. Aqui fazemos em dois dias cenas que, em Hollywood, por exemplo, são feitas em quinze dias com equipe altamente especializada e com grande estrutura.

Omelete: Qual é a responsabilidade ética de se abordar a Lava Jato neste momento político do país?

Marcelo Antunez: A primeira pergunta que me fiz quando fui convidado para este projeto foi “como contar uma história que ainda não acabou?”. Percebi que haveria uma dificuldade técnica em dar um desfecho estrutural de roteiro para uma história em andamento. Contudo, do ponto de vista ético, o importante é o que você mesmo coloca em sua pergunta: responsabilidade. Acredito que o cinema tem a função de, além de entreter, provocar discussões, reflexões e abrir debates. Em roteiros de cinema ou mesmo em livros, não nos obrigamos a contar a história de personagens desde o momento de seu nascimento até sua morte com todos os detalhes. São sempre recortes de tempo, espaço e pontos de vistas. Concluí que, ao contar a história da Lava Jato agora, estaria imbuído da percepção de quem ainda está passando pelo momento. Fazer um filme daqui a dez anos terá outra cara. Nem melhor nem pior, apenas diferente. Decidimos, portanto, não analisar a operação, não julgar os citados, apenas contar o que se fala sobre eles e suas ações neste momento. Por exemplo, o cinema americano e europeu vem abordando, na última década, o fenômeno do terrorismo, suas causas e consequências. Daqui a 20 anos, talvez a abordagem seja outra. Isso me fez lembrar que na época da ditadura não nos faltou vontade de falar sobre o momento, nos faltou foi liberdade. Agora que temos liberdade, podemos e devemos usufruir dela, sempre com responsabilidade.

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