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Descascando <i>Bananas</i>

Descascando <i>Bananas</i>

27.08.2003, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 10H03
Bananas - Deep Purple
5 ovos!

Confira abaixo a análise faixa a faixa de Bananas, o novo álbum do Deep Purple:

House of pain - Pra abrir o disco com um chute na porta. Peso e ritmo bem balanceados, com um riff poderoso. A composição é de Gillan e Bradford. Letra típica do Gillan: mulheres deliciosamente problemáticas e algumas tiradas beirando o nonsense. Morse e Airey brincam juntos com a mesma naturalidade com que Jon Lord e Ritchie Blackmore trocavam figurinhas nos anos 70. O solo do Don Airey não deve nada ao Lord, e o Gillan ainda toca harmônica e dá uns gritos. Eu duvido que você consiga ouvir essa música sem sair cantando back to the house of pain! pela casa.

Sun goes down - É a primeira música em que se sente claramente a mão do novo produtor. O riff é poderoso, meio sombrio mas com um ritmo gostoso. Os backing vocals no refrão são meio fantasmagóricos, e lá pelas tantas parece entrar uma transmissão de rádio. É interessante como, em alguns trechos, a ação mais criativa parece estar no fundo. É intencional, pra ouvir com atenção. E saca só o que é o teclado do Airey no final.

Haunted - É a faixa de trabalho do disco, que vai render o primeiro single. Uma balada ensolarada, se é que existe essa categoria. Conjuga bem as características comerciais com a competência técnica, mais do que qualquer outra balada anterior do Purple - todas falhavam no apelo comercial. Haunted caberia bem em qualquer filme hollywoodiano. As gurias fazendo backing vocal no refrão, com aquele sotaque sacana da Califórnia, fazem miséria com a imaginação de qualquer marmanjo.

Razzle dazzle - Alto astral, com ritmo; de tocar sem medo em qualquer bar de rock. Tenho a coleção completa do Purple em casa, e não consigo lembrar de nenhuma música deles que tenha me dado essa vontade de dançar com uma cerveja na mão e segurando a namorada pela cintura. Será que o clima da Califórnia influiu? Bradford também fez um ótimo trabalho na mixagem da parte em que a voz predomina. O piano do Airey parece coisa de bar de caubói.

Silver tongue - Olha o peso aí. Roger Glover metralha o baixo, dominando a música. Não sei por que o Gillan tem essa mania de enfatizar I may be crazy, but Im not stupid (ele diz o mesmo em Watching the sky, do Abandon), mas eu gosto da frase. O teclado lembra o clima de House of blue light (1987). A levada da letra lembra a de Evil eye, do disco Accidentally on purpose, que Gillan gravou com Glover ao sair do Purple, em 1988. Silver tongue, porém, é mais elaborada..

Walk On - Um rock introspectivo, mas não exatamente uma balada. Não como Haunted. Sintetizadores no começo, o velho Hammond bem colocado, baixo e guitarra dando um ritmo legal. Não curti os sintetizadores do final. Lembraram um pouco a tentativa de dar um clima cósmico à introdução instrumental de River deep, mountain high (do disco Book of taliesyn, 1968)

Picture of innocence - A introdução lembra Lazy. Blues nas primeiras estrofes, rock com pitadas de rap no refrão, uma letra sensacional. Lendo parece estranho, mas vai lá escutar. Vocal tranqüilo, letra divertida, num libelo contra a mentalidade politicamente correta: No drinks / no smokes / no dicking around, no little funny jokes / Whats next / no sex?. Don Airey usa bem a técnica do Jon Lord de dar tapinhas nas teclas do Hammond. Ian Paice não tem pena dos pratos.

Ive got your number - É a banana que mais amadureceu até ser gravada. Foi composta ainda com o Jon Lord e vinha sendo experimentada desde a turnê na Inglaterra no começo de 2002. Inicialmente se chamava Up the wall e tinha uma letra diferente. Durante a composição, em dezembro, Bradford botou fermento no bolo. Acabou sendo outra música que tocaria em qualquer bar de rock. Nos riffs, Morse e Glover dão o clima. A letra é divertida. Tem aqueles interlúdios apocalípticos em que o teclado faz a cama e depois vem a bateria esperneando em cima. É a música que mais marca o disco como a continuação lógica do anterior, Abandon (1998).

Never a word - Completamente diferente de qualquer coisa que o Deep Purple fez antes. Não dá pra encaixar numa categoria clara de música, o que é uma característica fenomenal do Purple. Pandeiro chacoalhando. A longa introdução lembra as músicas que se ensaia em violão clássico. O teclado sutil, o baixo discreto. Demora dois minutos e meio até entrar o vocal, o que inicialmente me levou a achar que o título fosse descritivo. Mas o vocal vem, e surpreende. A voz do Gillan é tranqüila, parece que ele está cantando uma canção de ninar. Faz dueto consigo próprio, o que lembra o MPB 4, com um instrumental imensamente mais complexo. Sem arriscar mais os agudos dantanho (ele já é um senhor de 58 anos, ora), desenvolveu muitas técnicas interessantes para os tons médios de sua voz.

Bananas - Uma música poderosa, que também não faz fiasco em bar de rock. Vamos zarpar pro futuro, de volta aos anos 60. O ritmo nervoso lembra o Episode Six, a banda que Ian Gillan e Roger Glover tinham antes de entrar para o Purple, especialmente pelo baixo de surf rock. A harmônica que o Gillan toca depois de cada frase dá um charme especial. Aos três minutos, Don Airey e Steve Morse enlouquecem e matam a pau juntos, pra depois cada um mostrar o que sabe. Isso ao vivo deve ser difícil pra caramba de tocar - especialmente para o Gillan coordenar voz e gaita - mas deve ser um tesão de assistir. A letra parece uma cotovelada na playboyzada sem objetivo: Ive got nothing to say today / I used my words up yesterday / Im just lying here in the sun / Watching you guys having fun.

Doing it tonight- Outra completamente diferente de tudo o que o Purple fez antes. Lembra um pouco os ritmos latinos, tipo salsa (!), mas com baixo e bateria agressivos. Lá pelas tantas, pára tudo e o Gillan e o Morse encaram algo como rap, pra depois voltar à heavy salsa. O rap deve ser influência da Grace, filha do Ian Gillan, que adora isso. Nos fóruns sobre o Purple, tem gente dizendo que essa é a melhor música do disco. Eu sou meio tradicionalista nesse ponto, mas é realmente interessante.

Contact lost - Uma instrumental curta, mas tocante, com guitarra, violão, teclado e, de leve, percussão e baixo. A música tem duas fases, uma quase épica e uma melancólica, mas ainda assim soando grandiosa. O contato perdido foi o da Nasa com o ônibus espacial Columbia, em 3 de fevereiro, quando a banda estava gravando. Uma das astronautas que morreram, Kalpana Chawla, era fã do Purple. Do espaço, mandava e-mails para eles - Steve Morse recebeu um, pouco antes da explosão da nave. Quando a nave explodiu, Ian manifestou suas condolências. O cantor e o Morse estiveram entre os primeiros a prestar solidariedade ao marido da astronauta, o músico JP Harrison. Na tarde após a explosão, Morse pôs-se a compor a música. Como as forças de combate, pilotos de teste e bombeiros, todos sabiam que estavam se expondo aos maiores níveis de risco, mas ninguém jamais havia testemunhado um acidente tão horrendo na aterrissagem, escreveu Morse - ele mesmo piloto de aviões - em fevereiro. Harrison, o primeiro fora da banda a ouvir a música, ficou emocionado pela homenagem à equipe de sua mulher.

Leia a resenha de Bananas. Clique aqui.

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