Quem cresceu com videogames nos anos 1990 teve a oportunidade de ser testemunha ocular de um dos momentos mais singulares da história da indústria: a transição dos sprites em 2D para gráficos em três dimensões. Aquela época em que seu tio passava perto da TV, olhava um bonequinho careca de arestas quadradas num campo verde e falava "nossa, parece futebol de verdade hein".

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Naquela época de transição em que qualquer jogo tinha polígonos o suficiente para ser tratado como "o futuro do videogame", um título em especial realmente me surpreendeu. A abertura em computação gráfica, com um nível de detalhe que só se via no cinema, mostrava o universo, uma garota, uma praça, uma cidade e um trem. De repente, o trem chegava na estação, a cena em computação gráfica virava a cena do jogo e eu estava com o queixo no chão. O ano era 1998, eu tinha apenas nove anos de idade e o jogo no canhão de leitura daquele PlayStation cinzento era Final Fantasy VII.

Se hoje em dia já é difícil ter mais de uma marca de consoles em casa, naquela época isso era praticamente uma regra e não era raro uma criança ter fidelidade à marca - atire a primeira pedra quem nunca defendeu seu Mega Drive ou seu Super Nintendo. Assim como a própria Square, eu também quebrei uma relação de confiança com a Big N e, por razões que não cabem explicar aqui, escolhi meio a contragosto o PlayStation como opção para a quinta geração de consoles.

Como todo fã da Nintendo, havia um ressentimento de não poder jogar um novo Mario ou Donkey Kong. E, mesmo com a chegada de nomes que também vieram do SNES para o PS1, como Mega Man X, Street Fighter ou Mortal Kombat, ainda sentia que faltava aquele jogo que me dava mais vontade de jogar do que qualquer outro, e que não saía de dentro do console.

Este jogo foi Final Fantasy VII.

Meu primeiro contato com ele foi, veja você, assistindo um "gameplay". Acompanhava a minha irmã passando por distritos, usinas e favelas cyberpunk com bonequinhos sem proporção. Cada cena de corte em CG nova se desenrolava aos nossos olhos como se fosse um presente, uma recompensa atingida ao alcançar um determinado ponto do jogo.

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Antes mesmo de Cloud e cia. deixarem Midgar, já estava completamente fisgado por aquele universo. Mesmo sem entender uma palavra de inglês, decidi começar por conta própria o jogo. E mesmo pulando os diálogos (e contando com a ajuda de revistas como a SGP e a Gamers, que "traduziam" a trama para mim), fiquei fascinado pelas demais qualidades do jogo: seu mundo extenso e detalhado, seu sistema de combate fácil de aprender, mas repleto de desafios (maldita Midgar Zolom), e até mesmo a visível grandiosidade de sua história por meio de cenas de corte e cenários deslumbrantes.

Acabei terminando o jogo antes da minha irmã e cheguei a spoilear o destino de Aeris no meio do caminho (foi mal, cara). Final Fantasy VII foi o primeiro jogo que terminei mais de uma vez. Foi também o primeiro jogo que fiz questão de completar até o último detalhe, atingido alguns anos depois quando o Ruby Weapon se desfez em uma sombra vermelha no deserto de Corel.

20 anos depois, é muito fácil colocar Final Fantasy VII sob uma perspectiva histórica para falar de sua importância - as vendas do aparelho, seu papel na cisão entre Square, Nintendo e Sony, ou até mesmo o estilo gráfico e narrativo que influencia todos os jogos da franquia (e outros RPGs) com o passar das décadas.

Mas, lembrando dos primeiros anos de vida de Final Fantasy VII, é necessário reconhecer a importância dada ao mercado e aos jogadores a este RPG que fez tanto pela Squaresoft, para o gênero, para o PlayStation, e para seus jogadores. Que nos contou uma história marcante sobre o ciclo da vida, seja de uma pessoa, seja de um planeta. Que nos mostrou o peso da perda. Que mostrou emoção até mesmo nos lugares mais improváveis - seja com o passado de um cachorro, o altruísmo de um boneco de pelúcia ou a tragédia de um cadáver. Que soube trazer leveza até mesmo em uma história dramática (ainda que com cenas moralmente questionáveis). Que, acima de tudo, apresentou uma grande aventura em um mundo inesquecível.

Feliz aniversário, Final Fantasy VII, e obrigado.

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Esse texto faz parte do especial sobre 20 anos de Final Fantasy VII do Omelete. Leia sobre Final Fantasy VII.

Bruno Silva escreve sobre games, música e muito Power Rangers no Omelete. Siga-o aqui.