Imagem de Retratos Fantasmas (Reprodução/Vitrine Filmes)

Créditos da imagem: Reprodução/Vitrine Filmes

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Retratos Fantasmas é a escolha para representar o Brasil no Oscar 2024: E agora?

Entenda os desafios que o documentário dirigido por Kleber Mendonça Filho terá de enfrentar para tentar uma chance na premiação

Omelete
7 min de leitura
18.09.2023, às 16H55.
Atualizada em 18.09.2023, ÀS 18H13

Academia Brasileira de Cinema anunciou Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho, como representante oficial do Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar 2024 na categoria de Melhor Filme Internacional. É a segunda vez que um documentário brasileiro é selecionado pela comissão (a primeira foi Babenco, em 2021) e a segunda que uma produção atrelada ao diretor recifense é submetida à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS) – seguida de O Som ao Redor, em 2014. Para muitos, a nomeação foi considerada ousada, uma vez que se trata de um documentário buscando reconhecimento em uma categoria bastante específica, que historicamente tem sido dominada por narrativas ficcionais. 

No entanto, os anos recentes da Academia já demonstraram que documentários podem competir de igual para igual na categoria com 75 anos de existência. Mas quais os desafios que o longa terá de enfrentar para, enfim, chegar aos finalistas ao prêmio – e ter até mesmo a chance de levar o ouro para casa?

Peneira

Inicialmente, para ser considerado como um dos finalistas na categoria de Melhor Filme Internacional, uma produção deve ser escolhida como a seleção oficial de seu país. Segundo as regras da Academia, apenas um título de cada nação convidada a participar da premiação tem o direito de ser submetida. No ano de 2023, por exemplo, 93 países fizeram suas seleções, e o Brasil submeteu o independente Marte Um.

Uma vez que o período de inscrições chega ao fim, os longas são enviados para o Comitê Preliminar de Filmes Internacionais, que assiste aos títulos escolhidos e votam nos 15 melhores. Os 15 mais votados vão para uma segunda rodada, onde o Comitê de Indicação de Filmes Internacionais vota para reduzir a seleção para os cinco finalistas. A última vez que o Brasil apareceu na lista de pré-indicados foi em 2008 com O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger.

Rota dos Festivais

Um segredo aberto em Hollywood é que os membros da Academia não conseguem assistir a todos os filmes indicados. Em 2015, por exemplo, o The Hollywood Reporter revelou que 6% do total de votantes nem sequer assistiram aos títulos indicados para a categoria de Melhor Filme – então quem dirá que os membros consigam assistir a todas as produções submetidas pelos países estrangeiros?

É precisamente nesse ponto que a engrenagem por trás de Hollywood começa a operar. Para muitos, a trajetória de um filme estrangeiro em direção ao Oscar é impulsionada pelos festivais de cinema mais prestigiados do circuito europeu, tais como Cannes, Berlim e Veneza, que servem como vitrines de atenção internacional. Geralmente, é nesses eventos que os primeiros favoritos começam a se destacar na corrida, seja devido à recepção positiva da crítica especializada ou ao reconhecimento por parte dos membros dos festivais, muitos dos quais são profissionais da indústria, como diretores, atores, roteiristas, produtores e afins.

Foi exatamente o que aconteceu em 2019 com Parasita, por exemplo. O filme de Bong Joon-Ho estreou em maio daquele ano na França e causou um grande alvoroço, mantendo-se na memória dos votantes até o ano de 2020, quando fez história ao se tornar o primeiro filme internacional a conquistar a estatueta máxima da premiação. Outro exemplo notório ocorreu um ano antes, quando Roma, dirigido por Alfonso Cuarón, foi o grande vencedor do Festival de Veneza e acabou levando o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2019 –é claro, com uma ajudinha da Netflix.

A escolha por Retratos Fantasmas pode estar fortemente relacionada ao fato de que a produção foi selecionada e é exibida internacionalmente nos principais festivais de cinema do mercado. O documentário fez sua estreia mundial no Festival de Cannes, em maio deste ano, em uma mostra paralela, onde arrancou fortes elogios da crítica especializada. No início de setembro, ele passou pelo Toronto International Film Festival (TIFF), ou Festival Internacional de Cinema de Toronto, e dentro das próximas semanas estará no respaldado New York Film Festival, ou Festival de Cinema de Nova York, dentro da seleção oficial – onde terá a oportunidade de ser visto por mais espectadores e pessoas da indústria.

Este ano, o atual favorito ao prêmio de Filme Estrangeiro no Oscar é Anatomia de Uma Queda, da francesa Justine Trietque ganhou a Palma de Ouro e chega aos cinemas nacionais com distribuição da Diamond Films

Quem não é visto, não é lembrado

Nem sempre sair como o vitorioso em um festival europeu é passaporte garantido para o Oscar. Nos últimos anos, grandes vencedores de alguns festivais internacionais, como Titane (2021), Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (2021) ou O Acontecimento (2021) sequer entraram na lista pré-indicados. Parte disso pode estar ligado ao tema das produções ou, principalmente, ao seu distribuidor. 

Para ter mais chances de chegar ao ouro é muito importante contar com o apoio de uma máquina de publicidade. Essencialmente, o Oscar é uma competição que leva em consideração a popularidade. Portanto, nesse contexto, as produções, especialmente as estrangeiras, devem se comportar de maneira semelhante aos candidatos em uma corrida política: elas precisam estar presentes em outdoors e em revistas, com representantes participando de mesas-redondas e eventos para destacar suas obras. Essa missão só pode ser bem feita com o apoio de um publicista e um distribuidor.

Pelos Estados Unidos, Retratos Fantasmas teve seus direitos de exibição adquiridos pela promissora Grasshopper Film, cujo portfólio de títulos conta com projetos de diretores renomados como o iraniano Asghar Farhadi (vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional duas vezes, por A Separação, em 2012, e O Apartamento, em 2017). Sua distribuição ganha ainda mais peso com o apoio da Cinetic Marketing, líder no segmento de campanhas para prêmios. Nos últimos anos, a empresa foi responsável por acompanhar premiados como Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (2022), CODA (2021), Drive My Car (2021), Ataque dos Cães (2021), e um título que mais casa com a proposta de Retratos Fantasmas, o documentário Flee: Nenhum Lugar para Chamar de Lar – indicado a Filme Internacional, Documentário e Animação.

De acordo com as novas normas da Academia, contudo, o marketing deve ser equitativo entre as distribuidoras, na tentativa de nivelar o campo de jogo das campanhas. Portanto, os distribuidores de filmes e produtores estão proibidos de financiar, coordenar ou apoiar eventos de exibição privada, que frequentemente requerem recursos significativos e colocam as produções independentes em desvantagem, especialmente aquelas sem o suporte financeiro substancial de publicitários.

Desvantagem de gênero

Outro fator que também deve selar o destino de Retratos Fantasmas é a produção em si, que conta com vantagens e desvantagens – sendo a mais óbvia de todas se tratar de um documentário.

Ao longo da história do Oscar, nunca uma produção documental levou o prêmio de Filme Estrangeiro. Entretanto, nos últimos anos, a categoria tem dado uma revigorada ao gênero, indicando Honeyland em 2020, Colectiv em 2021 e Flee em 2022. Então, não seria inédito um documentário estar na lista de finalistas, bem como um filme sobre a paixão por cinema, um tema recorrente entre os indicados e vencedores do Oscar – afinal de contas, Hollywood é uma indústria que adora se dar um tapinha nas costas.

O gênero documental ainda dá uma colher de chá a Retratos Fantasmas permitindo que ele tente a sorte ao prêmio de Melhor Documentário – o que já seria um belo reconhecimento para o cinema brasileiro. Quatro documentários brasileiros já aparecem entre os indicados ao prêmio, curiosamente o mesmo número de vezes que os nossos filmes foram selecionados à categoria de Melhor Filme Internacional: Raoni (1979), Lixo Extraordinário (2011), O Sal da Terra (2015) e, mais recentemente, Democracia em Vertigem (2020).

Será que (agora) vai?

O Brasil tem uma tarefa difícil de quebrar seu jejum de quase 25 anos de Oscar. De 1999 para cá, aparecemos em outras categorias, como documentário, canção original ("Real in Rio" de Rio, em 2012) e animação (O Menino e o Mundo, em 2016), mas a última vez que o país foi lembrado pela Academia como uma das melhores produções internacionais do ano foi em 1999, com Central do Brasil.

No entanto, o último fator crucial que pode levar o Brasil a conquistar essa indicação está relacionado ao seu diretor. Kleber Mendonça Filho é um dos cineastas brasileiros mais amplamente reconhecidos internacionalmente, com seus filmes marcando presença em diversos festivais e sendo aclamados por publicações especializadas como algumas das melhores produções do ano, a exemplo de Aquarius (2016) e Bacurau (2019).

O nome desse diretor pode se encaixar perfeitamente em uma lista de pré-indicados em uma categoria que valoriza talentos consagrados em festivais, algo que está em sintonia com o atual nível de respeito e prestígio desfrutado pelo diretor recifense.

A data final para a submissão dos filmes estrangeiros à Academia é 2 de outubro, a lista com os pré-selecionados será revelada em 21 de dezembro e os cinco finalistas serão anunciados na manhã de 23 de janeiro. Até lá, fica a torcida (e a esperança) de que, dessa vez, nosso cinema seja reconhecido.  

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