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Cão sem Dono

Beto Brant acerta a mão no drama a dois

10.05.2007, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H24

Tem artista que se acomoda, tem artista que se revolta - e tem artista que se aprimora. O cineasta Beto Brant (O Invasor, Crime Delicado) completa em 2007 dez anos de carreira em longas-metragens, desde Os Matadores. O seu quinto filme em uma década, Cão sem Dono, é o percurso aprimorado à procura de uma certa liberdade de criar.

A decisão de filmar em Porto Alegre, fora do eixo Rio-São Paulo, e de co-assinar o filme com o habitual produtor e parceiro Renato Ciasca, já são exemplos dessa busca por arejamento. Outra é o afastamento progressivo dos temas sócio-policiais que pontuaram Os Matadores, Ação entre Amigos e O Invasor em 1997, 1998 e 2002. Thrillers vigoram sob a lei da causalidade, motivo e consequência, ação e reação. Se o que Brant procura é uma dramaturgia solta, o caminho que ele tem que tomar é outro.

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A história de Cão sem Dono é uma adaptação do livro Até o Dia em que o Cão Morreu, de Daniel Galera. Nela, Ciro (Júlio Andrade) e Marcela (Tainá Muller) dividem cama, cigarros, eventualmente um aluguel, mas não parecem ir mais fundo na intimidade. Quando a relação dos quase-namorados é interrompida de súbito, Ciro desperta. Antes disso, era só um daqueles caras perdidos na vida - o fato de não dar nome ao cachorro que às vezes dorme na sua casa é um indicativo.

O que mais há no filme são indicativos - desde a primeira cena, quando Ciro transa com Marcela por trás, na sacada do apartamento. Cão sem Dono não é cinema de simbologia, antes disso é cinema de sintomas. O sexo sem compromisso é o sintoma da postura indecisa que Ciro tem diante da vida. O exame de estômago que ele faz, com a câmera entrando goela abaixo, num momento em que o personagem é chamado a refletir sobre si mesmo, já é um símbolo visual de interiorização.

Liberdade, em termos de dramaturgia de cinema, é por aí que se alcança: o texto não nos entrega os seus significados. É por meio das imagens que precisamos depreendê-los.

Nesse ponto, o parentesco de primeiro grau de Cão sem Dono é com Crime Delicado, o filme anterior de Brant, de 2005, que por sua vez é o híbrido que faz a ponte entre o filme de ação policial e o drama intimista a dois. Crime já quebrava a causalidade com as cenas não-lineares de boteco e o registro não-ficcional do artista plástico mexicano. O comentário sobre as artes plásticas, inclusive, permanece em Cão sem Dono, nas engraçadas cenas com o zelador-pintor do prédio de Ciro. Em ambos os filmes, os personagens não estão em um ciclo esquemático de aprendizado, mas em um ciclo episódico.

Se há algo que separa os dois últimos trabalhos do diretor, é o nível de ambição. Porque liberdade é uma coisa, ousadia é outra. Crime Delicado, obra que ainda há de ser (re)conhecida, botava na roda uma série de discussões em respeito a arte, crítica, apreciação e usurpação estética. Cão sem Dono almeja, se muito, ser um retrato de geração. Como tal, é um filme bonito pra caramba.

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