HQ/Livros

Artigo

J.R.R Tolkien 127 anos | A curiosa trajetória do sucesso tardio de O Senhor dos Anéis

Edição pirata norte-americana e movimento hippie transformaram livro em bestseller quando escritor tinha mais de 60 anos

03.01.2017, às 12H41.
Atualizada em 03.01.2019, ÀS 14H02

Hoje é 3 de janeiro, o que significa que neste dia, em 1892, nasceu John Ronald Reuel Tolkien. Em meio a edições comemorativas e livros inéditos, Tolkien segue sendo celebrado como um dos autores mais influentes dentro da literatura mítica moderna. E não é para menos. O garoto nascido em Blumefontaina, na África do Sul e que gostava de inventar novas línguas mudou para sempre o gênero da fantasia ao criar a Terra-Média um mundo complexo e de grande riqueza cultural, linguística e mitológica.

None

No entanto, o sucesso de O Senhor dos Anéis demorou para acontecer. É estranho pensar nisso hoje em dia, ainda mais após a conquista de uma nova audiência com as adaptações de Peter Jackson para o cinema, mas, uma breve análise da trajetória comercial do livro evidencia que o sucesso global veio muito tarde. Tolkien já passava dos sessenta anos quando O Senhor dos Anéis fez dele um autor best-seller. Apesar do imediato sucesso no Reino Unido, foram necessários dez anos para que editora comprasse os direitos de publicação nos Estados Unidos, em uma história cercada de curiosidades e determinante para a transformação de O Senhor dos Anéis em um fenômeno mundial.

Em 21 de setembro de 1937, Tolkien publicou O Hobbit e imediatamente o trabalho foi bem recebido por crítica e público, com a tiragem de 3.500 exemplares se esgotando de forma rápida. Apenas um mês depois do lançamento, Tolkien e seus editores começaram a conversar sobre uma sequência. O autor então ofereceu à editora O Silmarillion, mas este projeto foi  recusado pelos executivos, que estavam buscado um livro no mesmo tom do O Hobbit. Tolkien percebeu então que o ponto de partida seria o anel recuperado por Bilbo na caverna de Gollum. A história cresceu e o primeiro volume de O Senhor dos Anéis foi publicado na Inglaterra no verão de 1954, quase 16 anos depois de Tolkien ter iniciado o trabalho.

Os três volumes foram publicados entre 54 e 55 na Inglaterra pela Allen & Unwin e importados para o Estados Unidos pela Houghton Mifflin. No início de 1964, Donald Wollhein, funcionário da Ace Books, editora conhecida por publicações em formatos populares e de menor custo, começou a observar o sucesso do O Senhor dos Aneis entre os universitários norte-americanos, especialmente na Califórnia. Empolgado com o potencial da obra, Wollhein ligou para Tolkien e perguntou se o professor  autorizaria a publicação da trilogia em paperbacks. A resposta foi curta e grossa: “Nunca permitirei que meus grandes trabalhos sejam lançados em um formato tão degenerado como paperback”.

Obstinado, Wollhein então pesquisou a situação contratual das obras de Tolkien nos Estados Unidos e descobriu um furo de copyright no contrato com a editora que importava a obra para a América. Se aproveitando da confusa política de copyright nos EUA da época, a Ace publicou em junho de 1965 as edições “degeneradas”, que logo caíram no gosto popular. Pressionado pela editora, Tolkien se viu obrigado a completar uma série de revisões na qual já vinha trabalhando, para que sua editora americana pudesse lançar novas edições tanto de O Senhor dos Anéis quanto de O Hobbit. Vendo o aproveitamento da trilogia da Ace nas vendas, a Houghton & Mifflin decidiu lançar uma versão original sem revisões do autor em uma edição sem muitos atrativos, o que rendeu críticas do próprio Tolkien.

Ainda que as edições da Ballantine viessem com uma declaração de autorização de publicação do autor, a Ace Books vendia os livros com um preço mais barato ($ 0.75 contra $ 0.95 da Ballantine) e capas mais atraentes. Em suas respostas às cartas de fãs norte-americanos, Tolkien contava sobre o aborrecimento que sentia em relação à confusão editorial. O boca-a-boca entre os fãs cresceu com uma velocidade impressionante e, em poucos meses, o imbróglio chegou à imprensa nacional, intrigando pessoas que nunca haviam lido O Senhor dos Aneis a procurar o volume nas livrarias. Durante o ano de 1965, 100 mil exemplares da edição da Ace haviam sido vendidos. Em seis meses do mesmo ano, a edição da Ballantine alcançou a marca de um milhão de exemplares vendidos.

A pressão excercida por grupos de fãs das obras do autor mostrava um pouco das proporções que Tolkien começava a adquirir dentro da cultura popular da época. A publicidade e o envolvimento dos leitores na briga editorial entre a Ace Books e a Ballantine, aliados à significativa marca de um milhão de exemplares vendidos, provocaram o surgimento de um certo culto sobre o autor, que caiu nas graças da juventude norte-americana e encontrou ecos dentro do movimento hippie. Rapidamente, Tolkien se viu no meio de um furacão midiático, sendo transformado em uma espécie de guru e pavimentando seu caminho para se tornar a principal referência dentro da literatura fantástica, praticamente um sinônimo do gênero.

Próximo da aposentadoria e ansioso para dedicar o tempo livre na edição de outros projetos, principalmente O Silmarillion, livro que passou quase quarenta anos escrevendo, J.R.R Tolkien não aproveitou totalmente o sucesso de O Senhor dos Aneis. De personalidade forte, não gostou de ter se tornado uma figura cultuada, não entendendo o porquê das pessoas se interessarem tanto por sua rotina, hábitos ou vida privada. Para Tolkien, só a obra importava. 126 anos depois de seu nascimento, podemos afirmar com segurança de que ele estava certo.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.