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Real Beleza | "Entrei na tradição do drama burguês", diz Jorge Furtado sobre seu novo filme

Cineasta apresentou longa no Cine Ceará 2015

21.06.2015, às 17H26.
Atualizada em 13.11.2016, ÀS 16H04

Rir é uma marca da grife Jorge Furtado no cinema, seja em thrillers cômicos como O Homem que Copiava (2003) seja em documentários como Ilha das Flores (1989), uma obra-prima do curta-metragem brasileiro. Mas chegou a hora de o diretor gaúcho guinar por outra rota, com que flerta há anos: o drama, gênero ao qual seu novo longa-metragem, Real Beleza, está filiado. Prevista para estrear em 6 de agosto, a produção passou (com louvor, sob quilos de aplausos) por seu primeiro teste popular na seleção competitiva do Cine Ceará 2015. Dominado majoritariamente por atrações ibéricas ou hispano-americanas desde sua arrancada, na quinta-feira, o festival, em sua 25ª edição, mergulhou nas águas plácidas do cinema autoral brasileiro com a exibição do filme. Sua sessão virou um acontecimento em Fortaleza ao marcar a primeira parceria, em tela grande, do casal Vladimir Brichta e Adriana Esteves, e ao recontextualizar (como um grande ator) um dos maiores galãs da TV no país: Francisco Cuoco. A nudez de Adriana Esteves foi uma surpresa a mais que encantou a plateia.

"Até hoje, sempre que eu ia à estreia de um longa-metragem meu, a questão era: 'As pessoas vão rir ou não?'. Na comédia, o julgamento é imediato: se as pessoas caem na gargalhada, elas gostam. O drama demanda calma. É uma novidade pra mim", diz Furtado, que acabou tomando o evento cearense de assalto com Real Beleza.

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A trama é centrado na luta de um fotógrafo para levar uma adolescente do interior do Rio Grande do Sul para virar modelo primeiro em São Paulo e, depois, em Nova York.

"Hoje no cinema, todo mundo está tentando se vender pelo grito, para conseguir aparecer. É filme de explosão, são filmes de super-heróis malucos, é barulheira... Eu sinto falta de um espaço de contemplação, em frente ao qual uma pessoa possa sentar, frente a quatro ou cinco personagens com desejos reais, e relaxar curtindo a história deles. Falar de beleza demanda paciência", diz o diretor de 56 anos, que fez na TV a premiada série Doce de Mãe, laureada com um Emmy para a diva Fernanda Montenegro. "Este é um filme com três atos bem marcados, no qual cada ator tem a chance de tomar um trecho para si, começando com o Vlad. A Adriana Esteves, por exemplo, é uma atriz que sofre da mesma enfermidade da Fernandona: as duas são de uma entrega sem fim, vivendo com sua personagem o dia inteiro. E o Cuoco comprova em sua expressão facial única, de grande ator, uma frase do [diretor sueco Ingmar] Bergman: 'Não existe paisagem como o rosto humano'.   

Furtado escreveu o filme pensando em Brichta para o papel principal, João, referência entre os fotógrafos de moda que viaja ao Rio Grande do Sul atrás de uma aspirante a Gisele Bündchen. No trajeto, ele conhece Maria (Vitória Strada), que se encaixa com perfeição em suas ambições. Mas ele terá de convencer os pais da jovem de 16 anos. O pai, o professor aposentado Pedro (Cuoco, numa atuação que impressionou o Ceará), é reticente e levou a menina para uma viagem por alguns dias. Enquanto espera por eles, João tenta um contato com a mãe da jovem, Anita (Adriana). E os dois acabam tendo mais do que apenas uma conversa, abrindo a deixa para um triângulo afetivo com cenas sensuais que, com lirismo, elevaram a já alta temperatura do Ceará.

"O cinema é um dos últimos rituais que a Humanidade ainda preservou. Hoje, já é possível que uma pessoa veja um clássico do cinema como Lawrence da Arábia no celular, com a chance de você parar, retroceder, avançar. No cinema, a relação é outra: é a troca de experiências coletivas, diante de uma tela grande, capaz de dar valor aos silêncios. Eu queria fazer um filme que permitisse essa ritualização e que apresentasse ao público coisas boas que hoje andam invisíveis", diz Furtado.

Ao falar em invisibilidade, ele se reporta às referências à poesia que faz no longa, com os personagens citando versos do argentino Jorge Luis Borges e do português Fernando Pessoa.

"Quando você chega numa livraria e pergunta por poesia, os livros de poema estão sempre no pé da prateleira, escondidos, quase invisíveis. Isso porque a moda do momento são livros de colorir para adultos. Gosto, nos meus filmes, de apresentar às pessoas, sobretudo aos jovens, referências artísticas de que gosto. Em O Homem que Copiava, por exemplo, eu tocava Creedence Cleawater para mostrar à juventude aquela banda. Da mesma forma, botei música de Billie Holiday pra tocar em uma cena de Saneamento Básico. Aqui tem poemas. Aparece um livro de Pessoa que é meu, há anos. É importante usar as mídias para reviver o que anda invisível", diz o cineasta, que deu a Real Beleza uma estética próxima ao cinema europeu dos anos 1970, como filmes do francês Eric Rohmer (Pauline na Praia) ou do italiano Luchino Visconti: "Entrei na tradição do drama burguês". 

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