Hayao Miyazaki em seu estúdio particular (NHK/Reprodução)

Créditos da imagem: Hayao Miyazaki em seu estúdio particular (NHK/Reprodução)

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O menino, a garça e a aposentadoria: o peso do talento de Hayao Miyazaki

Com possível último filme, diretor mostra os riscos de ser insubstituível

Omelete
4 min de leitura
15.02.2024, às 14H20.

“O talento se desgasta com o uso, dia após dia”. Essa frase dita por Hayao Miyazaki não parece se encaixar na filmografia do diretor, que, aos 83 anos, já ultrapassou seis décadas de carreira. Após quase 45 anos do lançamento de seu primeiro filme, O Castelo de Cagliostro, Miyazaki lança ao mundo, agora, um de seus filmes mais profundos — O Menino e a Garça. Com elementos dos principais títulos de sua cinematografia, o mais recente longa-metragem do mestre da animação japonesa mostra que seu talento ainda segue intacto, mesmo após dezenas de milhares de dias de trabalho.

O segredo para tanto sucesso e disposição foi revelado pelo próprio Miyazaki em seu documentário da emissora japonesa NHK. Segundo ele, a “inspiração é tudo”. Se você consegue extrair referências e inspirações de outras obras e mídias, sua mente nunca vai parar de criar novas histórias. Assim, ouvindo “The Ride of the Valkyrie”, de Richard Wagner, ele tem a ideia de criar um tsunami de peixes gigantes para Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar, um de seus maiores sucessos. Mas ainda assim, ele se queixa e diz: “todo dia sinto o limite da minha habilidade”.

Essa ânsia de Miyazaki por uma criatividade sem limites o coloca constantemente diante do fato de que um dia seu trabalho terá que terminar. Mesmo que sua musa resida nas trivialidades do cotidiano, como uma folha caindo ou uma criança correndo diante de seu estúdio, a inevitável aposentadoria o obrigou a entregar seu testamento artístico em O Menino e a Garça. Compilando seus trabalhos, sua infância e na incansável busca de inovação, ele lança o seu provável último filme com aplausos e ótimas críticas.

Um de seus exemplares mais importantes, o longa, considerado por muito tempo como seu trabalho final, parece ter reavivado o ânimo de Miyazaki pela animação. Pelo menos é o que diz o vice-presidente do Studio Ghibli, Junichi Nishioka. Segundo ele [via The Verge], “[Miyazaki] está atualmente trabalhando em ideias para um novo filme. Ele chega todo dia no escritório para fazer isso. Dessa vez, ele não vai anunciar sua aposentadoria. Ele vai continuar trabalhando como ele sempre fez”.

Esse impasse sobre a aposentadoria do diretor é uma novela que acompanhamos desde 1997, quando ele indicou planos de encerrar suas atividades após o lançamento de Princesa Mononoke. Podemos dizer que essa indecisão de Miyazaki se dá pela relação tóxica que ele tem com o próprio ofício, que mesmo querendo, não consegue abandonar. Atormentado pela profundidade da própria genialidade, ele não encontra saída em seu estúdio particular, sem espaço para falhas, sem hora para terminar.

Mas ainda mais profundo que o puro sentimentalismo, é o peso de ser quem ele é. Uma coisa que ficou clara para o diretor em seus mais de 60 anos de carreira é que ninguém faz filmes como ele faz. E dizer isso não é desmerecer o trabalho de outros diretores de animação, é reafirmar que a assinatura de Miyazaki é única e fundamental para toda a indústria. Saber disso é um grande fardo para um mestre. Olhar para o futuro e não ver seu legado sendo passado adiante pode ser desesperador e também combustível para trabalhar até o final.

A palavra legado por si só nos leva a pensar na relação entre o cineasta e seu filho mais velho, Goro Miyazaki, que também é diretor no estúdio Ghibli. Distantes por motivos familiares, ambos têm visões de mundo e criativas bem diferentes. O maior exemplo disso é o infame Aya e a Bruxa, de 2020, trabalho mais recente de Goro e o primeiro filme em computação gráfica do estúdio. Para Hayao Miyazaki, que ainda faz seus desenhos em aquarela, pensar em usar computação gráfica é algo completamente irreal. Essa simples diferença de perspectiva sobre arte e tecnologia mostram o quão distantes estão as técnicas de pai e filho e que Goro não necessariamente dará continuidade ao trabalho do pai.

Dividido entre o cansaço e a urgência criativa, Hayao Miyazaki trava uma luta diária contra a obsolescência, mostrando ao mundo todo dia que a tradição mantém firme seu lugar na arte. E mesmo que a idade pese mais que seu pincel, a vontade de criar parece manter viva a chama criativa no coração do diretor, que trouxe ao mundo histórias inesquecíveis, que o manterão imortal no coração de muitas pessoas. Unindo o peso de seu talento em cerca de duas horas, O Menino e a Garça leva o Ghibli de volta ao Oscar e reafirma a contemporaneidade do estúdio, provando que o tempo só fez bem à obra de Miyazaki.

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