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Crítica

Red Hot Chili Peppers - The Getaway | Crítica

Álbum amplia as possibilidades musicais do grupo com misturas entre funk, progressivo e sintetizadores

17.06.2016, às 15H09.
Atualizada em 17.06.2016, ÀS 15H19

Há alguns fatores que conduzem The Getaway, o novo álbum do Red Hot Chili Peppers: o trabalho foi gestado após uma decepção amorosa do vocalista Anthony Kiedis e mostra uma banda aberta a novas possibilidades. Com isso, surge um disco interessante, que abre caminhos, mas mantém o estilo sonoro que consagrou a banda californiana.

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Com o grupo mais entrosado com seu novo/velho guitarrista Josh Klinghoffer, que teve pouco tempo para fazer seu serviço no disco anterior, Anthony Kiedis, Flea e Chad Smith se mostram mais abertos a testar sons alternativos e ir além do que o grupo já fez em mais de 30 anos na estrada.

A abertura com a faixa-título "The Getaway" apresenta uma sonoridade calma e reflexiva sobre as notas de guitarra de Klinghoffer, que conduzem a uma viagem rumo a um dia na praia com os amigos. Mas o final, com um riff grudento e bacana, transforma a guitarra no principal elemento de uma música simples que tem no timbre clássico de Kiedis toda a sua referência. Encerrando com gosto de quero mais, o álbum poderia seguir esse caminho e já estaria muito bom.

"Dark Necessities", o primeiro single, da evidência ao baixo de Flea e relembra o estilo consagrado do RHCP, com o groove de um funk-pop, e Kiedis, mesmo economizando nos vocais, entrega uma performance que realça os elementos da música. A linha de piano e as notas do baixo colaboram para que a faixa caminhe de forma marcante para um possível clássico da banda. E, novamente, a aposta em um final climático, focado em notas de guitarra, faz com que a dupla de abertura garanta a audição do álbum por si só.

A faixa seguinte, "We Turn Red", chega como uma rota diferente dentro da sonoridade que o grupo construiu nas duas primeiras músicas. Traz uma pegada que lembra um pouco do clássico Blood Sugar Sex Magik, misturada a momentos mais calmos e notas de violão, novamente em conjunto com um vocal mais "romântico" de Kiedis, e caminha para um slide guitar que parece ir em direção a uma noite no Havaí.

"The Longest Wave" aparece como a primeira balada verdadeira do álbum. Com todas as características de uma música que se propõe a isso precisa ter. No entanto, esses elementos fogem da proposta do disco de tentar sair da zona de conforto, e entram em um espectro que qualquer banda mediana poderia apresentar. É o tipo de faixa que só engrossa a lista do álbum.

"Goodbye Angels" surge com uma guitarra discreta que evolui para os vocais de Kiedis, e ganha corpo com uma mistura entre o baixo de Flea e um sintetizador. É algo muito próximo da década de 1980: swingado, não como um funk, mas que anima, sem apresentar alguns dos principais elementos já clássicos da banda. Não dá para negar que a tentativa de explorar outras possibilidades retorna graças a quebras sonoras, backing vocals, e mudanças rítmicas bem marcantes. Flea ganha destaque e temos a primeira mostra clara de algo um pouco mais moderno para o som do grupo.

"Sick Love" vem como uma balada disfarçada. Chega com um ritmo menos característico, mantém o esquema de quebras nos tempos em conjunto com a inserção de algumas notas de piano e sintetizadores. Mas a faixa mostra como Josh Klinghoffer gosta de beber nos timbres da década de 1980. Essa influência se une a uma bateria de sonoridade mais limpa, ideal para formar uma cozinha coesa junto ao baixo de Flea. Não passa nem perto de ser um destaque do álbum. Poderia ter sido mais trabalhada para chegar mais longe.

Já em "Go Robot", os elementos eletrônicos e a pegada dançante se destacam. Mesmo com a cadência rítmica montada sobre a bateria e o baixo, a sonoridade etérea do teclado e os riffs de guitarra com efeitos mais 'modernos' deixam a música próxima do que o Daft Punk poderia ter colocado em seu último álbum (guardadas as devidas proporções). É climática na medida e mesmo parecendo deslocada de um possível conceito do álbum, ainda soa muito boa, graças a momentos que lembram o percurso de uma viagem que você realmente quer fazer.

"Feastin on the Flowers" mantém os teclados, mas se apresenta como uma música de final de tarde, com vocal cadenciado, riffs que lembram, à distância, um ska, e notas de guitarra pensadas de forma cirúrgica. No entanto, quando você está se acostumando com tudo isso, a música muda. E, mesmo assim, permanece excelente, caminhando para um lugar novo e animado. Nesse ponto do álbum, é interessante perceber como a busca pela mistura e pelo frescor de outras possibilidades sonoras transformam o Red Hot em algo completamente novo. Sem dúvida, essa faixa poderia, facilmente, se tornar uma jam session, com uns nove minutos. Ela tem muito mais a ser explorada.

Na sequência, após todo o clima da música anterior, "Detroit" chega mais seca, com elementos mais 'garageiros', enfatizando os instrumentos elementares e vocal um pouco mais alto do que Kiedis costuma fazer em qualquer uma de suas músicas mais novas. Isso gera a reflexão sobre como uma música de pegada tão 'básica' é capaz de empolgar e fazer parte desse projeto que apresenta tantas misturas, sem soar estranha.

Assim, "Detroit" é perfeita para abrir caminho para a faixa com mais cara de rock de todo o álbum, "This Ticonderoga". A composição, no início, parece bem fora do contexto do projeto. Apresenta um elemento de guitarra bem conhecido para quem gosta de Queens of the Stone Age e, novamente, traz uma quebra, completamente inesperada, com piano e cordas. Esses elementos funcionam como uma bela surpresa, justamente por fugir do comum em uma faixa que parecia caminhar para mais do mesmo. Sem dúvida, os novos produtores - Danger Mouse e Nigel Godrich - injetaram um pouco mais de ousadia na banda.

Depois do peso da música anterior, "Encore" surge como um respiro e abre caminho para a 'trinca do amor perdido'. Essa é a segunda balada verdadeira do álbum, com elementos de uma música de amor que não ousa muito, mas que graças a uma guitarra bacana, bem encaixada sob os vocais, a deixa leve e não dá a intenção de ir embora. O final climático é perfeito para ficar em loop quando for necessário pensar sobre algo importante da vida.

"The Hunter" se mantém em uma rotação lenta, novamente com cara de coração partido, desacelerando o disco e trazendo cada instrumento na medida. Apesar de o baixo de Flea estar escondido nessa faixa que não conversa com o resto do álbum, essa pode ser a música que possivelmente melhor define o sentimento de Kiedis, após terminar seu namoro e partir para o trabalho em The Getaway. Não é marcante, mas é interessante.

Por fim, o álbum se encerra em uma polaridade completamente diferente de onde começou, com a faixa "Dreams of a Samurai". Com uma mistura entre piano, vocais femininos e um solo de baixo, a música só começa a aparecer, realmente, quando surge a bateria e 'monta a cama' para que uma viagem progressiva comece. A sonoridade é climática e permite a cada músico explorar um pouco mais de suas habilidades. É um final completamente inesperado para um álbum que começa com uma pegada tão funk-pop e alegre.

No final da jornada, o RHCP se mostra aberto a novas possibilidades, amplia sua área de atuação musical e, mesmo não indo tão longe de tudo que já criou, evidencia que a presença de três novas pessoas - os produtores Danger Mouse, Nigel Godrich e o guitarrista Josh Klinghoffer - foram capazes de levar a banda para um novo lugar.

O álbum cumpre com a função de apresentar uma nova proposta para músicos já estabelecidos, mas que, ainda sim, conseguem fazer uma boa mistura entre novos elementos - que podem ser explorados por um bom tempo - e o legado pelo qual já são reconhecidos. A esperança é que essa chama não se apague depois de The Getaway e cresça durante os próximos projetos.    

Nota do Crítico
Ótimo

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