Filmes

Crítica

Julio Sumiu | Crítica

O discreto charme da classe média

17.04.2014, às 02H29.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H17

Um dos grandes personagens do cinema nacional desde sempre, particularmente nas comédias, a classe média é o centro do mundo em Julio Sumiu. É com uma disposição quase buñueliana que o filme de Roberto Berliner, baseado no livro homônimo do casseta Beto Silva, joga com os absurdos do umbiguismo da nossa classe média - da boca de fumo ao tiroteio final, tudo orbita o bem zelado pedacinho de chão da família brasileira neste filme.

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No centro do centro do mundo está Dona Edna (Lilia Cabral), mãe de Julio, que se desespera quando o filho não aparece em casa certa manhã - evento que inicia a comédia de erros e envolve tipos como o filho maconheiro, o traficante estridente, a gostosa oportunista, o policial corrupto, o militar aposentado e, claro, o corno/brocha (não seria obra de um casseta sem as piadas sexuais de tiozão). Lilia Cabral traz seu comprometimento e seu timing para servir de lastro a um filme que, no mais, não faz muita questão de se levar a sério (como a tiradinha pós-créditos deixa claro).

Acontece que, apesar da vocação para a comédia popularesca enlatada (que faz a piada de velho e depois tenta falar jovem, "parada", "vaza"), Berliner tem, sim, um olho atento para situar seu filme no mundo e no tempo, como o plano que abre o filme já demonstra: o céu azul carioca que emenda não num cartão-postal e sim no pedaço disforme de Zona Sul onde fica difícil determinar onde termina o condomínio classe média da Rua Santo Amaro e onde começa a comunidade da favela logo atrás.

Porque, por mais que esperneie a "velha classe média", aquela do militar aposentado e do filho maconheiro, o país hoje é outro e, nos anos da estabilidade, também é outra a sua classe média. Berliner e Beto Silva inclusive fazem piada com Cidade de Deus para nos lembrar, talvez involuntariamente, como o filme de 2002 ficou datado no trato do morro e da cidade; em Julio Sumiu não existe essa separação, e basta um pouco de Claudinho & Buchecha - os grandes pioneiros da disseminação do funk carioca por todos os nossos estratos sociais - para que isso fique claro.

É curioso que os personagens fiquem repetindo entre si, quando ligam um conchavo e outro, a frase "vamos fazer uma sociedade". É óbvio que eles falam de "sociedade" enquanto golpe, cada um garantindo o seu, mas neste filme essa expressão adquire outro sentido. Que sociedade se faz quando a classe média do prédio de condomínio percebe, finalmente, que ela e o morro são uma coisa só?

Julio Sumiu adota uma postura cínica em relação às coisas que julgamos ser problemas endêmicos do Brasil - quando os policiais levam alguém na viatura para um passeio toca uma bossa entre palmeiras; "nada mais brasileiro que o abuso de autoridade", zoa o filme - mas sabe ser reflexivo quando se exige. O plano em que a cocaína se espalha pela areia da praia até não ser mais percebida, por exemplo, que vem acompanhado de uma melancolia insuspeita, quase como um Domingos de Oliveira, é muito bom para sintetizar as misturas de que o filme vinha falando desde o princípio. Estamos juntos nessa, a classe média somos nós.

Julio Sumiu | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom
Julio Sumiu
Julio Sumiu
Julio Sumiu
Julio Sumiu

Ano: 2012

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Duração: 100 min

Direção: Roberto Berline

Elenco: Lília Cabral, Pedro Nercessian, Fiuk, Carolina Dieckmann, Augusto Madeira, Stepan Nercessian

Onde assistir:
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