HQ/Livros

Entrevista

Omelete Entrevista: Dan Goldman

Quadrinista estadunidense fala sobre webcomics, iPad e Brasil, onde vive

24.02.2010, às 22H00.
Atualizada em 15.01.2017, ÀS 06H02

Os webcomics - as histórias em quadrinhos criadas para a web - são uma área em franca expansão no entretenimento digital. E um dos maiores nomes desse nicho está trabalhando no bairro de Liberdade, em São Paulo. É Dan Goldman, quadrinista norte-americano que se mudou para o país no final do ano passado.

Autor, defensor e embaixador dos webcomics, Goldman ganhou proeminência com Shooting War, sobre um videoblogueiro que vira sensação após ser enviado para cobrir a guerra no Iraque. Escrita por Anthony Lappé, publicada originalmente em 2006, a história previa uma Guerra do Iraque que ainda rendia bombardeios terroristas pelo mundo em 2011.

Red Light Properties

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08

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Dan Goldman

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Shooting War

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Goldman antes participara da fundação de dois coletivos de publicação de webcomics: a FWDbooks e o ACT-I-VATE. De lá para cá, produziu não só novos quadrinhos, como também foi convidado para falar sobre sua área em eventos de prestígio como o festival South by Southwest e a conferência "Futures of Entertainment", do MIT.

A esposa Liliam Higa, brasileira, trouxe-o do Brooklyn nova-iorquino para São Paulo, de onde viu o lançamento de sua mais nova produção, Red Light Properties, sobre uma imobiliária especializada em "imóveis previamente assombrados" (confira). Nenhum de seus trabalhos foi lançado no Brasil - nem está disponível na internet em outro idioma que não o inglês.

Na entrevista abaixo, ele fala sobre as novas plataformas para leitura e produção de quadrinhos, São Paulo e sobre o que deu errado da única vez em produziu uma HQ direto para o meio impresso - '08: A Graphic Diary of the Campaign Trail, sobre a campanha presidencial norte-americana.

Por que quadrinhos online, ao invés da mídia impressa tradicional?

Acredito que não seja uma coisa ou outra... as duas podem e devem existir juntas; há posibilidades nos dois formatos com as quais você pode jogar para servir à história de maneiras diferentes, seja para encontrar seu público ou um editor, ou para expandir as fronteiras do que a mídia dos quadrinhos pode fazer.

Seu público tem o potencial de ser muito maior se você cria seu trabalho online; é algo que aprendi com Shooting War. Bem mais gente leu o gibi online do que a versão impressa [a HQ foi lançada como livro nos EUA em 2007], e usando apenas links, blogs, etc., você alcança leitores sem se preocupar com falta de exemplares ou ter lojas e distribuidores entre você e o público sem motivo aparente.

Acabei '08 depois de um ano sem publicar capítulos na web e descobri que menos gente leu o livro em função disso, mesmo no meio da Febre Global Obama na mídia. Foi ainda pior porque senti que havia criado algo realmente novo nos quadrinhos, mas minha Grande Editora foi muito lenta em adaptar-se ao panorama em mutação e '08 sofreu com isso. Foi a prova da minha teoria, e resolvi que meu próximo trabalho teria vida online antes de virar impresso.

Os webcomics começaram a ganhar atenção nesta última década. Quais são os marcos destes anos que levaram ao estado atual da área?

Acho que o fator principal foram as plataformas de blogs facilitadas, que significavam que você não tinha que trabalhar com código do seu site toda vez que quisesse postar alguma coisa. WordPress, LiveJournal, TypePad e outros deixaram o computador sair do caminho do cartonista, então era só saber como jogar com palavras imagens. Não precisava ser um programador também.

Considero o livro de Scott McCloud Reinventando os Quadrinhos um chamado às armas para que os quadrinhos baseados na tela crescessem e se desenvolvessem por conta própria; muitos webcartunistas ainda estão postando páginas como se fosse papel, mas o livro foi um momento definidor para mim em termos dos caminhos que a mídia tomaria.

E qual é o estado atual dos webcomics?

A onda de publicação digital que transformou totalmente a música, depois cinema e TV e agora os livros finalmente está chegando aos quadrinhos, pois o hardware alcançou o software. Há novas empresas de quadrinhos digitais sendo anunciadas toda semana, e uma delas vai ser o grande destaque do mercado por seus próprios méritos.

O que você pensa de novas tecnologias como o Kindle, o Slate ou o iPad? Como elas podem afetar a leitura dos quadrinhos tradicionais e dos webcomics?

Acredito que veremos uma grande mudança em termos de leitura, similar ao efeito do iPod em relação a como as pessoas descobrem e ouvem música diariamente. Mais gente lendo é algo maravilhoso; mais gente lendo quadrinhos é mil vezes melhor.

Acho que o iPad, recentemente apresentado, vai ser algo gigantesco, tanto para as compras digitais quanto para a leitura de webcomics em geral. Embora não seja a tablet que eu esperava, como consumidor/leitor parece algo facílimo de utilizar e que vai fazer você gastar mais dinheiro. Não tem como isso ser ruim para os quadrinhos.

E como os quadrinistas ganham dinheiro publicando online?

Ajudei a lançar o ACT-I-VATE como uma forma de cartunistas criarem trabalhos online juntos para aumentarem seu público ao trazer todos os fãs para entrarem na mesma festa, onde poderiam conhecer o trabalho de algúem após interessar-se pela HQ de outro. Não existia um modelo de negócios para o ACT-I-VATE, e ainda não há. Ele depende da magia de compartilhar. Muitos dos membros tiveram grande sucesso devido à exposição no grupo.

Para mim, foi um lugar para experimentar em público. Quando o site foi lançado, em 2006, ninguém dava a mínima para mim ou para minha HQ Nelly, então fiquei livre para derrubar fronteiras como quisesse. Tudo que aprendi em termos de colagens digitais naquela história levou diretamente à minha contratação para ilustrar Shooting War. As mesmas técnicas que eu tinha usado para criar a Nova York psicodélica foram adaptadas para o Iraque distópico.

Estou trabalhando no desenvolvimento de algo novo no mercado de quadrinhos, um modelo e sistema de distribuição diferente com perspectivas de longo prazo, mas não é algo que eu já possa comentar.

E como criadores de webcomics podem se sustentar com a publicação online? Há casos de sucesso nos EUA, como Dinosaur Comics, Achewood e outros, mas não muitos fora de lá.

No século 21, você tem que ser ao mesmo tempo empreendedor e artista. Não há um único caminho A internet nivelou o campo e depende da sua criatividade e talento destacar-se como puder. Ninguém mais vai fazer isso por você. Fiz todos os meus projetos de maneiras diferentes, com resultados diferentes, e sempre foram oportunidades de brincar enquanto aprendia a fazer tudo melhor.

Por exemplo, acabei de lançar uma nova webcomic, no site Tor.com, que tem um "contrato de webcomic" estruturado como um contrato de livro, mas apenas para a publicação de episódios online. O produto é meu e posso vender o projeto como livro a quem quiser quando terminar. Isso nunca foi feito antes, até onde sei mas, de novo, é uma experiência de aprendizado. Os quadrinhos mudam e evoluem, o "negócio" dos quadrinhos também, e se você quer se sustentar como cartonista, vai ter que prestar atenção em tudo e descobrir maneiras de conquistar essa liberdade.

E a mudança para o Brasil? Sua conta no Twitter diz que você vive em "Brooklyn/Miami/São Paulo".

Moro no Liberdade atualmente e estou achando muito inspirador e divertido. Já estive no Brasil várias vezes e minha mulher é paulistana, mas nos desconectamos do matrix nova-iorquino em novembro e planejamos ter uma espécie de base no Brasil. Não sei se ainda acredito em algo "permanente" o mundo é muito pequeno e veloz, e como faço todos os meus trabalhos pelo laptop, posso ir a qualquer lugar e continuar trabalhando. Viajar é a única atividade que amo mais do que contar histórias (para mim, elas são interrelacionadas), então tenho sorte de ter flexibilidade na minha vida profissional. Tem muito mundo para se ver.

Você teve algum contato com a cena brasileira de quadrinhos?

Apenas um pouco. Acho o trabalho de Rafael Grampá absolutamente incrível, mas não o conheço. Tive um excelente almoço com Gabriel Bá quando visitei "Sampa" uns três anos atrás.

Parece que São Paulo tem uma relação vigorosa e apaixonada com quadrinhos. Você só precisa ficar parado no metrô da Praça Liberdade e ver os cosplayers Tem anime/mangá/gibis por todos os lados (até nas minhas Havaianas!) e eventos de mangá a toda hora. É um ambiente mais amigável e aberto para mim do que os EUA. Não gosto mesmo dos quadrinhos de super-heróis americanos e os trabalhos que vi aqui parecem ter mais referências italianas ou espanholas, que produzem obras mais adoráveis e personagens com mais alma do que os quadrinhos que me cercavam em Nova York.

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