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Pecados Inocentes

Família, homossexualidade e incesto em um drama dirigido com classe

06.11.2007, às 19H00.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 08H03

Antes de sair do banho, Barbara pede a seu filho, Tony, que seque a ferida que ela tem no pulso esquerdo. Tony parece incomodado com o rasgo todo costurado, mas atende o pedido da mãe e alcança um algodão. A câmera não desgruda do rosto de Barbara, que com seu olhar incestuoso desafia silenciosamente o filho a dividir com ela carne, desejo e morte.

Os extremos a que chega Savage Grace, drama dirigido por Tom Kalin, não são fáceis de se prever quando o filme começa. Aliás, só ao final da sessão Kalin informa que a história de Barbara e Tony aconteceu na vida real, história essa já registrada em um livro homônimo, escrito por Natalie Robins e Steven M.L. Aronson e publicado pela primeira vez em 1985, no qual o filme se baseia.

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Antes de tudo, Savage Grace começa apresentando-nos ao casal Barbara (Julianne Moore) e Brooks Baekeland (Stephen Dillane) como se estivéssemos num daqueles filmes de época britânicos, cheios de cortesia. Em eventos, jantares e reuniões com os amigos, Barbara e Brooks portam-se solenemente, ainda que se alfinetem. Na intimidade, Brooks assume que não suporta o convívio na alta sociedade e Barbara só tem atenção para o seu bebê, Tony.

A impressão de estarmos diante de um empolado classicismo à inglesa se dissipa, primeiro, porque Kalin se move naquela cenografia de naftalina como um corpo estranho. A câmera, os cortes e os enquadramentos são "modernos", a fotografia e a trilha excessivas trabalham em tom autoreferenciais. É como se Savage Grace, nesses primeiros minutos, fosse um correlato de Longe do Paraíso, emulando a estética de outros tempos: não um filme ambientado nos anos 50, mas um filme sobre os anos 50.

Savage Grace revela-se definitivamente moderno - no sentido de uma narrativa mais ágil, que reúne cacos de exposição para montar um painel plural - quando Kalin dá o primeiro salto temporal.

Dos EUA a história vai para a França, anos 60, com Tony já adolescente, ciente de que o casamento de seus pais foi uma comodidade falsa para ambos. Em Paris, Brooks dedica seu tempo a hobbies "de homem" - boxe, cavalos, cigarros. Tony prefere sorvetes e passeios com a mãe. No salto temporal seguinte, já um jovem adulto, interpretado pelo expressivo ator Eddie Redmayne (o filho de Matt Damon em O Bom Pastor), Tony assume a sua óbvia homossexualidade.

Tom Kalin despontou como diretor em Sundance com Swoon - Colapso do Desejo (1992) e, desde então, tem se dedicado a curtas sobre a AIDS e à vida acadêmica como professor de cinema. A questão da homossexualidade é fator constante na sua obra desde Swoon, e Savage Grace a retoma. Por ser apenas o segundo longa de uma carreira bissexta, a maturidade com que Kalin expõe e trabalha o tema aqui é notável.

Mas homossexualidade é apenas um dos componentes da relação conflituosa que aos poucos se desenha entre Tony e Barbara. De salto em salto no tempo, Savage Grace acumula dados para compor a complexidade da questão - o narcisismo do pai e seu talento para assuntos que só dizem respeito a si mesmo, a vocação da mãe para uma vida auto-destrutiva de superficialidades, o engajamento do filho gay em suprir com cigarros e ternos bem cortados a ausência do pai - que desembocam no final aberrante do filme, do qual a cena do banho era o mais intenso prenúncio.

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