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Fiona Apple | Tidal, 21 anos depois continua um álbum forte, marcante e sexy

Primeiro álbum da cantora norte-americana foi além na forma de expressar seus medos e traumas

26.07.2017, às 13H50.
Atualizada em 26.07.2017, ÀS 14H08

Fiona Apple é um processo. Na maior parte das vezes ela surge na vida das pessoas porque alguém indicou ou simplesmente por causa de algo inesperado, como uma encomenda de um álbum de outro país. Bem, em todo caso, como não se impressionar com uma sonoridade jazz/pop/sexy que parece ter nascido para compor os melhores/piores momentos da sua vida?

Fiona apareceu pra mim após uma indicação de seu maravilhoso segundo álbum - de nome gigante - abreviado para When the Pawn... Logo, buscar o disco anterior, Tidal, foi questão de tempo. Ainda bem, pois quando você se depara com algo produzido para fazer parte do panteão de obras atemporais, não há como deixar que passe em branco. Com letras fortes e marcantes, a exemplo de "Sleep to Dream", "Criminal" - com sua pegada jazzística, piano, bateria, e - ainda sim - pop radiofônico que você não cansa de ouvir -, "Never Is A Promise" e a suave balada com sonoridade eletrônica, "The First Taste", o primeiro trabalho da cantora é algo realmente admirável.

Detalhe importante a ser lembrado é que na época do lançamento, Apple tinha somente 18 anos e, em questão de cinco meses, passou de alguém completamente desconhecida, que nunca tinha se apresentado para uma plateia, na vida, para um dispositivo elétrico na MTV.

Em texto da Spin, também comentando sobre os 20 anos de Tidal, a jornalista Rebecca Haithcoat escreve que o fato de ter uma mulher linda e forte, mas que "se apaixonava por caras idiotas, se sentia triste, não gostava do seu corpo, e não era perfeita" a fazia se sentir melhor.

Sim, isso é verdade, não dá para comentar sobre esse disco, de uma mulher em formação, com letras fortes, que lutava contra traumas de sua infância/adolescência, e que ainda sim falava sobre eles com a crueza e a honestidade que quase nenhum adulto consegue sem fazer um pequeno link com a sua história de artista em formação. Fiona fala em uma das faixas de Tidal sobre um estupro aos 11 anos, some a isso, uma jovem que luta contra distúrbios alimentares - anorexia nervosa -, criada em uma família não funcional que a traumatizou profundamente na infância e que, de repente, entra no mundo do showbiss para ser adorada por desconhecidos e por bajuladores. É possível que nem Alanis Morissette, com sua verborragia honesta do primeiro álbum, tenha conseguido chegar tão próxima de uma mudança tão drástica em sua vida, como Apple. Mesmo com Alanis abrindo a porta para que as mulheres pudessem externar seus sentimentos sobre os homens, suas fraquezas e o que mais lhe desse na cabeça, a canadense era "treinada" para o sucesso, ela já cantava em programas em seu país desde a adolescência.

Com todo esse mundo em pedaços, Fiona Apple lançou em 1996 um álbum que coloca em primeiro plano sua voz marcante e dolorida, que expõe alguns de seus maiores segredos e não faz disso um show, mas sim uma entrega, uma confissão. Tudo sem parecer fraca ou acuada, mas sim alguém forte o suficiente para contar sobre o que aconteceu em sua juventude para um punhado de desconhecidos por meio de músicas que - possivelmente - ela não tinha ideia de que fariam parte da vida de tanta gente ao redor do mundo. Talvez, para Apple, a ideia fosse expurgar seus demônios por meio da arte, usar esse canal para si mesma, não para chegar aos outros. Mas isso é um grande "talvez".

Entre tantas frases marcantes da cantora em seu primeiro registro, um artigo da Stereogum destaca algumas bem marcantes, como “Darling, give me your absence tonight” [Querido, me dê sua ausência, essa noite], “I’ve been careless with a delicate man” [Eu tenho sido cruel com um homem delicado], “I’ll haunt the world inside you” [Eu irei caçar o mundo dentro de você], “I’m getting weary of waiting to be consumed by you" [Estou ficando cansada de esperar para ser consumida por você]. Frases que fizeram o diretor da gravadora para qual ela apresentou suas primeiras faixas, Andy Slater, achar que estava sendo enganado, "Eu não estava completamente convencido de que aquela pessoa que estava sentada à minha frente - que claramente tinha 17 anos - tinha escrito aquelas palavras", contou.

Fiona criou uma aura tão diferente nesse trabalho que existe até mesmo uma lenda sobre uma de suas principais músicas, "Criminal". Contam que ela compôs a faixa em 45 minutos, quando um executivo da gravadora disse que seu disco precisava de um single. Isso, sem dúvida, é fruto da experiência de vida de alguém que passou por muita coisa, mas também mostra como falar sobre algo mais profundo era simples pra ela: Expelido de forma rápida e sem filtros.

De qualquer maneira, agora com a comemoração dos 21 anos do álbum, não dá para deixar que ele passe em branco. Por isso,  conhê-lo como a porta de entrada para os trabalhos da artista - que não grava com frequência -, mas costuma entregar obras cada vez melhores, e inserir essa musicalidade como parte do seu documento de referências sonoras, é extremamente necessário.

Apple nunca se apresentou no Brasil. Da oportunidade que mais passou perto, precisou cancelar um show em 2014, pois sua cachorra não estava bem. "Estou escrevendo para alguns milhares de amigos dizendo que nós não poderemos nos encontrar ainda. Estou pedindo para mudarmos nossos planos e nos encontrarmos um pouco mais tarde", escreveu a cantora em uma longa carta. Sobre sua cachorra ela disse, "Não posso deixá-la agora, por favor, entendam. Se eu viajar novamente, tenho medo de que ela se vá sem que eu tenha a honra de estar ao seu lado (...). Não sou o tipo de mulher que coloca a carreira à frente do amor e da amizade". Até nesses momentos ela mostra que permanece aberta para conversar com estranhos e contar as suas mazelas, sem filtros. Veja carta na íntegra.

Assim, nos resta ouvir novamente sua música e torcer por uma apresentação dela no Brasil, em breve.

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