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Entrevista

“Literatura não precisa viver longe do entretenimento”, diz revelação do suspense policial brasileiro

Com novo livro sobre canibalismo e colaborações em séries da Globo, Raphael Montes se consolida como grande nome do gênero

14.12.2016, às 14H30.
Atualizada em 14.12.2016, ÀS 16H00

Quando se olha para o currículo de Raphael Montes, a lista de feitos do escritor não parece bater com sua idade. Aos 26 anos, o autor carioca, que também escreve roteiros para televisão e cinema, está lançando seu quarto livro. Jantar Secreto, aposta da Companhia da Letras para o fim de ano, conta a história de quatro jovens moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro que, desesperados para sanar uma grande dívida causada por um deles, resolvem iniciar uma empreitada na alta gastronomia carioca. A peculiaridade está no cardápio: a carne humana é o principal ingrediente. O que poderia ser apenas uma solução rápida se transforma em um perigoso hábito que vai modificar definitivamente a vida de Dante, Victor Hugo, Miguel e Leitão, envoltos em esquemas de tráfico de corpo, higiene social e matadouros clandestino.

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A grande ferramenta das minhas histórias é o ser humano. Gosto de explorar a questão de que não existe o conceito de pessoas boas ou pessoas más. Os seres humanos são humanos em suas perfeições e imperfeições, em seus acertos e erros. Meus livros mostram pessoas comuns, em tese de bem, que, ao serem levadas a situações extraordinárias, cometem atos de atrocidade”, disse Raphael em entrevista ao Omelete na sede da Companhia das Letras, em São Paulo.

Apesar da pouca idade, o autor já é considerado uma realidade dentro da ficção comercial brasileira. Aos 22 anos, teve seu primeiro livro publicado. Suicidas, que conta a macabra história por trás do suicídio coletivo de nove adolescentes em uma casa de praia no litoral do Rio, foi lançado em 2012, após ser pinçado em um prêmio para jovens talentos. “Escrevi Suicidas dos 16 aos 19 anos. Quando terminei o manuscrito, bati de editora em editora, até ser selecionado pela Benvirá. A publicação mesmo só veio três anos depois. O Suicidas não teve nenhum investimento grande de marketing, foi um crescimento contínuo pelo boca a boca até estourar em 2013”, comentou.

O livro de estreia garantiu uma vaga entre os dez finalistas do prêmio São Paulo de Literatura na categoria autor estreante. O reconhecimento chamou a atenção da Companhia das Letras, que abordou o autor para um novo projeto. Dias Perfeitos, uma história de amor obsessivo e paranoico entre o estudante de Medicina Téo e a jovem Clarice chamou a atenção de diversos escritores internacionais e rendeu a publicação da obra por prestigiadas editoras nos Estados Unidos, Espanha e Inglaterra e mais 11 países. No ano passado, a Suma de Letras publicou o terror O Vilarejo, que apresentou o trabalho de Raphael a um público mais jovem.

Já tinha escrito e engavetado O Vilarejo, que destoava muito do que eu queria fazer na época do Suicidas. O legal é que ele atingiu um público diferente do Dias Perfeitos. Agora, estou percebendo que o Jantar Secreto está conseguindo pegar os dois públicos; tanto quem gostou de Dias Perfeitos pelo suspense cheio de viradas, um final surpreendente e  questões psicológicas, tanto quem curtiu toda a violência gráfica do Vilarejo”, disse.

Neste novo livro, Raphael mexe com um tema que povoa o imaginário popular há bastante tempo. Inspiração de diversas obras ao longo dos séculos, de Hans Staden a Silêncio dos Inocentes, o canibalismo também é fetiche e tabu dentro da cultura pop. As alusões ao icônico personagem interpretado por Anthony Hopkins são recorrentes, mas o autor revelou outras influências para o novo projeto.

O Jantar Secreto claramente começa de um jeito e termina de outro bem diferente, é quase um livro 2 em 1. Até a página 150 temos uma comédia de erros bem ao estilo irmãos Coen, com uma crítica social forte e um humor característico. Depois vira um suspense, e no final termina com o terror. É passeio entre as possibilidades de história, gosto de mudar os gêneros dentro de um trabalho. O Tarantino tem um filme chamado Um Drink no Inferno, com uma virada no meio da narrativa, e eu estava com vontade de fazer algo parecido”, falou. Raphael também comentou sobre as influências dentro da literatura: “Acho que o Jantar Secreto tem muito de Chuck Palahniuk, com essa temática visceral. Se eu faço algo parecido com alguém, é com o Chuck. Aqui no Brasil, o equivalente é o Rubem Fonseca. Tento mostrar o pior lado do ser humano com um humor característico”, completou.

Autointitulado escritor policial, Raphael vêm se aperfeiçoando dentro do gênero. Além de contribuições para a série Supermax, da Globo, e Espinoza, da GNT, o autor apresentou recentemente com o roteirista e diretor Matheus Souza uma série policial para a Globo. Para ele, o momento é especial. “Os produtores de cinema e os canais de TV já perceberam esse crescimento. No romance policial contemporâneo é possível aproveitar traços de outras mídias ou gêneros para construir uma coisa nova. Ainda que os romances policiais de hoje em dia tenham os elementos clássicos de obras de Sherlock Holmes ou Agatha Christie, a questão é que, em vez de começar com o crime, ter uma investigação e no final ser revelado um criminoso, podemos embaralhar os elementos e inserir outras camadas, como uma releitura contemporânea.”

A cada novo livro, o autor consolida sua posição de grande figura do romance policial e de suspense na literatura brasileira. Porém, ele não poupa críticas para falar sobre o atual cenário da ficção nacional.  No ano passado, ele usou sua coluna semanal no jornal O Globo para criticar os escritores que fazem a chamada “literatura séria”. Um ano depois, o diagnóstico segue o mesmo.

“Qual foi a última vez que um livro de gênero foi premiado? O Silêncio da Chuva [do escritor do Luiz Alfredo Garcia-Roza ganhou [o Jabuti] em 1997. Desde então não teve mais nada? Ainda vivemos um ranço de que a literatura de gênero é algo inferior, feita somente para entretenimento. Alguns escritores já perceberam que terror, policial e fantasia, na medida em que trazem situações extraordinárias, permitem tratar justamente de assuntos humanos. A boa literatura não vive da distância absoluta do entretenimento. Eu tento ocupar esse espaço. O que quero fazer é contar uma boa história, e a partir disso discutir coisas que me interessam”, concluiu.

Serviço:

Livro: Jantar Secreto
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 39,90

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