Séries e TV

Artigo

American Horror Story: Roanoke | As primeiras impressões da misteriosa sexta temporada da antologia de horror

Série chega com um formato completamente diferente dos anos anteriores, mas cheia de boas intenções

22.09.2016, às 16H46.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H24

O período de colonização dos Estados Unidos é tomado de uma série de misticismos que sempre envolvem características consideradas pelos ingleses recém-chegados como pagãs. As colônias eram criadas em meio a batalhas contra índios nativos e investidas espanholas, o que fazia com que o clima de perigo sempre rondasse as novas vilas. Por isso, John White, responsável pela colônia de Roanoke após recomendação de Walter Railegh (o colonizador da área que cobria o que hoje em dia é a Carolina do Norte), antes de sair para uma expedição, recomendou aos colonos que se algum perigo os espreitasse e eles precisassem fugir, que gravassem numa árvore o nome do destino e uma pequena cruz de malta.

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Em 1590, três anos após deixar Roanoke, White voltou e encontrou uma colônia completamente vazia. Roupas e objetos tinham sido deixados para trás e o mato já invadia algumas das casas. A única pista era uma palavra gravada numa árvore: Croatoan. O problema era que a cruz de malta (que indicaria ataque inimigo) não estava talhada e White começou a ter dúvidas a respeito. Os planos eram de visitar a ilha de Croatoan, mas uma tempestade impedia que o navio zarpasse. No dia seguinte, a frota de White resolveu voltar para a Inglaterra e nunca ficou claro o que teria acontecido com os moradores de Roanoke.

Essa lenda que remete ao nascimento dos EUA é a premissa para o que vimos na estreia do sexto ano de American Horror Story, que depois de meses fazendo mistério absoluto sobre o que estava por vir, ressurgiu com o próprio criador, Ryan Murphy, dizendo numa vinheta que finalmente a grande pergunta seria respondida: o que, enfim, a sexta temporada da antologia de horror abordaria? Entre alienígenas, colheitas, internatos e satanismos, o que acabou vencendo foi a suspeita de que Roanoke seria o tema da vez.

American Horror History

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Começamos o primeiro episódio de um jeito como nunca começamos antes: um mensagem informava aos espectadores que aquela era uma história baseada em fatos. Porém, essa era só a primeira de uma sequência de camadas metalinguísticas propostas por essa temporada. A "história real" a que se referia a mensagem não era exatamente a história da colônia de Roanoke, mas sim a história do casal Shelby (Lily Rabe) e Matt (Andre Holland), que estão contando num programa de TV fictício chamado My Roanoke Nightmare, uma experiência de contato real com o sobrenatural. Enquanto eles contam a história, Sarah Paulson e Cuba Gooding Jr. vivem o casal na encenação dos eventos.

Não é incomum encontrar em canais como Discovery Channel ou History programas de TV em que pessoas comuns contam suas histórias para que elas sejam produzidas como dramatizações. American Horror Story tem exatamente essa premissa e em nenhum momento da estreia ou do episódio seguinte, se afasta dela. Shelby e Matt contam como a violência de Los Angeles os marcou e que isso foi preponderante para a decisão de abandonar a cidade e ir morar em Roanoke, condado que existe até hoje e com quem Matt compartilhava laços.

É a partir daí que começam a acontecer coisas estranhas e o documentário/episódio se torna mais próximo da essência de American Horror Story. O casal consegue comprar uma casa antiga no meio de uma floresta e Shelby, que está fragilizada após um aborto, se torna a vítima principal do que ronda a propriedade. Depois que a irmã de Matt, vivida por Angela Basset, se junta ao casal, o clima de dúvida se encerra e os três encaram a evidência de que há algo muito errado acontecendo ali - e que isso tem a ver com a história do condado.

Quebra de Paradigmas

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Para o fã regular de American Horror Story, a estreia foi chocante. Depois de meses esperando pelo tema, pela abertura, nada foi entregue para satisfazer essas expectativas. Estrututalmente falando, os dois episódios vistos até agora não seguiram nenhuma regra estílistica estabelecida pelos outros anos e por conta disso, tema e abertura seguiram essa nova unidade. O título não veio com o subtítulo temático e estamos chamando a temporada de My Roanoke Nightmare (ou simplesmente Roanoke) apenas para fins de identificação. O mesmo para a abertura, que virou uma simples vinheta e que, inclusive, ressuscitou a logomarca vista no primeiro ano.

Por causa da ideia do documentário, vários veículos chegaram a pensar que veríamos uma história diferente por episódio e foi preciso que o FX lançasse o trailer  da temporada para esclarecer que continuaremos acompanhando a trajetória de Matt e Shelby. O segundo episódio reiterou isso e continuamos a acompanhar a história do ponto onde ela parara, com a diferença de que na segunda semana, elementos familiares como as assombrações presas a locais trágicos, voltaram a aparecer. O enfoque na residência de Shelby e Matt, contudo, não afastou do panorama geral da produção a sensação de que ainda não sabemos de nada e que aquele "documentário" parece esconder algo nas sombras.

Esse formato documentalizado, aliás, terceiriza a recepção do nosso envolvimento, já que a Shelby que dá o depoimento não "vive" os acontecimentos na dramatização produzida por esse fictício canal e isso, de certa forma, torna ambígua a nossa relação com a Shelby que berra e se assusta naquelas imagens, que sabemos tratarem-se de uma encenação. Claro que tudo é encenação, mas o ser humano foi brilhantemente programado para envolver-se com a fantasia se suas emoções acreditam, por um momento, que as dores dos personagens são vívidas. Sendo assim, afetar-se pelo sofrimento de Shelby e Matt pode ser um processo turvo, truncado, já que os "reais" são aqueles que dão o depoimento e não os que "vivem" os tormentos. É uma dinâmica realmente intrigante e, ao mesmo tempo, essa "dramatização" tem um valor de produção invejável, afastando a ideia de subrepresentação narrativa, o que é comum em programas como esse.

My Roanoke Nightmare ainda mostrou Kathy Bates, Dennis O'Hare Chaz Bono de relance. Os três ligados a esse passado sombrio do local e com suas habituais interpretações marcantes. O segundo episódio trouxe Lady Gaga de relance, no meio do grupo sinistro liderado pela personagem de Bates e que vive na floresta. A aparição de Gaga já mostrou como ela está diferente do que vimos na temporada Hotel, aumentando as expectativas sobre o que Ryan Murphy ainda esconde na manga. É bastante provável que em episódios futuros a dinâmica mude completamente e que uma grande virada coloque a temporada num eixo mais manipulável, sem que estejamos presos ao formato documental. Se a abertura ressurgir no meio da temporada, não ficarei surpreso.

O que vimos nesse começo de sexto ano foi uma quebra total dos paradigmas da série e uma provocação com seu público, desafiado a flexibilizar seu envolvimento por uma perspectiva completamente nova. O retorno de American Horror Story para seu sexto ano provou que a série pode ser tudo, menos conformista.

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