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William Friedkin fala de paranóia em suspense à moda antiga

23.08.2007, às 18H00.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 17H04

É frequente ouvir que não se fazem mais suspenses e terrores como nos anos 70. Nada melhor, portanto, do que um ícone da época para oxigenar o gênero hoje.

Depois de dirigir O Exorcista em 1973, William Friedkin - que já havia feito seu nome dois anos antes com Operação França - não realizou nada muito digno dos cânones. Filmes como Caçado evidenciam o talento do diretor no manejo da câmera e o seu domínio do espaço cênico, mas o sucateamento progressivo de roteiros em Hollywood não fez bem a Friedkin. Não é sempre que se transforma água em vinho.

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Não por acaso, Possuídos (Bug, 2006) parte de uma peça de teatro, de autoria do também ator Tracy Letts. A origem se trai pela verborragia dos diálogos em cenário restrito, mas não é nada que, na mão de um Friedkin, não deixe de virar um acontecimento cinemático. Quem pedia a volta do suspense da velha guarda, com atenção à psicologia dos personagens e sem sustos fáceis, não precisa temer Bug por conta da sua eventual teatralidade.

Aqui o título em português do filme será ignorado - primeiro porque evoca erroneamente uma geração recente de enlatados sobrenaturais (e de sustos fáceis) e segundo, afinal, porque de possessão Bug não tem absolutamente nada. Mais adequado é o slogan do filme: "Paranóia é contagiosa". A sua premissa está contido nessa frase.

Na trama, garçonete solitária, Agnes (Ashley Judd) vive com medo de seu abusivo ex-marido, recém-saído da prisão (papel de Harry Connick Jr., de Will & Grace). Vive com tanto medo que chega a pedir que Peter (Michael Shannon), um estranho que uma amiga a apresentou num bar, se hospede com ela em um quarto de motel. Juntos, Agnes e Peter se confortam - mas só até que os primeiros insetos do título comecem a aparecer.

A paranóia está na imagem - mais especificamente, na câmera subjetiva de Friedkin que se passa por ponto-de-vista de Agnes. Ela observa os vidros dos carros estacionados no motel e percebe que só o seu tem uma propaganda colada no pára-brisa - deve haver aí algum tipo de complô. No supermercado, o olhar de Agnes se detém sem razão sobre a banca de cebolas - não se sabe que tipo de risco pode haver ali, mas certamente há.

Estar no mundo, em si, já é sofrer uma conspiração - e neste começo de filme Friedkin deixa isso bem claro. A cada close que ele dá em ventiladores, maçanetas, persianas, tal a proximidade entre câmera e objeto, imagina-se um perigo diferente. Será que o ar está contaminado? Será que vai entrar o maníaco? Será que a janela se espatifará? É o vício de antever o susto: o espectador fica tentando adivinhá-lo, e o segredo do bom suspense é que o susto nunca chega.

Soterrados pelo medo, resta a Agnes e Peter a segurança do motel. Bug dá uma virada a partir da metade e a câmera não sai mais de dentro do quarto. Lição de John Ford aplicada com esmero: filmar o casal em planos fechados e em leve contra-plongé (quando a câmera enquadra de baixo para cima) para "rebaixar" o teto e aumentar a sensação de claustrofobia. A paranóia é trabalhada também na audição - barulhos de insetos, de luzes, de ar-condicionado, barulhos mínimos soprepostos. Se Jeffrey Haupt não levar o Oscar do ano que vem por mixagem de som vai ser marmelada.

Friedkin instaura o pavor de tal maneira que o elenco parece - aí sim - possuído. Ashley Judd não tem talento suficiente para declamar um texto denso como o de Bug com boa fluência. Os seus trejeitos fazem rir e a fala parece decoreba. Mas a certa altura (mais especificamente, na hora da "super mother bug") ela fica tão descontroladamente entregue ao papel que dá até para crer que a atriz sabe o que está fazendo. Não se engane: ela não sabe. Quem sabe o que está fazendo é William Friedkin.

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