Filmes

Entrevista

“The Square é um filme sobre como agir de modo justo”, diz Ruben Östlund

Cineasta sueco fala ao Omelete sobre a comédia ganhadora da Palma de Ouro, favorita ao Globo de Ouro de Filme Estrangeiro e cotada para o Oscar

20.12.2017, às 15H58.
Atualizada em 20.12.2017, ÀS 17H02

Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e incluído na lista prévia de candidatos de língua não inglesa ao Oscar, The Square – A Arte da Discórdia segue vitorioso em sua meta de desafiar tabus desde que conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes – um feito raro para uma comédia. Dogmas conservadores, um dos alvos desta produção dirigida pelo sueco Ruben Östlund (de Força Maior), é o que não falta no Brasil, onde o filme chega no dia 4 de janeiro com fôlego para eriçar ânimos. O longa-metragem pode provocar sobretudo os que se manifestaram de maneira pudica em relação às exposições de arte ligadas à livre exposição do corpo ou à diversificação da sexualidade que foram alvos de patrulhas ideológicas.

Há duas semanas, The Square conquistou o European Film Award, o Oscar do Velho Mundo, em seis categorias, incluindo Melhor Filme, Diretor e Roteiro. Sua trama fala de constrangimento, com base nas condutas morais excludentes dos europeus, tendo como foco as desventuras de um (outrora) respeitado diretor de um museu de arte contemporânea de Estocolmo, Christian (Claes Bang). No filme, Christian se envolve em situações inesperadas após o roubo de seu celular, envolvendo pessoas de etnias distintas da sua. Enquanto isso, ele tem que lidar com o desconforto gerado por uma nova exposição: The Square, cuja proposta é convidar os visitantes a refletir sobre seu papel como seres humanos responsáveis e altruístas. Porém, a inesperada campanha de divulgação da instalação acaba provocando resultados desastrosos, em especial pelo vídeo envolvendo a explosão de uma garotinha e pela instalação com um homem-gorila. Elizabeth Moss (de O Conto da Aia) integra o elenco.

Na entrevista a seguir, concedida da Suécia por telefone ao Omelete, Östlund comenta polêmicas do Brasil, de seu país e do estado de coisas da Arte.

Omelete:  Como o senhor reagiu à notícia das polêmicas em museus brasileiros que foram palco de uma grita tanto em torno da instalação com um homem nu quanto de uma exposição sobre diversidade sexual?

Ruben Östlund: Fiquei sabendo disso por aqui e considero assustador que não seja possível expressar a sexualidade com liberdade plena. Somos, você e eu, pessoas de contextos geográficos diferentes. Não sei como é no Brasil, mas, na Suécia, existe um cuidado extremo com a correção política. E eu acredito no valor dela.

Omelete:  O senhor levanta um ponto controverso com essa afirmação, pois, em The Square, a correção política leva alguns personagens à intolerância, sobretudo nas cenas ligadas ao vídeo de uma menininha que explode. Não existiria uma margem de excesso nociva no Politicamente Correto?

Ruben Östlund: O excesso não está na correção política, que, por essência é a filosofia de defesa da igualdade e da inclusão. O excesso está numa prática despreparada de discurso onde as pessoas não valorizam a responsabilidade. The Square não é um filme sobre arte, mas sim sobre como agir de maneira mais humana e justa num contexto onde várias opiniões estão em jogo. É menos sobre o indivíduo e mais sobre o social. Ser politicamente correto é poder expressar o que se quer, como se deseja, mas com a responsabilidade de ser capaz de defender seus argumentos e de tolerar juízos contrários.

Omelete: Parece existir uma crônica sobre a cultura do constrangimento no filme e um esforço de se refletir sobre a hipocrisia. O que existe de hipócrita na Suécia em que The Square, a instalação, foi montada?

Ruben Östlund: Não seria categórico nessa questão da hipocrisia, pois a minha questão consciente mais forte foi discutir os problemas que cercam alguém interessado em fazer o bem. Talvez Christian tenha algo de hipócrita, mas ele encarna a discussão da liberdade de discurso. Mais do que isso: a polêmica que o cerca, no filme, traduz toda a pressão que cerca o indivíduo hoje. Cobra-se muito do indivíduo, mas a regulação não dá suporte ao cidadão. É preciso que as questões sejam pensadas sob um prisma coletivo, abrangendo toda a sociedade e não só o indivíduo. Sozinho, um indivíduo é impotente para mudar o que quer que seja.

Omelete:  Qual é o lugar do silêncio em The Square?

Ruben Östlund: Existia um posicionamento estratégico do silêncio em Força Maior, meu longa anterior, pela onipresença da Natureza. Aqui, não. Eu dependo da palavra. E fala-se muito. Meu desafio é encontrar um lugar para essa fala, de modo a fazer o espectador se sintonizar com o que está por trás do que é dito, a ironia.

Omelete:  O que o conceito de Square, de “praça”, de “quadrado”, simboliza no filme?

Ruben Östlund: Gosto muito de simbolismos sociológicos. A sociologia nos dá trilhas pelas quais podemos percorrer com mais facilidade no entendimento da condição humana. Existe uma invenção social muito simples, mas de eficiência inquestionável, de que gosto muito: a faixa de pedestres. O fato de você pintar listras no chão faz com que todas as pessoas entendam que, numa rua movimentada, ali é o local da travessia, o local seguro, autorizado. Isso é um contrato social, inaudito, assinado por convenção. E esse contrato afeta o nosso comportamento. No filme, The Square, a instalação, é esse contrato social, esse local simbólico de travessia de conceitos e dogmas.

Omelete:  O que a conquista da Palma de Ouro representa para a comédia, neste ano em que o gênero amargou uma queda nas bilheterias, mundialmente?

Ruben Östlund: Quando eu faço um filme e o roteiro indica uma situação engraçado, eu tomo muito cuidado para que as reflexões que desejo compartilhar não interfiram no humor e diluam a graça. Existe um certo pudor com o entretenimento. Mas eu não gosto desse pudor: o que é pra divertir deve divertir, e não pode ser prejudicado por uma vocação de se posicionar o conteúdo temático de um filme acima das ferramentas da dramaturgia. Isso é o que gera a distorcida ideia de “cinema de arte”, que nada mais é do que uma convenção, um gênero em si, um gênero que favorece a chatice. Eu sou fã de uma linhagem de diretores que usam a sátira para transmitir suas ideias mais pessoais, sem pôr o riso a perder com isso, como a italiana Lina Wetmüller (indicada ao Oscar por Pasqualino Sete Belezas), meu conterrâneo Roy Andersson (de Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência) ou o finlandês Aki Kausrismäki (de O Outro Lado da Esperança). Existem outros diretores europeus mais jovens, que estão próximos de mim em termos de geração, e que fazem cinema de gênero, de cunho satírirco, sem desrespeitar as cartilhas, como a alemã Maren Ade, de Toni Erdmann, e o grego Yorgos Lanthimos, de O Lagosta. De alguma forma, nós três talvez estejamos criando um movimento por aqui, pela Europa. Mas ainda é cedo pra dizer.

No dia 27, The Square – A Arte da Discórdia terá projeção aberta ao público no Rio de Janeiro, na comemoração dos 10 anos do multiplex Estação Gávea.

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