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Artigo

Demolidor: A Queda de Murdock

A queda do Homem Sem Medo e a ascensão de Frank Miller

11.03.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H13

Os tempos não andam bons para o Demolidor. Heather Glenn, uma de suas antigas paixões, suicidou-se. Sua firma de advocacia - em parceria com o agora não tão sorridente Foggy Nelson - faliu após a má publicidade de um caso recente. Glorianna O?Breen, a irlandesa ex-militante do IRA e sua nova namorada, não entende suas mudanças abruptas e freqüentes de comportamento. Além disso, sem que, ao menos, desconfie uma mulher de seu passado está prestes a vender seu maior segredo por uma mísera dose de heroína. Como vêem, basta uma gota d?água para Matt Murdock tornar-se um homem em frangalhos.

Digamos que o Rei do Crime tenha uma mangueira...

Demolidor

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O Rei do Crime

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O Demolidor, em uma de suas mais antológicas passagens

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Daredevil 227, começa a Queda de Murdock

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Foggy e Glorianna

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Capitão América

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Karen vende o segredo de Matt

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Bazuca

Era esse o cenário da revista Daredevil no início de 1986 que esperava Frank Miller, o autor que, de 1979 a 1982, havia levado o Demolidor ao estrelato das HQs, e que agora voltava às suas páginas disposto a virar a personagem de cabeça para baixo. Acompanhando-o em sua nova investida na vida do herói cego, Miller contava com o então novo e promissor desenhista: David Mazzucchelli.

O CENÁRIO ANTES DA QUEDA

O ano era 1985. A época final de algumas das grandes obras dos quadrinhos americanos. A revista Daredevil ainda tentava se recuperar da perda de Frank Miller, que havia deixado suas páginas em 1982. Denny O?Neil, o então roteirista do título, não vinha mantendo o clima gerado por seu predecessor, apesar de contar com a grande ajuda do novato David Mazzucchelli.

Daredevil era o primeiro título regular que Mazzucchelli havia assumido na Marvel após desenhar histórias soltas do Mestre do Kung Fu, Indiana Jones e Guerra nas estrelas. Impressionado com seu trabalho, Bud Budiansky, o editor do Demolidor na época, convidou-o para ilustrar a personagem. Como O?Neil estava de férias, sua primeira história - The deadliest night of my life - foi escrita por não outro senão Harlan Ellison, o renomado escritor de ficção científica, autor de Spider kiss, e apaixonado por HQs. Sem dúvida alguma, um ótimo sinal.

A cada edição, ficava evidente o crescimento artístico de Mazzucchelli, mas seu ponto de virada foi a edição 220, cuja história, Fog (Brumas, no Brasil) incitou-o a simplificar seu desenho, arriscando composições experimentais e designs mais fortes. Era o início de sua tendência a abrir mão do detalhamento supérfluo que atingiria o clímax, muitos anos depois, em obras como Cidade de vidro e Rubber blanket. Na época, embora de maneira mais tímida, o desenhista já estava se deixando influenciar pela escola impressionista de pintura.

Frank Miller, por sua vez, vinha traçando uma trajetória meteórica nos quadrinhos. Tendo recebido carta branca da DC Comics, lançou uma mini-série experimental chamada Ronin e tornou-se unanimidade com seu Batman: O Cavaleiro das Trevas. No entanto, embora ausente das páginas de Daredevil, ele não havia se afastado completamente do herói. Nesse período, produziu a graphic novel Demolidor: amor e guerra em parceria com o ilustrador Bill Sienkiewicz, demonstrando um talento especial para obras em co-autoria.

O Demolidor, propriamente dito, não ia bem das pernas. Apesar da experiência do veterano Denny O?Neil, os roteiros não encantavam os leitores, talvez saudosos da genialidade de alguns anos antes. De repente, uma luz no fim do túnel. Frank Miller deu sinais de que pretendia voltar ao título. Escreveu uma singular história fechada, Badlands, para a edição 219, desenhada pelo veterano John Buscema e colaborou em Brumas. Era o sinal de que, no que dizia respeito ao Homem Sem Medo, o filão do roteirista ainda não havia se esgotado.

O?Neil deixaria a revista no final de 1985, e Miller reassumiria o título apenas por algumas edições, exigindo que Mazzucchelli, por cuja arte se dizia apaixonado, permanecesse. Seu retorno efetivo ao título se deu na edição 226, em uma história escrita a quatro mãos com Denny O?Neil. Ele preparava terreno para Born again, uma saga em sete edições, que, no Brasil, foi batizada de A queda de Murdock.

Na edição 227, o primeiro capítulo de Born again, Miller e Mazzucchelli, trabalhando em perfeita simbiose criativa, não tardaram a estabelecer os principais protagonistas da saga. Além de Matt Murdock, terão destaque o repórter do Clarim Diário, Ben Urich, criado por Miller em 1979 quando descobriu a identidade secreta do herói; Foggy Nelson e Glorianna O?Breen, ele tentando retomar sua carreira no direito e ela na fotografia; Wilson Fisk, o Rei do Crime, na melhor abordagem já feita com a personagem; e Karen Page, a antiga secretária da firma de Foggy e Matt, desaparecida desde os anos 60 quando deixou seu emprego para abraçar a fama em Hollywood... Mas, após uma carreira como atriz pornô, tudo que encontrou foi a ruína e a dependência de drogas. É ela que, ao vender o segredo do Demolidor, derruba o primeiro dominó da seqüência que mudará radicalmente a vida do herói.

QUEDA E ASCENSÃO

Desde o início, Miller e Mazzucchelli tinham uma idéia muito clara do que pretendiam com Born again. Era para ser uma fábula de ruína e redenção. Eles testariam todos os limites da personagem, levando-o à miséria, à loucura e, por fim, à beira da morte para, então, trazê-lo de volta purificado, praticamente renascido. Daí o título original da saga Born again (Renascido). O nome da versão brasileira, Demolidor - A Queda de Murdock, prioriza apenas a primeira parte desta trajetória.

Born again deu a Miller e Mazzucchelli, além da chance de desenvolver novas possibilidades para as personagens de apoio já conhecidos, a oportunidade de elaborar conceitos que os interessavam na época.

Um acréscimo tardio à obra, que não estava no esboço original, foi a personagem Bazuca (Nuke, no original), que faz sua primeira aparição no capítulo 6, Daredevil 232. Desde seu primeiro período na revista e mais claramente com Cavaleiro das Trevas, Miller já havia demonstrado um nítido interesse pela figura do herói, em seu valor mítico e em seu sentido nos dias de hoje. Bazuca, o anabolizado supersoldado dos anos 80, leva o leitor a se indagar pelos mesmos temas e oferece a oportunidade perfeita para introduzir o Capitão América na história. A polarização que se estabelece entre ambos chega a ser tão intensa e impactante quanto o confronto entre Batman e Super-Homem em Cavaleiro das Trevas.

Mazzucchelli aproveita para experimentar propostas narrativas derivadas do impressionismo. É impressionante a seqüência em que, ao telefone, Ben Urich acompanha um assassinato. Em três fortíssimas páginas com grade de cinco tiras, alternando quadros do repórter ao centro na iluminada e movimentada redação do Clarim com outros de uma enfermaria sombria e silenciosa, o ilustrador cria um dos momentos mais fortes da narrativa em quadrinhos. No quadro final, a face de Urich reproduz ipses litteris a expressão da personagem do quadro O grito de Munch, um dos grandes nomes do expressionismo alemão.

É também em Born again que se dá a solução parcial de um dos principais mistérios propostos por Miller durante seu primeiro período em Daredevil: o verdadeiro destino da mãe de Matt Murdock. Meses antes, Denny O?Neil chegou a discutir com Mazzucchelli a criação de uma saga para abordar o assunto, mas, com sua saída, a idéia não foi levada adiante, mesmo porque não havia ficado claro qual deveria ser a tônica. É Miller, porém, que sugere a mais inusitada revelação sobre esta personagem.

O fim de Born again não encerrou a parceria de Miller e Mazzucchelli. Eles voltaram a trabalhar juntos em Batman: Ano um. Depois, Miller ingressou na Dark Horse e passou a criar histórias para personagens próprias, enquanto Mazzucchelli dedicou-se mais e mais à ilustração, embora tenha criado obras-primas como Rubber blanket e a adaptação do conto A Cidade de vidro de Paul Auster.

Born Again foi publicado pela Abril Jovem em 1986, na revista SuperAventuras Marvel e mais tarde reeditada na edição especial Demolidor: A Queda de Murdock. Em 1999, a mesma editora trouxe de volta esta série espetacular, desta vez, não mais em formatinho, mas em seu tamanho e cores originais. Quem leu ambas as versões brasileiras pôde acompanhar uma saga que tratava dos limites de um homem, e do que acontece quando eles são testados. Afinal, quando perdemos tudo, o que nos motiva? O que faz com que acreditemos que ainda há esperança? Demolidor: A queda de Murdock, como nos deixam claro Miller e Mazzucchelli, não trata de dor e perda, mas sim de renascimento

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