Nos últimos meses, uma história importante tem se desenrolado nos bastidores da indústria de games. A Ubisoft, empresa que hoje é responsável por franquias grandes como Assassin’s Creed, Watch Dogs e Just Dance, e é considerada uma das maiores distribuidoras do mercado, está lutando para manter sua independência diante de uma possível aquisição hostil da gigante de mídia francesa Vivendi.

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O nome Vivendi pode ser familiar para quem acompanha o mercado. O conglomerado já teve controle da operadora de internet GVT e foi, durante anos, dono da Activision Blizzard, mas a empresa de Call of Duty retomou sua independência alguns anos atrás. Desde então, a gigante francesa ficou ausente do mundo dos games. Tudo mudou no ano passado, quando ela começou a fazer movimentos que indicavam interesse na Ubisoft em outubro. Desde então, começou uma batalha corporativa pelo comando da desenvolvedora.

No mundo dos negócios, uma aquisição hostil é um evento em que uma empresa pode assumir o controle de outra contra a sua vontade. A empresa que está sendo comprada não deseja ser comprada, ou não deseja em particular ser adquirida pela companhia que faz a oferta. Isto só pode ser feito em empresas de capital aberto, com ações que podem ser compradas e vendidas em mercados de ações públicos.

A Ubisoft é comandada pelos irmãos Guillemot, que fundaram a empresa e mantiveram seu controle até hoje, com Yves Guillemot atuando no papel de CEO. A família também era dona da desenvolvedora mobile Gameloft, responsável pelos jogos da série Asphalt, mas, em junho deste ano, a Vivendi executou uma aquisição hostil ao garantir 62% do capital da empresa e 56% dos votos necessários entre os acionistas para assumir o comando. Analistas indicaram que isso era uma forma de forçar negociações com a Ubi.

Atualmente, a Vivendi é dona de 22,8% das ações da Ubisoft, o que a torna a acionista majoritária, e quer mais. “A Vivendi considera que seria uma boa estratégia corporativa ser representada no Conselho Administrativo da empresa considerando seu nível de participação no capital,” o grupo disse em uma das pouquíssimas declarações oficiais desde que essa novela começou.

A Ubi se fortalece

Como esperado, a Ubisoft está lutando para se manter independente diante da ameaça da Vivendi. Por quê? Guillemot explicou ao Financial Times em maio: “Muitas empresas impõem chefes externos grandes que demandam execução cega, mas nós somos uma indústria criativa, e criatividade depende de deixar pessoas assumirem riscos,” disse o CEO. “Ter um grupo que não entende a indústria chegar e querer controle poderia matar essa criatividade rapidamente.” 

O que normalmente seria noticiado em jornais que cobrem o mercado financeiro e tratado por engravatados em salas de reunião acabou se tornando uma luta da Ubisoft para manter o próprio espírito. É só assistir ao encerramento da conferência da Ubi na E3 2016, quando Guillemot e todos os desenvolvedores que participaram da apresentação subiram ao palco do evento mais importante do ano, com uma mensagem motivacional, agradecendo seus empregados e fãs. 

Eu amo videogames porque a inovação e a mágica real acontecem quando nossos times e jogadores são livres para criar, livres para inovar, livres para se expressar, livres para se arriscar e se divertir. Isso é o que nos trouxe aqui hoje, e é isso que vai nos dirigir por mais 30 anos,” Guillemot declarou para o mundo - e principalmente para a Vivendi.

“A questão principal é que a indústria de videogames é uma indústria criativa muito complexa, na qual você tem que tomar decisões muito ágeis e na qual é preciso de liberdade para fazer parcerias com quem você quiser", disse um representante da Ubisoft que preferiu ficar anônimo falando exclusivamente ao Omelete e descreveu o momento como uma fase de tensão dentro da corporação. "Então, toda a mensagem de Guillemot desde o início foi de dizer que o crescimento da Ubisoft nos últimos 30 anos vem dessa independência, que nos permitiu tomar decisões radicais como, por exemplo, investir no Nintendo Wii na época quando ninguém queria fazer isso. Nós começamos com o Just Dance.” 

“Também investimos em comprar o estúdio da Massive, que tinha sido vendido pela própria Vivendi,” explicou. “É um bom exemplo de investimento corajoso e independente num estúdio que a Vivendi queria vender. A Ubisoft comprou, investiu durante quatro anos no desenvolvimento colocando dinheiro, tecnologia e pessoas. No final, a Ubisoft lançou The Division em maio desse ano e o jogo virou o maior lançamento de uma nova marca na história da indústria. Foi um jogo que faturou 330 milhões de euros na primeira semana.” 

Nossa fonte também explicou que a aquisição hostil pode comprometer criativamente uma obra, cuja construção pode acabar esbarrando em questões de licenciamento. “Por exemplo, estamos indo pra cinema com o filme do Assassin’s Creed. Para Guillemot, é importante poder negociar com a Fox ou qualquer outro estúdio. Se a Ubisoft fizer parte da Vivendi, é mais provável que o filme fosse feito dentro do grupo Vivendi. A mesma coisa com Just Dance, que tem músicas da Warner, da Sony e da Universal - que pertence à Vivendi - então o risco seria ter que usar apenas músicas da Universal.”

União faz a força

A mensagem de que a independência da Ubisoft vai além de questões contratuais têm continuado a se espalhar através da campanha We Are Ubisoft, lançada recentemente pela publisher. O site do movimento conta com números, gráficos e informações sobre o crescimento da Ubi, e como a Vivendi poderia prejudicar a corporação, financeira e artisticamente. A frase We Are Ubisoft passou a ser vista em todas as redes sociais, e a mensagem tem sido deixada bem clara de diversas formas:

“Isso foi uma iniciativa privada de alguns funcionários da Ubisoft que decidiram criar esse site. ‘We Are Ubisoft - We Stand Together.’ Foi um movimento muito espontâneo para nomear o caminho para a marca e para esse espírito de inovação e liberdade,” explicou o representante ao Omelete. “Não é um movimento contra ninguém, é mais um movimento a favor de uma cultura muito especial na Ubisoft que permitiu criar muitas marcas novas nos últimos anos como Assassin’s Creed, Just Dance, Watch Dogs.” 

E quando você compara com outras grandes publishes como EA e Activision, você não vê tantas novas marcas. Acho que esse site We Are Ubisoft mostra esse espírito de inovar, de criar novas marcas e entrar em novos mercados como cinema e livros. Rapidamente, chegamos a mais de 4 mil pessoas que mudaram a foto do perfil para o ‘We Are Ubisoft’ apoiando a iniciativa. De todo o mundo. China, Brasil, Estados Unidos, Canadá, todos os países europeus,” ele concluiu.

A preparação da Ubisoft para o pior não ficou, entretanto, em mensagens motivacionais. Em fevereiro deste ano, Guillemot começou a se encontrar com investidores (incluindo membros do governo) no Canadá, onde a empresa tem diversos estúdios, como a Ubisoft Montréal, sua principal casa de criação. Alguns dias antes da reunião anual geral, a família Guillemot comprou de volta 3,625,178 ações da empresa que eram do banco Bpifrance, pagando US$ 137.9 milhões no processo. 

Segurança (por enquanto)

Até o momento, o climax dessa história aconteceu na última quinta-feira (29), quando aconteceu a reunião anual geral da Ubisoft. A Vivendi estava presente na mesma, e queria eleger seus representantes para o Conselho da desenvolvedora. Em termos de negócios, esse momento foi equivalente à batalha no aeroporto em Capitão América: Guerra Civil. E o resultado foi positivo para os Guillemots.

Yves foi reeleito como CEO da Ubisoft, e outro membro da família, Gerard Guillemot, foi reeleito para o cargo de CEO da Ubisoft Motion Pictures, produtora que está trabalhando com estúdios nos filmes de Assassin’s Creed, Splinter Cell e The Division. Além destas duas vitórias, adicionando Frederique Dame e Florence Naviner como diretores independentes no Conselho. Agora, cinco membros fundadores e cinco diretores independentes têm o controle administrativo. 

Durante nossa reunião anual geral, os acionistas da Ubisoft expressaram um grande apoio pela estratégia da Ubisoft e sua gerência. Nós continuamos focados na execução do nosso mapa estratégico, que já se provou um sucesso e confiamos que isso vai continuar entregando ótimos resultados e valor para todos os acionistas da Ubisoft,” Yves declarou ao fim da reunião, na qual ele garantiu que só vai relaxar quando a Vivendi vender suas ações.

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Yves Guillemot

Em outras palavras, a Ubi está segura… por enquanto. Assim como a batalha no aeroporto não era o fim de Guerra Civil, está reunião não é o fim da guerra corporativa. A Vivendi ainda é dona de boa parte das ações, e já falou que vai procurar eleger membros do Conselho em 2017. Além disso, a gigante francesa continua em boa posição para tentar uma aquisição hostil. 

O que pode salvar a Ubisoft, entretanto, parece ser justamente o apoio que ela está recebendo além dos números e finanças. Ao fim da reunião geral, a repórter francesa Chloe Woitier tuitou que houve uma salva de palmas para o resultado, e que Yves estava extremamente aliviado. Se os diretores continuarem a manter a confiança financeira e pessoal dos investidores, então, talvez, eles tenham uma chance. 

Independentemente da qualidade dos jogos, os acionistas parecem estar felizes com a direção que os Guillemots estão seguindo. Sucessos recentes como The Division, a entrada no cinema e mudanças necessárias em suas estratégias posicionam a Ubi como uma forte competidora no mundo dos games. Se isso será suficiente para resistir os ataques da Vivendi ou não, só descobriremos no futuro.

Entramos em contato com a Vivendi, mas não obtivemos resposta até o fechamento dessa matéria.