Filmes

Entrevista

Shaun, o Carneiro | Como é feita uma animação em stop motion

"Você trabalha na história até o último segundo"

04.09.2015, às 19H41.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 18H01

Shaun, o Carneiro (Shaun The Sheep Movie, 2015) estreou aqui em Londres em fevereiro, logo depois de ser exibido no Festival de Sundance. Porém, quando cheguei à cidade, no fim de abril, o carneirinho ainda estava em alta. Cinquenta estátuas de resina de cerca de 1,50m haviam sido pintadas por artistas e espalhadas pelos pontos turísticos da capital inglesa para a “Shaun in the City”, espécie de “Cow Parade”, com direito a mapa para “caçar” os animais e tirar fotos ao seu lado.

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Para a estreia no Brasil, tentamos uma visita à Aardman, mas ficamos sabendo que todos os cenários já haviam sido desmontados e guardados e os corroteiristas e codiretores Mark Burton e Richard Starzak estavam cada um em um canto da Inglaterra. A saída para conversar com os dois foi juntar todo mundo em um "conference call”.

Leia a crítica de Shaun, o Carneiro

Não sei se vocês ficaram sabendo, mas Shaun, O Carneiro ganhou o prêmio do Anima Mundi de 2015 pela votação do júri popular no Rio de Janeiro. 
Richard: Sério? Vamos atrás disso.

Mark: Nós adoramos receber prêmios. 

Mark, esta é a primeira vez que você está fazendo uma animação como diretor. Tem algum segredo sobre o stop motion que você descobriu durante a produção? 
Mark: Como este era meu primeiro filme, eu acabei descobrindo muita coisa. Meus trabalhos anteriores eram como roteirista de séries de TV e alguns longas-metragens para os Estados Unidos. Uma das coisas que eu descobri, na verdade eu confirmei, é o tanto que os animadores são sensacionais ao dar vida à ideias. Nós trabalhávamos com eles como se fossem os atores. Era assim que nós os tratávamos. 

Richard, você já vem fazendo isso há muito tempo. Ainda existem segredos a serem aprendidos? 
Richard: Sempre tem. Sempre fico muito feliz quando conseguimos descobrir uma técnica nova em stop frame. Por exemplo, no fim do filme, o fazendeiro cospe seu dente para fora da boca quando se vê na televisão. Este cuspe foi uma coisa nova. Nós já tínhamos testado vários tipos de materiais, de plásticos a papel filme, mas nunca tínhamos conseguido o resultado que rolou aqui usando lâmpadas de fibra ótica. É muito bom quando resolvemos um problema de uma maneira nova.

Mark: E acho que também aprendemos muito sobre o timing da comédia. Nós achávamos que sabíamos, mas tivemos de aprender de novo. Uma das coisas que falamos é que se há um segredo crucial na comédia é o timing. Nós trabalhamos pesado para ter certeza que cada piada estivesse no ponto certo. 

E por ser uma dupla de diretores, como foi a divisão de trabalho? 

Richard: Quando estávamos escrevendo o roteiro, nós trabalhamos bastante juntos e foi importante que nós tivemos um terceiro colaborador, que é o nosso produtor Paul Kewley. Ele nos ajudou quando tínhamos alguma divergência. Isso foi muito saudável e nos mostrou que o mais importante era fazer a história funcionar. E quando chegamos ao estúdio, nós dividimos as cenas. Um tinha a aprovação do outro e confiava muito que o outro tomaria as decisões certas.

Estava vendo no making of, que aliás é brilhante, como o ambiente de trabalho no set de vocês pareceu bastante divertido. Como é um dia normal na Aardman? 

Mark: É realmente divertido e também envolve um trabalho pesado. Começávamos umas 8h30, em um lugar nada glamuroso, dentro de um galpão no distrito industrial de Bristol. E tudo tem que ser bem escuro porque é lá mesmo que nós vamos fotografando as cenas. É um lugar bem movimentado, com uma galera passando com walkie talkies de um lado para o outro o tempo todo. Logo no começo do dia já nos reuníamos para tomar várias decisões - discutíamos as cenas que seriam feitas naquele dia, problemas com a história, algo relacionado ao marketing. E daí íamos para os sets. Eram dois grupos com 10 sets. E tem muita coisa sendo feita em paralelo, sem respeitar a ordem cronológica do filme, então eles tinham que saber em que ponto da história estávamos para acertar o tom. E no fim do dia nos reuníamos para ver o quanto tínhamos evoluído naquele dia, os problemas da história que haviam aparecido, etc. Mas durante tudo isso, era um ambiente muito divertido, com muitas risadas. 

Estou lendo o livro Criatividade S.A., de Ed Catmull, e ele fala muito da importância que eles dão na Pixar para a história e como ela muda e vai se desenvolvendo mesmo durante o processo de animação. Quanto vocês trabalharam no roteiro antes de começar a animar? 
Mark: A história está sempre se desenvolvendo, evoluindo. Fizemos mudanças até a última semana em que estávamos filmando. Nós estamos o tempo todo juntando peças deste quebra-cabeças para montar o filme - trocando coisas de lugar, discutindo o que está ou não funcionando. Sobre o processo de roteirização, não éramos só nós dois. Chamávamos os cérebros da casa, Nick Park, Peter Lord, David Sproxton, e íamos escrevendo as ideias que eram discutidas ali. Este material ia para a mão do artista de história. É ele que gera as cenas, que chamamos de “animatic". É assim que vemos uma versão crua da história. E esta versão vai mudando o tempo todo. John Lasseter (diretor criativo da Disney Animations e da Pixar) disse uma vez que “um filme de animação nunca acaba, ela é lançado”. E é isso que acontece. Você trabalha na história até o último segundo. 

Falando do roteiro, não há diálogos aqui. De certa forma, é um filme mudo. Como é este roteiro? Quanto está ali nas páginas e quanto é discutido com os artistas? 
Richard: Tudo é planejado com antecedência. E com os story boards e animatic nós sabemos a história que vamos contar. E os artistas vão adicionando novas camadas para fazer isso funcionar. Foi bem complexo contar esta história sem palavras. Queimamos a largada algumas vezes, mas quando chegamos ao momento de animar, tínhamos em mente a história que queríamos contar e como iríamos contá-la. 

Quando disse aos meus filhos que ia falar com vocês, eles ficaram muito animados, então perguntei se eles tinham alguma pergunta a fazer. O Theo, de 6 anos, quer saber por que vocês usam os porcos como os bagunceiros? 
Richard: Nós os chamamos de “porcos malcriados”. Eles são aqueles vizinhos bagunceiros que todo mundo tem e que só servem para te encher o saco. Nós achamos que eles ajudam a desenvolver a história. É uma piada que a gente tem desde a época da série animada. 

Meu filho queria saber porque vocês criaram o cão Slip. 
Mark: É uma resposta bem profunda. Shaun está meio cansado de sua rotina, com o fazendeiro mandando ele fazer as coisas e toda a sua família o tempo todo ao seu redor. E Slip é o contrário. Ele mora na cidade e não tem família. É como um órfão. Eles têm algo a ensinar um para o outro. Além de Ship funcionar como um guia para o Shaun na cidade, ele acaba ensinando para Shaun o valor de ter uma família ao seu redor. Era a parte emocional da história que nós queríamos contar e achamos que seria interessante que isso viesse da cidade e não da fazenda onde ele sempre viveu. Isso vem da nossa influência dos clássicos do cinema mudo, em especial Charlie Chaplin e sua garota órfã. É uma versão cômica, com os dentes todos tortos e aquela aparência de tapete velho. 

E a minha filha Liz, de 3 anos, queria saber se podemos esperar um filme do Timmy Time (animação derivada de Shaun The Sheep, estrelada pelo carneiro caçula) como sequência de Shaun, o Carneiro. 
Richard: Nunca diga nunca. Timmy é um personagem muito popular e participação dele no filme é bem importante. Não posso me comprometer, mas é algo a se pensar.

Uma última pergunta: por que vocês acham que o filme não conseguiu achar o seu público nos Estados Unidos? As críticas todas foram ótimas por lá também. 
Richard: O mercado americano nunca foi algo crucial para a gente, pois o filme foi feito para recuperar o seu dinheiro nos países em que o personagem já é popular. Encaramos que o que viesse dos Estados Unidos seria um bônus. Acho que os filmes de stop motion sempre serão vistos como filmes de arte por lá. Eles não chamam atenção do grande público como as animações feitas em computação gráfica. É triste, mas não era algo com que me preocupei tanto. 

Mark: Concordo que haja uma expectativa, mas o problema é que as pessoas estão comparando o resultado com Piratas Pirados ou Wallace & Grommit, que foram lançados por lá por grandes estúdios, com muito dinheiro envolvido e que precisavam ir bem nas bilheterias dos Estados Unidos. Nós nunca imaginamos que Shaun faria este tipo de dinheiro. Acho que a Lionsgate fez o que prometeu ao assumir o lançamento nos Estados Unidos. Tinha gente achando que faríamos 40, 50 milhões de dólares, mas para mim não tinha como fazer tudo isso. Acho que a grande questão é que não vejo uma demanda para stop motion entre o público dos Estados Unidos. Os motivos que levam a isso são uma discussão mais profunda, talvez as pessoas vejam realmente o stop motion como os filmes de arte, e isso não interessa para o americano médio.

Richard: Para finalizar este papo, temos um mercado crescente de animações stop motion sendo feitas. Com caras como Wes Anderson e alguns estúdios apostando no estilo, acho que em breve teremos mais no cinema, TV e propaganda. Mas a computação gráfica mostra as limitações do stop motion, que eu particularmente gosto. É isso que nos faz ir além do que temos hoje.

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