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Os Infratores | Crítica

Entre o fato e a lenda, John Hillcoat primeiro imprime a lenda - para então nela procurar o fato

11.10.2012, às 20H49.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Para o diretor australiano John Hillcoat, a lei deixa de valer diante da brutalidade dos homens. É assim no suspense de cadeia Ghosts... of the Civil Dead (1988), no faroeste A Proposta (2005), no drama pós-apocalíptico A Estrada (2009) e agora no policial Os Infratores (Lawless). São filmes em que a ordem se restabelece no caos, quando a violência deixa de ser um ato automático coletivo e passa a ser um fenômeno individual de purgação.

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Nesse sentido, embora seja um outsider, Hillcoat se inscreve numa tradição do cinema hollywoodiano que tem em Howard Hawks, diretor de westerns clássicos e do primeiro Scarface (1932), sua mais completa expressão: contos morais em que homens violentos, sem poder contar com Deus, não têm outra saída que não seja assumir responsabilidade por seus próprios atos. Se Os Infratores representa um curto-circuito na obra de Hillcoat, é porque aqui a identificação com o cinema americano de gênero se transforma em um comentário sobre a fetichização desse próprio cinema.

Lenda no dia a dia

A trama baseada em fatos adapta o livro The Wettest County in the World, de Matt Bondurant, neto de Jack Bondurant. Em Os Infratores, Jack (Shia LaBeouf) é o caçula de três irmãos que sobrevivem à Lei Seca destilando uísque e mantendo o comércio ilegal de bebidas funcionando no Sudoeste do Estado da Virginia, em 1931. Quando as autoridades passam a exigir uma fatia maior do negócio, os Bondurant - liderados pelo irmão do meio, Forrest (Tom Hardy) - entram em guerra contra deus-e-o-mundo.

A ordem natural que os homens estabelecem em substituição à lei fica evidente logo na primeira cena, quando os irmãos, ainda pequenos, testam se Jack tem coragem para matar um porco. Obviamente, o caçula fraqueja, porque o teste de superação de verdade se dará mais adiante. No meio do caminho, no transcorrer da guerra, Jack se convence de que pode ser um gângster digno de cinema, bem vestido, com o carro da moda, que posa armado para fotografias - um mafioso como o astro James Cagney, que naquele ano de 1931 estrelou Inimigo Público.

Historicamente, Hollywood raramente transformou tão rápido em ficção um momento social dos EUA quanto nos anos da Lei Seca. O Código Hays foi criado entre estúdios e o governo, em 1930, justamente para censurar as "imoralidades" dos filmes policiais, que glamourizavam os mesmos mafiosos que naqueles tempos dominavam cidades como Chicago e Nova York. O comportamento de Jack em Os Infratores, portanto, não é uma exceção - bandidos se imaginavam lendas no dia a dia porque é assim que se viam nas telas.

Tiroteio no escuro

O que John Hillcoat faz é inflar essa iconografia do gangsterismo que o cinema firmou - os figurinos, os carros, as Tommy Guns - para esvaziá-la em seguida, e ver o que resta de legítimo. Essa inflação acontece em dois níveis. O mais evidente: o exagero na caracterização dos personagens, não só a afetação do agente interpretado por Guy Pearce mas também a troglodice blasé de Tom Hardy, que rodou Os Infratores durante as preparações para O Cavaleiro das Trevas Ressurge no início de 2011 e visivelmente incorpora aqui traços de sua composição cheia de garbo do vilão Bane.

O segundo nível de exagero é mais discreto: está na forma como Hillcoat filma planos-detalhes associados à violência, dos hematomas no corpo ao lenço com sangue na mão, passando pelo soco inglês de Hardy. Acho que eu mantive uma relação de atração e repulsa enquanto assistia ao filme porque, nessas horas, ele me lembrou demais A Paixão de Cristo de Mel Gibson, que também trabalha objetos em chave sádica. No caso de Os Infratores, porém, o ato de isolar esses objetos e coisificar as pessoas parece ter o efeito contrário - Gibson quer a eles atribuir um sentido outro, enquanto Hillcoat pretende expô-los para resgatar seu sentido original.

O que sobra depois desse esgarçamento todo? Bem, basicamente, uma chacina motivada por um malentendido, já que o personagem de Guy Pearce surta porque, dândi daquele jeito, todo mundo pensava que ele era gay.

Já para Jack Bondurant sobra, além de muitos tiros, alguma redenção. Os Infratores está cheio de tipos vaidosos que referem-se a si mesmos na terceira pessoa ou que chegam a acreditar nas suas próprias lendas. Então para Jack se diferenciar, para afirmar-se como homem e impor sua ordem, só resta a ele se anular enquanto ícone. É por isso que, depois que os duelistas saem de casa arrumando-se no espelho, o confronto final do filme acontece no escuro.

Os Infratores | Cinemas e horários

Os Infratores | Trailer legendado

Nota do Crítico
Ótimo
Os Infratores
Lawless
Os Infratores
Lawless

Ano: 2012

País: EUA

Classificação: 16 anos

Duração: 115 min

Direção: John Hillcoat

Elenco: Shia LaBeouf, Tom Hardy, Guy Pearce, Jessica Chastain, Mia Wasikowska, Dane DeHaan, Noah Taylor, Jason Clarke, Lew Temple, Gary Oldman, Marcus Hester, Bill Camp, Alex Van

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