HQ/Livros

Entrevista

Omelete entrevista Joe Sacco

Conversamos com o jornalista e quadrinista

05.07.2011, às 01H32.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 09H04

O cara do jornalismo em quadrinhos. Esse é o rótulo que acompanha Joe Sacco, o maltês radicado nos EUA considerado pai do gênero que combina a reportagem tradicional às possibilidades das imagens com palavras. Rótulo que lhe garante renome internacional, dos convites para levar suas HQs-reportagem a jornais de respeito como o Guardian, até o Brasil, onde quase toda sua obra já foi publicada e estão disponíveis Notas sobre Gaza, Derrotista, Área de Segurança: Gorazde, Palestina: na Faixa de Gaza, Palestina: Uma Nação Ocupada e Uma história de Sarajevo.

Notas Sobre Gaza

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Palestina

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Palestina

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Área de Segurança Gorazde

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Sarajevo

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Joe SAcco

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O Derrotista

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Sacco não é um repórter qualquer: já foi a zonas de conflito, como a Palestina e a Bósnia, para mostrar com investigação apurada como é viver em guerra. Também não é qualquer quadrinista: ele é extremamente detalhista nas ilustrações, buscando reproduzir rostos, cenários, armas e os constantes buracos deixados por granadas, balas e minas terrestres, fazendo o leitor acompanhá-lo nas suas andanças por casas e cidades devastadas.

O autor chega ao Brasil nos próximos dias para participar da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. Para quem estiver lá, sua apresentação acontece no sábado, dia 9 de julho, ao meio-dia. Na correria pré-viagem, Sacco topou responder cinco perguntas do Omelete sobre seu trabalho. Confira abaixo.

(Agradecemos à editora Companhia das Letras, que intermediou o contato com o autor, e aos pesquisadores da lista de discussão Jornalismo em Quadrinhos, que colaboraram com sugestões de perguntas para Sacco.)

Durante um de seus primeiros trabalhos de jornalismo em quadrinhos, Palestina, lembro que você menciona uma discussão sobre o conflito Israel-Palestina com uma garota que estava tentando levar para cama - e que esse teria sido um dos motivos para sua reportagem. Anos depois, em Notas Sobre Gaza, você documenta um período esquecido do conflito entre israelenses e palestinos, compara relatos divergentes, paga pesquisadores para complementar sua investigação... Houve algum momento entre uma obra e outra em que você pensou “preciso levar esse negócio mais a sério”?

Bom, não sei como ficou a tradução no Brasil, mas eu não fui à Palestina só para impressionar uma menina. Por mais que eu ame as mulheres, prefiro impressioná-las com flores, jantares à luz de velas e meu papo cabeça. Sempre levei meu trabalho muito a sério. Percebo que o tom de Palestina é levemente mais sarcástico, mas penso, ou espero, que isto tenha servido apenas para manter o interesse do leitor. Injetar um pouco de humor foi minha forma de ajudar o leitor a digerir um assunto meio complicado. Se eu exagerei, bom, aí é outra questão, que deixo para os críticos.

Notas Sobre Gaza obviamente é um livro mais sóbrio, com um foco tão impiedoso sobre dois incidentes bem feios, de 1956, que o tom sarcástico não seria apropriado. Mas talvez meu estilo tenha amadurecido. Mesmo meu trabalho sobre a Bósnia foi feito sem muitos desses floreios de humor. Meus desenhos, aí eu tenho certeza, ficaram mais realistas ao longo do tempo. Esta foi uma decisão consciente.

O jornalismo em quadrinhos parece estar em algum ponto entre o jornalismo tradicional e as reconstituições de fatos na TV ou no cinema - já que você apresenta sua interpretação dos fatos não apenas com palavras, mas também com desenhos. Você tem alguma regra própria quanto a como manter o aspecto factual do seu trabalho?

Você tem razão ao dizer que meu trabalho é uma interpretação. Na verdade, acredito que qualquer mídia, incluindo a escrita e a fotografia, envolve interpretação, mas desenhar é algo particularmente subjetivo porque o artista tem que agregar diversos componentes para chegar ao retrato completo.

Tento ser o mais fiel possível à situação ou à cena. No caso de fatos que aconteceram no passado, tento andar pelo mesmo lugar onde aquilo aconteceu. Pude fazer isso na Bósnia e também em Gaza. Muitas cenas em Notas Sobre Gaza, por exemplo, acontecem numa escola em Rafah. Essa escola ainda existe, então pude tirar várias fotos. Também entreguei cópias de um mapa esquematizado do pátio da escola, para que as pessoas que entrevistei pudessem marcar onde ficavam determinados elementos - como jipes, arame farpado, soldados. Montar uma interpretação como essa nunca vai sair perfeito, mas minha interpretação é bem informada, baseada em entrevistas e pesquisa. Não vem do nada.

E quando ou como você acredita que o jornalismo em quadrinhos pode ser mais (ou menos) eficiente que a reportagem tradicional?

Quanto à força do jornalismo em quadrinhos, diria que a característica primária é a possibilidade que ele dá ao leitor de ver-se imediatamente transportado para um período ou local diferente. As imagens múltiplas dão pistas visuais constantes - informações sobre a paisagem, a arquitetura - que entram no subconsciente do leitor. Pelo menos essa é a minha teoria.

Quando você começou a chamar seu trabalho de “jornalismo em quadrinhos”?

Bom, fui eu que inventei o termo, mas não pensei muito no significado. Não fiz nenhum manifesto para apoiá-lo nem nada assim. Ao longo do tempo cheguei a um arremedo de teoria, mas o impulso inicial, como muitas das coisas artísticas, não passou disso - um impulso. Francamente, eu não tinha muita certeza do que estava fazendo e muitas das minhas ações foram intuitivas.

Quais foram as bases para criar esse gênero, à sua maneira, inspirado em quadrinhos, autores do new journalism, fotojornalistas, documentaristas...?

É claro que fui tremendamente influenciado por obras sérias de jornalismo, de gente como George Orwell, e também fui bastante afetado por autores do new journalism como Hunter S Thompson e Michael Herr. Foram principalmente outros jornalistas que me influenciaram, não fotojornalistas, nem documentaristas.

Você seria brilhantemente capaz de reportar fatos históricos somente com a palavra escrita ou em outras mídias. Talvez usar uma mídia tradicional desse uma camada de respeito maior entre o público em geral - nas suas descobertas em Notas Sobre Gaza, por exemplo. Para completar, seus quadrinhos são muito detalhados e você leva anos para finalizar um álbum. Enfim, por que fazer tudo isso em quadrinhos?

Por que os quadrinhos? Porque é o que eu faço. Estudei jornalismo mas não consegui achar trabalho como redator, como planejava. Acabei voltando para os quadrinhos e, para o bem ou para o mal, acabou virando meu meio. É óbvio que você tenta aproveitar o que há de melhor no seu meio, mesmo conhecendo suas limitações. É óbvio que você pode levar anos para escrever e desenhar um livro de alguma substância, e às vezes é frustrante para o jornalista dentro de mim que queria estar lá em campo conversando com gente e observando as coisas. Mas são ossos do ofício.

Percebo que foi um esforço tremendo para subir a ladeira até ser levado a sério, mas aos poucos as pessoas aceitaram. Os quadrinhos são uma mídia muito visceral. O leitor é colocado na cena. Também parece muito fácil, e o leitor pode ser seduzido a achar que será uma leitura tranquila. Mas você pode tocar em questões profundas com quadrinhos, assim como comunicar informações bem complicadas, e nesse sentido os quadrinhos ainda são subversivos. Como um lobo em pele de cordeiro.

Leitores e editores comentam sempre sobre a possibilidade de você vir ao Brasil cobrir nossas “zonas de guerra” - como a questão dos traficantes. Você chegou a considerar isto? Tem planos?

Os traficantes? Não tenho planos de fazer uma história no Brasil, e com certeza não sem entender muito bem o contexto. Não tem nenhum cartunista brasileiro que possa fazer essa história por aí?

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