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Última Parada - 174

Indicação brasileira ao Oscar tem direção insatisfatória

26.09.2008, às 20H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H40

Quando Sandro do Nascimento tomou reféns dentro do ônibus da linha Central - Gávea, no Rio de Janeiro, em 12 de junho de 2000, era um anônimo. Um de muitos, milhares. Mas como Sandro teve a rara oportunidade de dizer o que queria às câmeras de TV nas cinco horas em que sequestrou o ônibus 174, passou a ter não só uma voz, mas uma história.

Uma história que também deve ser igual a de muitos, com essas tristes coincidências que ainda nos chocam: anos antes de ser assassinado por policiais naquele começo de noite, Sandro escapou da chacina da Candelária porque se fingiu de morto. Isso está narrado em Ônibus 174, documentário que lançou o diretor de Tropa de Elite, José Padilha, e que fundou em 2002 as bases da história que agora é ficcionalizada em Última Parada - 174.

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Ainda que as linhas gerais permaneçam lá (o 174, a Candelária, a ajuda de ONGs durante a adolescência, a mãe adotiva), toma-se uma série de liberdades para construir o arco dramático do protagonista - arco esse que o vitimiza, apresentando Sandro (interpretado pela revelação Michel Gomes) como o jovem incompreendido, incapaz de matar alguém, que perde a mãe cedo, é traído pelo parceiro e pela namorada e não consegue sequer ajuda para gravar um rap. Na vida real, o caso do 174 foi tratado oficialmente como assalto à mão armada. No filme do diretor Bruno Barreto, está mais para trágica casualidade.

Durante a primeira exibição do filme no Festival do Rio, Barreto fez questão de elogiar, em suas palavras, o "co-autor do filme", o roteirista Bráulio Mantovani. Veterano de Cidade de Deus, Mantovani dá ao texto o tom coloquial, naturalista, que o público hoje exige. A preparação de elenco segue a excelência do Brasil nessa área. Mas a direção de Barreto é insatisfatória.

Conhecido por suas comédias, ele insere humor em momentos inoportunos (quer pior momento do que a hora da tomada do ônibus?) e faz escolhas estéticas questionáveis, especialmente em duas cenas de sexo de Sandro: na primeira, Barreto fecha o close sobre um daqueles cobertores de sem-teto, como se houvesse naquela imagem cinza sem significado algo a se tirar; na segunda, filma de cima para baixo a cama, e corta seco para uma caixa de pizza sendo aberta - que relação estranha o diretor quer criar entre uma coisa e outra?

O que mais prejudica Última Parada - 174, porém, é um fator externo: o recente lançamento de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas. Antes de mais nada, ambos os filmes tratam da ausência dos pais, tema que se faz presente em vários filmes "de favela" de uns tempos para cá, como Cidade dos Homens e Show de Bola. Tanto Última Parada - 174 quanto Linha de Passe têm esse forte discurso social anterior à construção das imagens, mas os personagens de Barreto parecem caricaturas perto dos de Salles (o pastor evangélico é só o exemplo mais evidente).

E há, claro, os ônibus. O de Salles simboliza o desejo de mudança. O ônibus de Barreto é o melodramático megafone de uma pessoa que só queria se fazer ouvir. Não quero parecer implicante, mas me parece sintomático do discurso de cada filme que Salles tenha optado por não inscrever o seu na disputa por um lugar no Oscar 2009, enquanto Barreto levou a famigerada indicação antes mesmo da estréia de Última Parada - 174.

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