Nem mesmo a iluminação lúgubre da cozinha poderia esconder o quão nojento é o "menu" do jantar da família Baker. Em postas metálicas, entranhas que parecem ter saído das partes menos comestíveis de qualquer animal. As moscas voando em cima da mesa indicam o quão podre era o estado de toda aquela comida. Ao seu redor, um casal de meia idade, seu filho, um rapaz adulto, e uma senhora em estado vegetativo.

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"Coma, é gostoso", diz a mãe. "Ele não saberia se é boa mesmo se jogassem nele", retruca o filho, arremessando o prato em nossa direção. O pai, enfurecido, corta fora o braço do filho e se levanta. "O garoto precisa jantar. Coma", diz o pai, aproximando-se de você com um pedaço da refeição asquerosa. No momento em que você a cospe fora, a sala enlouquece. A mãe deixa o recinto esbravejando insultos. O rapaz, sem o braço, olha com curiosidade como o pai vai te punir. Com uma faca e um olhar ensandecido, o patriarca dos Bakers começa a cortar sua língua. Na hora do golpe final, o telefone toca. Todos deixam a sala. E cabe a você escapar.

É com esta injeção de pavor que Resident Evil 7: biohazard introduz seus objetivos, cenário e personagens, em um dos capítulos mais claustrofóbicos, assustadores e perigosos que a franquia de terror da Capcom já viu. Muito embora seu conceito de trocar a perspectiva da terceira para a primeira pessoa já seja conhecido desde o anúncio do jogo, na E3 deste ano, e em duas demonstrações lançadas ao longo do segundo semestre, a nova entrada da saga traz momentos para os quais você não está preparado.

Jogamos cerca de cinco horas de Resident Evil 7 em um teste realizado na sede da Capcom, em Osaka, no Japão, no qual o Omelete foi o único veículo brasileiro participante. Se as demos já davam a entender que a mudança de perspectiva e a introdução de um terror mais intimista fizeram muito bem a Resident Evil, esta sessão mais prolongada confirmou o acerto da Capcom nessa nova abordagem.

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Embora seja situado no mesmo universo dos outros jogos e se passe após RE6, Resident Evil 7 tenta se afastar ao máximo possível de seus antecessores. No jogo, controlamos um protagonista inédito, Ethan, que viaja até uma acabada mansão nos terrenos pantanosos da Louisiana em busca de sua esposa desaparecida.

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Comparado à última "trilogia" da saga, com suas sequências de ação cada vez mais grandiloquentes a cada título numerado, Resident Evil 7 parece até um jogo minimalista. São quase inexistentes as indicações na tela e os menus são integrados ao mundo do jogo da forma mais intuitiva possível - o medidor de vida, por exemplo, é um relógio chamado Codex, que fica no braço esquerdo do protagonista Ethan.

Com um cenário menor e ambientes mais contidos, a Capcom pôde trabalhar melhor em imersão. Cada encontro com um inimigo, seja com os integrantes da família Baker, seja com os mofados (criaturas gigantes e lentas que lembram os Regeneradores de RE4), é memorável e, misturando tensão com terror, é também difícil. Ainda que, depois de algumas horas, você se acostume com as ameaças que estão por vir, a sensação de imprevisibilidade é constante.

Quem também contribui - e muito - para manter a atmosfera de tensão é a família Baker. Loucos, caipiras e superpoderosos, cada um deles traz um encontro marcante, sempre com dinâmicas interessantes de gameplay que não podemos especificar por motivos de spoiler. Ponto positivo também para a localização do jogo em português brasileiro, que adaptou o sotaque sulista da família nas legendas - você verá eles falando palavras como "ocê" e afins.

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Raízes

Em nossas prévias anteriores, escritas por três pessoas diferentes (leia aqui, aqui e aqui) e com base em experiências distintas do jogo - as duas demos e uma prévia em realidade virtual realizada na E3 -, sempre foi apontada a tentativa da Capcom se não deixar para trás a essência da saga, que completa 20 anos em 2016. E, jogando esta nova build, esta comparação é mais do que evidente.

Ainda que os elementos de terror mais modernos encontrados em Outlast e P.T./Silent Hills possam ser encontrados no game, a semelhança maior de RE7 é com o primeiro Resident Evil. A sensação de nunca prever o que encontrar em cada corredor, a ansiedade constante de um possível encontro com um dos Bakers ou os mofados e os mistérios da casa - tanto em suas passagens bloqueadas quanto em sua história - ligam RE7 a RE1. Ambos são quebra-cabeças, tanto em seu roteiro quanto em seu cenário, esperando para serem encaixados.

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Isso, claro, sem falar de mecânicas e elementos clássicos de Resident Evil, transportados aqui para novas perspectivas e interfaces. Estão de volta as plantas que regeneram vida, a possibilidade de combinar ingredientes para obter um item mais poderoso, ou as safehouses - novamente bem pontuadas pela existência de uma música de fundo -, nas quais você pode guardar objetos em um baú ou salvar seu progresso.

Assim como na Mansão Spencer do primeiro Resident Evil, a casa de RE7 também vai se revelando em camadas, à medida que você consegue destrancar portas e encontrar passagens escondidas. Como em todo Resident Evil, o cenário é sempre maior do que parece, e com essas revelações, novos mistérios e questionamentos vão surgindo.

O jogo também contém quebra-cabeças que remetem à era clássica da série, como chaves com formas de animais que podem ser usadas para destrancar portas correspondentes, ou puzzles que exigem girar um objeto até que sua sombra seja a mesma de um quadro - como visto na demo "Lantern". Os quebra-cabeças, entretanto, não tem a mesma complexidade dos Resident Evil clássicos (ou até mesmo de RE4), pelo menos nas horas iniciais da campanha.

Ação

Um elemento que distancia Resident Evil 7 de colegas contemporâneos como Amnesia, Outlast e P.T. é a habilidade de poder se defender de ameaças com armas brancas e armas de fogo. Isso adiciona, também, uma novo leque de possíveis cenários para o jogo, já que é possível montar sequências de combate que envolvem gerenciamento de recursos e uma dinâmica entre defesa e ataque.

É interessante notar que, apesar de ter trocado para a primeira pessoa e conter armas de fogo, Resident Evil 7 passa longe da ação desenfreada de outros jogos de tiro. Em uma das sequências que joguei, deparei-me com dois mofados ao mesmo tempo. Enquanto recarregava, um deles me acertou, e precisei me curar. Quando voltei a ter a arma na mão, minha arma não estava recarregada, e tive que me afastar para não morrer. Todas as ações de RE7 são vagarosas, e impõem um ritmo mais cadenciado aos confrontos entre Ethan e as monstruosidades do jogo.

Ethan pode se defender das investidas dos inimigos com o botão de ombro esquerdo (L1 no PlayStation 4, LB no Xbox One), recebendo menos dano. É imprescindível defender-se dos ataques, já que um golpe recebido de forma aberta pode diminuir consideravelmente sua vida. Entretanto, virar-se para a direção oposta e correr pode deixá-lo vulnerável, o que torna cada decisão de uma luta difícil - devemos defender, fugir, se afastar, recarregar?

Isso, claro, sem mencionar a escassez de recursos como munição e afins, que também vale para este jogo. Uma saraivada de balas em um momento de desespero pode lhe custar a vida, quanto você ficar descarregado para a onda de inimigos seguintes. Pelo menos o botão de defesa garante uma mínima condição de lutar quando você inevitavelmente depender apenas de uma arma de mão para sobreviver.

Resident Evil 7 será lançado em 24 de janeiro para PlayStation 4, Xbox One e PC.