O cineasta João Jardim não se limitou, fora da tela, a documentar a situação do ensino no Brasil. Abriu uma instituição no Rio de Janeiro que realiza projetos de educação e visita iniciativas similares em outras cidades. Em Pro dia nascer feliz, porém, nada disso é mostrado. O filme evidencia e analisa os desníveis do ensino fundamental e médio no país. Tomamos conhecimento da presença de João Jardim, quando ouvimos sua voz fazendo perguntas, apenas uma ou duas vezes.
Hoje o gênero documentário cada vez mais se torna um exercício de metalinguagem - há diversos exemplares na safra recente brasileira que discutem a relação documentarista-documentado, escancarando a figura do diretor e da equipe de filmagem. Jardim escolhe a via oposta, mostrar somente o seu objeto de estudo. E como já provou em Janela da Alma, co-direção sua com Walter Carvalho, o olhar é o que mais importa.
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Ao invés de se mostrar interagindo com seus entrevistados, Jardim assume uma posição de observador. E o jeito como ele filma a adolescência, as conversas de canto das amigas, os ombros curvos do garoto impopular, as idas e vindas de todos, muitas vezes desnorteados em corredores de escolas, é de uma sensibilidade emocionante. Se o cinema é a arte de nos fazer ver o mundo com outros olhos, Jardim a domina.
Fruto de pesquisa de quatro anos, o filme começa com uma visita a Manari, Pernambuco, uma das cidades mais pobres do país, onde Valéria, de 16 anos, é acusada de plágio porque suas redações são bem escritas demais. Segue para Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, com a criminalidade à porta do colégio. E pára em São Paulo, onde uma hora de carro separa a excelência do Alto de Pinheiros de uma escola precária de Itaquaquecetuba. De um lado, alunos em crise existencial, discutindo o futuro, reforçados pelo apoio paterno e de professores particulares. Do outro, sonhos postergados em nome do sustento da casa e das urgências de curto prazo.
O tema não arrasta multidões de sábado à noite. "Todo mundo sabe que a educação no Brasil é uma m*", você pode argumentar. Acontece que Pro dia nascer feliz é um documentário não sobre o sistema de ensino, mas sobre a relação do jovem com esse sistema. O diretor transforma uma massa de estatísticas em conflitos individuais. Se o que você procura é um drama-com-personagens-bem-construídos (só o plano em contraluz que fecha o filme já resume num jogo de sombra toda a angústia do momento), tem no documentário uma amostra digna de ser conhecida.