Música

Entrevista

"Nós sempre mantivemos a essência", diz Thedy Corrêa sobre os 30 anos do Nenhum de Nós

Grupo apresenta show comemorativo em São Paulo nessa sexta e sábado

29.07.2016, às 11H42.
Atualizada em 29.07.2016, ÀS 12H19

A banda gaúcha Nenhum de Nós é, possivelmente, um dos principais expoentes do rock brasileiro dos anos 80 e, que ainda hoje, mesmo fora das principais mídias de massa do país, continua com uma carreira consistente e agenda cheia. O grupo, que completa 30 anos em 2016, e é conhecido por músicas como, "Camila, Camila", "Jornais" e "Astronauta de Mármore" (versão de "Starman", de David Bowie), vem a São Paulo para divulgar seu último trabalho, Sempre é Hoje, disco de 2015, que comemora as três décadas de produção musical.

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Thedy Corrêa, vocalista da banda, conversou com Omelete, não só sobre o último trabalho, mas também sobre o percurso do Nenhum até se estabelecer no cenário nacional como uma das poucas representantes da década mais rentável e popular do rock nacional. Logo de entrada, o que chama a atenção é que o Nenhum de Nós se mantém produtivo, afinal de contas, a banda lançou álbum de músicas novas para comemorar a longevidade da banda. Sobre isso, Thedy comenta que "o Sempre é Hoje é um álbum de inéditas. E a maior parte dos artistas, quando vai comemorar 30 anos, costuma lançar discos voltados para o passado, revendo toda a trajetória. Nós resolvemos que não iríamos fazer isso. Que iríamos lançar um disco novo. Então, estamos comemorando 30 anos, com um disco novo". Essa fala diz muito sobre a banda que tem apresentado seu 13º trabalho de estúdio ao redor do Brasil, se mantendo relevante e em plena forma criativa. "[...] eu conheço muitos artistas, colegas, do rock principalmente, que dizem que não têm mais nada para dizer. Não tem mais o que produzir de novo. E a gente não. Se desse, a gente lançaria um disco por ano. Mas o nosso empresário, o mesmo desde o início, ele gosta de trabalhar o disco com calma, fazer ele chegar onde tem que chegar", destaca.

E esse é um outro detalhe interessante na trajetória da banda, já que, para que o grupo chegasse até aqui, um longo caminho precisou ser traçado. Thedy fala sobre como a banda passou por pontos diferentes dentro de uma carreira que começou no topo. "As oscilações que uma carreira artística tem são estranhas, por causa das exigências que ela tem contigo. Em algum momento você precisa estar preparado para estar por baixo. Mas em algum momento você também precisa estar preparado para estar por cima". E segue para um momento importante na história da banda, "O Nenhum de Nós começou por cima. Fez a "Camila, Camila", ela estourou e a gente pensou: 'Nossa, aqui é o máximo'. E aí tu vai lá e faz o "Astronauta de Mármore". Esse aqui é o máximo, entendeu? E aí faz o [disco] Sobre o Tempo, e começa a cair. A cair em queda livre, abismo… A gente ganhou um prêmio da MTV e foi representar o Brasil no MTV Video Music Awards de 1992, que era um prêmio que só as grandes bandas ganhavam. A gente foi representar o Brasil em Los Angeles, quando voltamos pra cá a gravadora nos mandou embora. [...] E ai tu fica meio sem chão", comenta.

Depois dessa situação, em que a banda saiu de apresentações aos domingos no Faustão para não ter contrato, Thedy diz que surgiu a necessidade de se voltar mais para o mercado regional, sem se preocupar tanto com gravadoras. "A gente sempre teve uma frase que nos norteou, que eu acho muito boa, e que serve para várias coisas: 'Quem começou a banda, não foi uma gravadora. Então não vai ser uma gravadora que vai acabar com ela'. E nos voltamos de novo pra arte. E ai tu te reinventa. Tu tem que fazer mais show regional, trabalhar uma linguagem que aquele público da região entenda mais. E daqui a pouco começa de novo. Tu começa a subir de novo e vem pra São Paulo, Minas Gerais... Daqui a pouco tu tá no Nordeste…”. E com esse aproveitamento do trabalho regional que, aos poucos, voltou a repercutir nacionalmente, Thedy fala que, "à medida que as coisas começam a ganhar fluidez, a curva  de altos e baixos se equilibra e parece quase uma reta. Então a gente está nessa situação. A gente já atingiu uma velocidade de cruzeiro”, e segue, “A gente lança discos e não superestoura, entende? Não vira um sucesso nacional de novo, mas temos o nosso público. Fazemos 90 shows por ano, sempre em lugares bacanas. Temos um público que exige material novo e que pra gente é confortável. Eu posso sair na rua. Não é aquele tipo de artista que tem sempre alguém em volta. E ao mesmo tempo, o público me conhece. Pessoas que gostam de música, que gostam de rock, elas te conhecem. E isso já é bem legal".


No entanto, até que o Nenhum encontrasse sua “velocidade de cruzeiro”, foi necessário buscar novas possibilidades, novas formas de trabalhar, criar e divulgar seu material. Thedy conta que, quando a banda saiu da gravadora, eles não deixaram de se relacionar com as empresas, mas passaram a se comportar como artistas independentes, o que fica evidente na maneira como eles apresentaram outro de seus sucessos comerciais, o Acústico Ao Vivo, gravado no Theatro de São Pedro, em Porto Alegre. “[...] nosso projeto seguinte foi um acústico. O primeiro projeto acústico de uma banda no Brasil que saiu por uma gravadora grande. Só que foi assim, a gente gravou o disco e depois tivemos o material negado por eles [gravadora]. A gente fez uma demo, 15-16 músicas, e eles não gostaram de nada. E disseram que já não estavam mais interessados. Então, fizemos esse show acústico e gravamos. Não sei como a gravadora ficou sabendo disso, e nos chamou”. Thedy conta que a gravadora sugeriu algumas mudanças, mas que o posicionamento da banda foi de não mexer em mais nada. “Eles propuseram uma mixagem com mais calma, que é uma coisa bacana. Nós aceitamos, mas artisticamente, era aquele projeto que a gente queria lançar. Nesse processo [30 anos de carreira], a gente se relacionou com muitas gravadoras, mas sempre como artistas independentes, ou seja, chegava lá e mostrava: O projeto é esse. Quer, quer! Não quer? Vamos pra outro. A gente tomou pra nós, trouxe para as nossas mãos o poder de decidir qual caminho iríamos tomar, e a gravadora era só o nosso parceiro comercial, pronto”.

Com tudo isso que aconteceu, logo no início da carreira, surge a pergunta: Como um grupo que começou no auge e passou por momentos difíceis, se mantém a tanto tempo junto? Thedy fala que isso está ligado a liberdade que todos têm em todos os momentos da banda e usa como exemplo o processo criativo do grupo. Ele conta que na hora de compor e pensar em material novo, todos costumam sentar, fazer um chimarrão e conversar sobre. “A gente vai fazer um ao vivo? Vamos fazer algo mais voltado para o lado folk da banda? E é engraçado que assim a gente faz uma reunião, decide o que vai fazer e, quando vamos fazer, fazemos outra coisa. Esse disco o Sempre é Hoje era pra ser um disco mais folk, e não foi. O disco, Contos de Água e Fogo, o anterior, a gente falou: ‘Vamos fazer um disco chamado Rock Rural e vamos pegar só as violas…’ E no fim, é o disco mais pesado de guitarras que a gente tem. A gente dá um start, mas sabemos que no caminho as coisas podem ir parar em outro lugar”.

Essa flexibilidade de todos os membros, parece ser o fator que garante que cada um tenha a sua voz e a banda continue caminhando junta. “Sempre me perguntam: Qual é o segredo pra tá todo mundo junto há tanto tempo. Todo mundo fala, todo mundo opina. Todo mundo tem voz ativa, entendeu… Eu costumo dizer que o Nenhum de Nós é uma banda sem patrão. Que tem banda que diz: ‘ah fulano é o líder da banda’. E eu acho uma babaquice. Então vai ter uma carreira solo. O legal de ter uma banda é isso, sabe? Ter que brigar para defender o seu ponto de vista, não ser algo que tu coloque e o outro tem que engolir por que o cara é dono da banda. Tem que ter um embate. Tem que ter argumentação, de forma que todo mundo se sinta responsável. Até numa letra, se alguém fala: ‘Eu não gostei’, a gente conversa. Em um ponto que todo mundo abraça isso, que todo mundo se sente responsável pelo resultado que vai ter depois, a história de que ‘é ele que faz, é ele que decide’, desaparece”, enfatiza.

Sobre todo esse processo criativo, o período que estão na estrada, e a responsabilidade de criar um material artístico responsável, Thedy conta algumas histórias de como as músicas do grupo marcaram a vida de algumas pessoas e fala sobre o porquê do rótulo de “banda engajada” nunca ter pegado no Nenhum de Nós, apesar da forma como eles abordam diversos temas sociais. Para isso, ele usa como exemplo a música “Jornais” “[..] que é uma música que fala de gente que mora na rua e de como a imprensa trata isso com uma naturalidade, que desde aquele tempo [década de 80] é assim. Só que nunca colou na gente aquele rótulo de banda engajada. Ou que tenha uma preocupação política”. E abre parênteses para comentar uma passagem marcante de como a música da banda faz parte da vida das pessoas. “Eu tenho um amigo que o pai dele não conseguia contar que iria se separar. Ele precisava explicar que o casamento dele com a mãe do meu amigo tinha acabado. O que ele fez? Ele chamou o menino, e disse: ‘Vem cá vou colocar uma música’. E ele colocou “Sobre o Tempo”. Meu amigo começou a ouvir a música e começou a entender. E o pai dele falou: ‘Pois é, eu e a sua mãe… Entendeu?’”.

Por meio desse assunto chegamos ao último álbum do grupo, que tem como um dos destaques a sonoridade que homenageia Gustavo Cerati, vocalista e guitarrista da banda argentina, Soda Stereo, “que é um ídolo nosso”, destaca Thedy.  “O Soda Stereo é considerada a maior banda da história do rock latino-americano. E aqui no Brasil ninguém sabe, nunca saiu disco deles por aqui, só que em todos os lugares do mundo, onde se fala espanhol, os caras são gigantes. A gente, por uma proximidade [geográfica] e por não ter preconceito nenhum, descobriu os caras, e ele é um cara que nos influenciou muito”. No entanto, ele confessa que a homenagem sonora foi acontecendo de forma não planejada, durante a criação do novo disco. “A gente foi pra Caxias do Sul, na serra, no inverno. A banda, o produtor e o nosso engenheiro de som. Nos fechamos lá pra fazer os arranjos, todos juntos. Numa coisa bem orgânica. E conversando, conforme o trabalho ia evoluindo, a gente se deu conta de como tinha componentes da música do Cerati dentro do que a gente estava fazendo. E, então, o JR Tolstoi, nosso produtor que é muito fã dele, começou, ‘ó o Cerati ai, ó Cerati aí…’. E lá pelas tantas a gente falou, olha, tem que dedicar esse disco pra ele. E me emociona ver que a gente fez. Homenagear um ídolo teu, fazer um disco em homenagem a ele, e quando tu vai ouvir as músicas têm, aqui e ali, um eco do que era o trabalho dele”. E a homenagem chegou em um patamar tão interessante que até o roadie manager precisou pesquisar a faixa “Descompasso” para ter certeza de que não era plágio. “É disso que é feito a música, a música é feita dessas histórias. dos acontecimentos. [...] isso é influência".

Outro detalhe interessante do disco é a diversidade de pessoas envolvidas, conforme Thedy destaca, “é um álbum de uma banda gaúcha, homenageando um argentino, com capa de um artista argentino, produzido por um carioca, com participação da Roberta Campos que é mineira e arranjos e execução de corda do Quinteto da Paraíba”.

Essa mistura, também colabora para a longevidade da banda, que começou grande, conseguiu se manter no cenário do rock gaúcho, e, há um bom tempo, voltou a transitar por todo o Brasil, trabalhando sobre um caminho criado por eles no percurso. Sobre isso, o músico comenta que um dos principais fatores para conseguir transitar por tantos cenários, em todos esses anos, é a honestidade da banda com o público, “essa é uma coisa que as pessoas passaram a valorizar, muito”. E segue, “Nós nunca mudamos de estilo porque estava na moda… Não, a gente sempre mudou as coisas, renovou, modernizou, sempre mantendo a essência, e eu acho que isso fez com que, em todos os lugares nos quais as pessoas gostam de uma música com um pouco mais de conteúdo, e com o pré-requisito da honestidade do artista, eles nos identifiquem como os caras que vale a pena seguir. Principalmente hoje, que a gente vê no Brasil muita gente que trabalha no mercado da música e faz música como se fosse um produto para colocar na prateleira de um supermercado. Entendeu? Eu costumo dizer que tem gente que faz um negócio muito parecido com música, mas não é música”.

Thedy e a cultura Nerd
Com toda essa história na música nacional, Thedy também realiza outros projetos, e um deles é como membro do Stout Club, projeto focado em levar algo diferente aos leitores de HQ´s e fãs da cultura pop. Sobre esse outro trabalho, o músico confessa que sempre foi apaixonado por quadrinhos. “Quando eu comecei a pensar no que iria fazer da vida, minha primeira opção foi quadrinhos. [...] cheguei a ser ilustrador em um jornal no Rio Grande do Sul. Só que ai a música foi mais forte, mas os quadrinhos sempre estiveram ali do lado”.

No entanto, mesmo seguindo o caminho musical, ele conseguiu ficar próximo de alguns nomes da área como Rafa Albuquerque, Renato Guedes e Mike Deodato. Isso, um tempo depois, reacendeu a chama, e Thedy seguiu para um curso com a ideia de reaprender a fazer arte nesse formato. “Eu pensei: ‘Vou reaprender a fazer. E despertou de novo, tudo. Veio tudo! E ai eu mergulhei de cabeça e o Rafa me convidou pra ser sócio do Stout”.  O grupo tem vários projetos na manga, entre eles o quadrinho infantil ”O Segredo da Floresta”, com o Felipe Nunes, roteirizado por Thedy. O músico-quadrinista, também comenta sobre um novo livro que esta escrevendo em parceria com Renato Guedes, “Imersão”, “em cima das pinturas dele”. “Renato é um artista plástico monstruoso e eu peguei os personagens e comecei a escrever contos. Contos de suspense e de terror que nós estamos fazendo um livro com isso. Agora eu acho que agora não tem volta. Vão ter que me aguentar”, destaca.

Assim, com todas essas possibilidades e uma carreira consolidada, não dá para negar que o Nenhum de Nós é uma das poucas bandas brasileiras com identidade forte e público fiel.  Um grupo que marcou o início da década de noventa e que hoje anda por uma estrada, ainda em construção, pavimentada com paciência e honestidade com seus fãs.

O Nenhum de Nós apresenta faixas de seu último álbum “Sempre é Hoje” e também alguns clássicos nessa sexta-feira (29) e sábado (30) no Teatro J. Safra, em São Paulo, com ingressos entre R$ 20,00 e R$ 100,00. Nos dias de apresentação a banda conta com show de abertura de Rodrigo Del Arc e na sexta-feira com a participação especial da cantora Roberta Campos. Mais informações estão disponíveis no site oficial do teatro.

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