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O.J.: Made in America | Crítica

A história dos EUA nos últimos 50 anos, através do seu julgamento mais famoso

03.02.2017, às 11H21.
Atualizada em 03.02.2017, ÀS 12H00

O.J.: Made in America é um filme ou uma série? O documentário foi exibido em festivais, dividido em episódios pela ESPN, grupo responsável pela produção da obra, e agora está indicado ao Oscar, com boas chances de vencer. Responder essa pergunta é difícil, mas independente da resposta que você prefira uma coisa é certa. Essa é uma das grandes obras investigativas dos últimos anos.

O que o diretor Ezra Edelman faz em O.J.: Made in America é contar a história dos Estados Unidos nos últimos 50 anos - a tensão racial que existe no país desde sua independência, a adoração cega por celebridades, a transformação constante de assuntos sérios em espetáculos - através da lente de uma de suas figuras mais polêmicas, Orenthal James Simpson, ou O.J. Simpson.

Astro do futebol americano universitário, primeiro running back a alcançar a impressionante marca de 2 mil jardas numa temporada da NFL e um dos primeiros atletas a entrar de cabeça no mundo dos comerciais e entretenimento, transformando-se em em garoto-propaganda e ator. Mas tudo isso mudou em junho de 1994, quando ele foi acusado de assassinar sua ex-esposa, Nicole Brown Simpson, e um amigo dela, Ron Goldman. Daquele momento em diante, O.J. passou a ser o protagonista de um dos casos mais polêmicos e importantes da história norte-americana. E isso não é hipérbole.

Como Edelman e os produtores da ESPN demonstram durante 7 horas e 47 minutos de documentário, este julgamento virou algo muito maior. O Povo v. O.J. Simpson não era o único confronto acontecendo ali. Era o departamento de polícia de Los Angeles contra atvisitas, brancos contra negros e muito mais.

À primeira vista, parece que O.J.: Made in America está contando duas histórias. As primeiras horas do documentário mostram a ascensão de Simpson como jogador na Universidade da Califórnia do Sul (USC), sua explosão chegada à NFL e sua transformação numa marca. Ao mesmo tempo, vemos como a questão racial da cidade de Los Angeles (e de todo os Estados Unidos) se tornou cada vez mais preocupante. Policiais foram filmados batendo de forma brutal em negros, atletas faziam manifestações em palcos olímpicos... mas O.J. sempre ficava longe disso.

A forma como essas duas histórias se cruzam e as consequências trágicas que isso traz para o julgamento de O.J. é exatamente onde o documentário se torna algo especial. Edelman e companhia vão, aos poucos, ligando os fatos e criando a grande narrativa da sociedade norte-americana do século 20. Fama, dinheiro, racismo, morte. É algo digno de uma adaptação para o cinema e TV (algo que aconteceu recentemente minissérie vencedora de Emmy do FX, The People vs. O.J. Simpson: American Crime Story), mas que não deixam de serem fatos. Made in America, felizmente, trata os acontecimentos com a seriedade necessária. Acima de tudo, há um grande trabalho jornalístico feito no documentário.

Todos os lados do confronto - O.J., a família das vítimas, a comunidade negra dos EUA, o departamento de polícia de Los Angeles - são apresentados como iguais. Seus argumentos são convincentes e tratados com a mesma seriedade. No fim das contas, Edelman apresenta todos como vilões. Ninguém sai vencendo aqui porque é exatamente isso que aconteceu. Ele julga e condena os Estados Unidos.

Felizmente, isso não acontece com rancor e orgulho. A vida real não é preta e branca, e a ESPN deve ser elogiada por não ter sensacionalizado este caso, algo que milhões de americanos - inclusive dentro do sistema judicial - fizeram ao longo dos anos. Não se surpreenda se você mudar de lado algumas vezes durante essa longa narrativa. O veredito é dado simplesmente por fatos.

Entretanto, Edelman quebra a imparcialidade em apenas uma questão. Há um lado que o diretor nunca toma, e é o do próprio Simpson. A forma como ele apresenta a decisão do júri - de que O.J. não era o assassino - dá a entender que o cineasta, por sua vez, o vê como culpado. Made in America não toma um lado em nenhum dos outros confrontos que documenta, exceto aqui, mas isso não é um problema. Primeiro porque por mais que o assunto tenha sido debatido ao extremo na época, hoje, 20 anos depois, é possível analisar o caso com uma perspectiva única e chegar a uma conclusão. Além disso, em nenhum momento o documentário dá esse veredito de forma explícita, permitindo que o espectador escolha de que lado ficar.

Além da excelência jornalística e investigativa, O.J.: Made in America também constrói suas narrativas com maestria. Pela montagem e estrutura do documentário, Edelman consegue mostrar bem porque existe um fascínio enorme ao redor de Simpson. Não há como negar que esse caso tem uma forte atração e, tanto na vida real quanto no filme, o clímax de tudo é o julgamento. A forma com a qual Made in America demonstra o desenrolar da história no tribunal é tão boa, que as longas horas da obra passam rapidamente enquanto somos fisgados, com olhos e ouvidos atentos, da mesma forma que os americanos foram nos anos 90.

O.J: Made in America vai se tornar exibição obrigatória em círculos de jornalismo, cinema e esportes. É um exemplo a ser seguido por sua profundidade investigativa, imparcialidade diante de fatos e comentário social sobre as falhas dos Estados Unidos e seu fascínio por celebridades, esportes e sensacionalismo. Vistas como série ou como filme, as quase oito horas dessa obra são uma das experiências mais viscerais que um documentário pode causar.

Nota do Crítico
Excelente!
O.J.: Made in America
O.J.: Made in America
O.J.: Made in America
O.J.: Made in America

Ano: 2016

País: Estados Unidos

Duração: 7h47 min

Onde assistir:
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