HQ/Livros

Entrevista

Omelete Entrevista: Sierra Hahn

Editora da Dark Horse e amiga dos brasileiros fala sobre como descobre novos talentos

24.11.2009, às 00H00.
Atualizada em 23.11.2016, ÀS 14H06

Sierra Hahn não é apenas a bela namorada de Craig Thompson, com quem formava um casal curioso nos passeios por Belo Horizonte e São Paulo. Ela é, hoje, uma das principais editoras da Dark Horse, terceira maior casa dos quadrinhos nos EUA, e responsável por projetos grandes como Umbrella Academy, Buffy: Season 8 e The Goon.

Seu contato com o Brasil é mais do que especial. Além de já ter trabalhado com artistas como Will Conrad e Cliff Richards (os mineiros Vilmar Conrado e Ricardo Fraga), atualmente é ela que - junto ao managing editor da Dark Horse, Scott Allie - cobra as páginas de Fábio Moon e Gabriel para projetos como BPRD: 1947 e de Rafael Grampá e Daniel Pellizzari para Furry Water. E diz estar bem entusiasmada para levar mais bons artistas brasileiros para os EUA.

Sierra Hahn

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Sierra Hahn

Buffy - A Caça-Vampiros

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BPRD 1947

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Umbrella Academy

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The Goon

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A carreira de Sierra (o nome vem da ascendência espanhola) nos quadrinhos começou há cinco anos, no departamento de relações públicas da linha Vertigo, da DC Comics. A oportunidade na Dark Horse veio há três anos. Pelo que revela na entrevista abaixo, sua principal habilidade é descobrir novos talentos para a editora.

Ela ainda dá várias dicas para quem quer entrar no mercado, fala sobre a cena de quadrinhos em Portland (cidade sede da Dark Horse), Furry Water e por que aposta alto na HQ brasileira. Confira:

Como você começou a trabalhar na Dark Horse?

Eu cresci próxima a Portland, depois me mudei para Nova York para trabalhar na área editorial. Queria muito ser editora, mas encontrei uma oportunidade na DC Comics na parte de divulgação, promovendo os livros junto à imprensa. Aí a Dark Horse começou a procura por um editor, me candidatei e acabei conseguindo a vaga. Eu já havia conhecido Scott Allie uma vez em Nova York, quando ainda trabalhava na Vertigo. Consegui fazer a transição de RP para editora e fiquei muito empolgada.

E como você conheceu a turma brasileira dos quadrinhos?

Scott Allie me apresentou ao Gabriel [Bá] e ao Fábio [Moon]... Ele havia trabalhado com Fábio em Sugar Shock. E os gêmeos já tinham um relacionamento com a Dark Horse porque haviam trabalhado com [a editora] Diana Schutz fazendo o álbum De:Tales.

Quanto ao trabalho de Rafael Grampá, encontrei na Internet, no blog dele. Sabia que Mesmo Delivery ia sair em San Diego, então pedi ao Gabriel para me apresentar, porque havia gostado muito da arte. Comprei um exemplar e aí comecei a perseguir ele, dizendo: "você tem que trabalhar comigo, nós temos que fazer um projeto juntos!". E deu certo. Estou bem empolgada com Furry Water.

Faz parte do seu trabalho procurar artistas pelo mundo, consultando blogs, da mesma forma como chegou ao Grampá?

Sim, fico olhando blogs a todo momento. Recomendo a todo artista ter um blog ou algum tipo de presença online. Fico em Portland, Oregon, que é uma cidade pequena. Lá, temos muitos bons artistas de quadrinhos, mas é sempre legal olhar para fora do seu próprio umbigo. A melhor maneira de fazer isso é online ou em convenções. Aí eu vou, por exemplo, no blog do Fabio e do Gabriel, eles têm links dos amigos e então saio clicando e acessando todos... Já encontrei ótimos talentos assim.

Ivan Brandon comentou que Portland é uma cena pulsante dos quadrinhos, em nível mundial. O que vocês têm lá para que isso aconteça?

Não sei bem... Bom, temos a Dark Horse, a Top Shelf e a Oni Press, três ótimas editoras independentes. Alguns festivais também, como o Stumptown Comics Fest. Muitas lojas de quadrinhos, que ficam abertas até tarde e promovem festas, então as pessoas podem vir e comer, beber, conversar, trocar ideias. Alguns dos grandes quadrinistas e artistas estão em Portland. Brian Michael Bendis está lá, Joe Sacco... Mike Mignola também morava lá.

Bom, é simplesmente uma ótima comunidade de quadrinistas. E a cidade nos apoia, o que é algo difícil de encontrar. Temos um mês dos quadrinhos, quando a cidade ajuda a patrocinar vários eventos e coisas do tipo. Eu não sei exatamente porque todos acabaram lá, mas acho que o custo de vida também é bom. As pessoas podem vir e ter uma boa casa e trabalhar como artistas sem ter muito, muito dinheiro, como em Nova York, onde você precisa de muita grana para o básico.

É sua primeira vez no Brasil, certo?

Sim.

Dos artistas nacionais, você já conhece Moon, Bá, Grampá...

É, acho que sim. Rafael Albuquerque também é daqui? Conheço o trabalho dele, mas não o conheço pessoalmente. Gosto muito, mas nunca conversamos. Ah, Will Conrad e Cliff Richards! Cliff fez Buffy: A Caça-Vampiros e Will Conrad fez Serenity para nós. Trabalhei com eles nesses dois projetos.

Você veio aqui pensando em procurar outros artistas ou não estava nos seus planos?

Não era algo planejado. Não acho legal eu chegar aqui e dizer "olha, sou editora, venha me mostrar seu trabalho!". Estou observando mais discretamente e quem sabe venha a descobrir algo desta maneira. Mas ainda é ótimo quando as pessoas vêm me entregar seu material. É o único jeito que tenho para ver o que está acontecendo, quando as pessoas me dão o trabalho e eu posso levar pra casa e realmente absorver aquilo. É muito difícil quando estou aqui e só tenho alguns minutos para olhar. Gosto de passar um tempo com a obra e digeri-la, observar as abordagens, as técnicas. É sempre bom ter algo para segurar e olhar.

Nas convenções, como em San Diego, você ficava cercado por artistas, como aqui?

Bom... em San Diego eles me pagam para ir [risos], então reservo tempo para me reunir com os artistas e ver portfólios, conversar com eles sobre técnicas e perspectivas. Encorajo as pessoas a terem blogs e me atualizarem sempre que o trabalho for se desenvolvendo, porque é possível perceber potencial num portfólio e sentir que aquilo vai crescer e melhorar. É ótimo quando as pessoas me mandam coisas e aí vão me atualizando durante o ano, porque novos projetos aparecem e aí já tenho a pessoa certa. Mas às vezes não tenho, então pesquiso online e olho portfólios para que possa contratá-los para algo específico.

Comenta-se muito o destaque meteórico de Grampá, que levou a Furry Water. É uma ascensão inédita para o mercado brasileiro. Como você percebe potencial num artista como Grampá para criar um produto para o mercado americano?

A arte dele é muito fantástica. Ele sabe contar uma história e faz isso de forma única e cinematográfica. Tem tanta energia nas ilustrações, coisa que eu não via há muito tempo. Acho que os jovens artistas começam a aprender imitando os já consagrados e eu acho que essa é a melhor maneira de começar. Mas o que vi no Grampá foi algo totalmente novo. Como editora, foi muito empolgante ver algo assim, e queria fazer parte disso.

Começamos a falar sobre Furry Water e todas as ideias para a história me empolgavam. É algo que eu gostaria de ler, de que eu gostaria de fazer parte, uma experiência em quadrinhos que eu gostaria de ter. E espero que todos concordem. Acho que a maioria dos leitores vai por causa das ilustrações, mas depois que começarem a ler a história, que Grampá e Daniel Pellizzari escreveram, vão se empolgar com ela, porque tem profundidade... Acho que vai ser ótimo.

Você conheceu o trabalho de Pellizzari como romancista?

Passei pouquíssimo tempo com Daniel, mas ele é genial. Está sempre pensando, fazendo associações. E ele traduz alguns dos meus autores preferidos, como o David Foster Wallace. Mas adoraria ler o livro dele [Dedo Negro com Unha, não publicado nos EUA]. Ele é tão articulado e poético nos e-mails! [risos] E está fazendo um ótimo trabalho com a história. Tantas ideias brilhantes sobre essas famílias que andam por Furry Water, suas vidas nesse mundo pós-apocalíptico. E as relações entre os irmãos, numa aventura louca, violenta, sangrenta. É muito divertido.

Quantos edições você já viu?

Estamos trabalhando na primeira agora, mas já temos dois roteiros. Serão seis edições no total, com 32 páginas de história, o que é fora do comum. A maioria das histórias em quadrinhos tem 22 páginas. Demos mais espaço para eles, o que normalmente ninguém conseguiria. Tive que brigar por isso, mas a história era tão boa...

Eles que pediram?

Sim, Grampá e Daniel pediram 32 páginas e eu tive que falar para a Dark Horse "vale a pena pagar pelas páginas extras, vai ser muito bom!". Então eles aprovaram.

Você tem em mãos um projeto de antologia com autores brasileiros [a Inkshot], e ouvi você falando com eles que seria bom ter um tema que conectasse as histórias. Você diria que com a abertura para artistas brasileiros nos EUA, seria hora de publicar uma antologia totalmente produzida por quadrinistas brasileiros lá fora?

Claro, com certeza apoiaria isto. Em junho, fui a Portugal, e tanto aqui quanto lá vejo um estilo muito diferente do que existe nos EUA. Gosto muito disso. Gosto de ver algo novo, uma energia diferente, olhares diferentes. É esse tipo de coisa que quero encontrar. Uma antologia é um ótimo recurso, porque mostra bem a diversidade. Se você for a San Diego e tiver algo assim para mostrar aos editores, é o melhor jeito de começar, para que eles vejam tudo.

Eu normalmente compro muitas antologias americanas, porque elas trazem vários cartunistas jovens e emergentes. Como 24/7, organizada por Ivan Brandon. Usei essa tantas vezes, me perguntando "Quem desenhou isso? Como eu encontro essa pessoa?". Mas antologias não vendem muito bem nos EUA. Eu estou editando uma chamada Dark Horse Presents, que estava no MySpace, mas parece que não dá mais para ler no Brasil, o que é terrível. Foi ótima porque me deu a oportunidade de procurar novos talentos. Mas trata-se mais de cultivar novas relações do que de fato ganhar dinheiro. É legal ter esses relacionamentos, mas é difícil para a empresa manter algo assim, sem grana entrando.

Joe Quesada, editor da Marvel, disse que gosta de ter ilustradores estrangeiros trabalhando para a Marvel, mas nunca pediria a um escritor estrangeiro, que não fala inglês, para trabalhar para a Marvel Comics, ou para os quadrinhos americanos em geral. Você tem uma opinião diferente ou concorda com ele?

No caso do Grampá, por exemplo, Daniel [Pellizzari] traduz os roteiros. Acho que Grampá tem tantas ideias incríveis, num fluxo constante, e deixar de trabalhar com ele porque não fala inglês muito bem seria uma perda. Acho que se alguém tem uma boa ideia e consegue articulá-la, em qualquer língua, e dá um jeito de explicá-la para mim, não há motivos para eu não trabalhar com essa pessoa.

E quanto a diferenças culturais na história, isso afeta o trabalho feito para o mercado americano?

Eu acho que é complicado o público americano aderir a essas diferenças culturais, mas a partir do momento que isso acontece eles gostam muito. Eu aprecio essa experiência, fazer parte desse mundo. Conhecer o Gabriel, Fábio e o Grampá e trabalhar tanto com eles, ver o quanto eles falam de São Paulo e do Brasil e o quanto a cultura é uma influência e inspiração para eles. É uma honra pra mim poder vir até aqui e ver isso de perto, experimentar tudo isso. Semana que vem eu vou ao estúdio deles e estou bastante empolgada.

O Omelete agradece à simpatia de Sierra Hahn por nos conceder esta entrevista.

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